segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

pt. 9

Optou por correr, adentrando o labirinto macabro com passos largos. Olhava para os lados, procurando um vulto qualquer, porém ninguém encontrou. Tempo depois, avistou uma grande porta de bronze - no final de um comprido lance de escadas - um tanto familiar. Em questão de segundos, sentiu seus pés tocarem as lajotas de pedra da calçada. A luz do sol estava fraca, mas a ausência de nuvens e vento tranqüilizava aqueles que não tinham paixão pelos dias frios. "Liberdade!". Fechou os olhos por alguns segundos, tateou o cabelo e ajeitou um ou outro fio que saíra do lugar.
Era uma sensação esquisita sair daquele esconderijo, daquele mundo paralelo que Arthur construira, onde não se enxergava a vida em cores. Caminhou algumas quadras, não reconhecendo praticamente nada. Deveria existir um bar por ali, um lugar onde pudesse ficar livre do clima de confinamento. Passou por uma porta, numa esquina qualquer. Um balcão lustroso e preto, cadeiras brancas e altas e luzes levemente vermelhas.
Se dirigiu a um cara alto e gordo, afro-descendente, de gravata-borboleta vermelha e avental, que secava copos com certa impaciência. Para o horário que deveria ser, o número de clientes parecia bastante satisfatório. Pediu uma bebida forte e
sentou-se em um canto mais afastado, puxando em direção ao peito um cinzeiro marrom.
Assim que recebeu o copo em mãos, sentiu que alguém se aproximava. Reconheceu o homem que se sentou ao seu lado. Fisicamente semelhante ao atendente, porém trajando roupa social escura e justa: esse era Thomas, outro 'escravo' de Arthur. Demorou para saber se ele o percebera também, se agia com indiferença e, o mais importante, se a chegada dele representaria um problema.
- O mesmo de sempre, Tom?
- Não, Ralph. Quero um duplo dessa vez. - Ao concluir o pedido, virou-se para Antoine a fim de examiná-lo. - Você não deveria estar trabalhando?
- Não. - A voz saiu tremida e sua tentativa de inflar o peito e parecer maior também foi frustrante. Definitivamente não sabia como parecer mais imponente que um homem que mais parecia uma parede e que, provavelmente, o vencia também no número de informações sobre o assunto que unia os dois. - Ele me dispensou hoje.
- E porque ele faria isso?
- Ué, foi gentil. Anda ocupado, não precisa dos meus serviços. - Antoine ouviu as palavras saírem mecanicamente da sua boca, se arrependendo de cada uma delas, sentindo-se um completo idiota.
- Gentileza é algo que realmente não existe naquele corpo. - Ao contrário de Arthur, Thomas não sorria: franzia a testa, mesmo quando falava em tom de brincadeira. Estava desconfiado que o rapaz pudesse estar cometendo um grande erro. Era verdade que, desde que o chefe o colocara num cargo de confiança, representava certo perigo - exceto para aqueles que tinham papel realmente fundamental na história dos negócios de Arthur... como Thomas. - Pela lógica, se ele está ocupado é porque você o fez trabalhar em dobro ou... - Colocou a mão no queixo. - ...você deveria estar muito ocupado também.
- Ele pediu para ficar sozinho com a garota, só isso. Vão demorar, devem ter muito o que conversar. Resolvi espairecer, tomar um café, qualquer coisa. Um breve descanso. - Encarou os olhos fundos a sua frente, então acrescentou: - Você também não deveria estar aqui.
- O Arthur precisa de mim tanto quanto eu dele, Antoine. Não são laços afetivos, mas são mais fortes do que qualquer coisa.
- Eu imagino...
- Você ri porque ainda têm todos os dentes na boca. - Dito isso, Antoine se engasgou com a fumaça de seu cigarro. - Se tem coisa que eu não gosto é de gente do seu tipo.
- Hey!
- A troco de quê ele te contratou?
- Eu também não sei, não fica me culpando. - Odiava não entender direito os planos do velho, o que interferia diretamente na sua resposta a esse tipo de pergunta. Não estava convicto de que era bem-vindo.
- Só acho que mulheres levam mais jeito para ser babá.
O diálogo foi interrompido por um baque produzido pelo copo recém-entregue de Thomas. Apesar de parecer sério, seu humor estava neutro. Demonstrava arrogância, mas só queria se vingar pelas poucas vezes em que esteve com Antoine e este se mostrou antipático e asqueroso.
- Olha, falando sério agora. Não deixa ele controlar sua vida. Imponha limites.
- Ele é meu chefe, não posso ignorar essa hierarquia...
- Aí que tá: ele te ameaça, te faz trabalhar como um condenado, te corta o açúcar e, mais tarde, o cafezinho. O salário é alto, eu reconheço, mas não é tudo.
- Ele me mata se eu fizer algo errado. Literalmente.
- Ele não é tão radical assim, depende muito da merda que o sujeito fez. Talvez em fase de teste... mas você já passou disso, pelo visto. - Deu um gole e suspirou. - É muito fácil ameaçar, Antoine... mas você também representa um perigo para ele, você sabe. Qualquer segredo nos ouvidos errados e ele perde tudo.
- Eu não quero ganhar pelo medo, quero conquistar a confiança dele.
- Muito bonito da sua parte, mas não é bem assim que acontece na prática.
Ambos contribuíram para um silêncio triste, onde cada um acabou com o que restava em seu copo e apoiou o rosto nas mãos. Antoine não esperava que o segurança imenso que trabalhava para seu chefe pudesse se mostrar tão dócil e, inclusive, aconselhá-lo em relação ao patrão. Ainda lidava com um estranho (ou dois...), mas não se sentia tão desconfortável. Com dois dedos, iniciou um barulho chato sobre o balcão - que, por sinal, não durou muito: foi abafado pelo peso da mão gorda de Tom segurando seu pulso.
- Eu trabalho com a família há uns vinte e cinco anos. Acredita no que eu te digo.
- Nossa. Não que eu esteja duvidando disso, mas o Arthur não é tão velho assim, e nem você...
- Ele herdou tudo do pai: as empresas e a maldade. Mas não o culpo por isso...
- Como assim? Eu pensei que ele tivesse feito tudo sozinho, depois de conseguir grana. Quer dizer, ele já podia ser rico, mas eu achei que um psiquiatra do nível dele ganhasse bastante.
- Ah, é claro que a fama dele contribuiu. Ele foi uma pessoa pública, mas viu que com a imprensa em cima dele seria impossível realizar alguns feitos... então se deixou esquecer.
- Feitos? Tipo o quê?
- Tipo dar fins às coisas. Eu não sei o que você pensa que ele estuda, mas acho que já entendeu que ele não é muito... hum... normal.
- Você fala de sangue?
- Falo de tudo. Eu não gosto nem de pensar.
- E porque você insiste em trabalhar com ele se...
- Olha, rapaz, não pense que existe medo nisso. Não mesmo. Afinal, sou eu que protejo a vida dele. - Hesitou antes de concluir. - Bem... eu faço isso por gratidão. Não tenho família, não preciso de mais dinheiro do que já tenho, não faço questão de sair. Por mim é quase indiferente... mas existe o peso de protegê-lo, que é meu papel.
- É bonito isso, mas também não acho que na prática tudo seja tão correto. Você está correndo riscos por isso.
- Mas eu estou fazendo o que acho certo. - Cruzou os braços e olhou atento para o colega. - Porque não caiu fora? Eu sei que você já viu o que aconteceu com a Lorah...
- Mas ela era uma cretina.
- Você diz isso, mas foi ela quem te trouxe para a vida que você tanto gosta...
- Bebida e garotas? Ela sempre aparecia onde eu estava para queimar meu filme!
- Hum... não, eu quis dizer o seu emprego... sua vida pessoal não me interessa.
- Tá, então continua falando sobre o Arthur. O pai dele fazia o quê?
- Era um canalha. Deu um jeito de colocar a mulher num hospício, sabendo que ela não tinha nenhum problema.
- Nossa. O Arthur morava só com ele?
- Com o pai, a irmã menor e, sei lá, empregados.
- Essa irmã é aquela mulher quieta que trabalha na cozinha?
- Não, é claro que não... Morreu, morreu na juventude de Arthur. Ela nasceu com alguma doença dessas bem complicadas, sabe?
- Hum... que trágico. Por isso ele é todo esquisito.
- É, pode ser. - Consultou o relógio com um gesto exagerado, onde Antoine percebeu uma certa pressão para que fosse embora. Deixou a cadeira sem dizer nada, pagou pelo que consumiu e deixou o resto do cigarro no cinzeiro. Ao se despedir de Thomas, este o surpreendeu esmagando uma bisnaga de catchup sobre sua camisa branca. - Antes de voltar ao trabalho, não se esqueça de limpar bem isso... Sabe como é, - Ergueu a sobrancelha e a cabeça, numa tentativa de se mostrar superior. - o Arthur pode descobrir que você tem saído por aí e não gostar nem um pouco.


2 comentários:

Anônimo disse...

Nosso guria, a história tá cada vez melhor, eu achoque tu deve ta gostando muito de escrever, e deve ter superado aquele medo de deixar a peteca cair né, porque tá tri.
Só que eu quero saber o que aconteceu com o Arthur, escreve ai.

Guilherme Gomes Ferreira disse...

que chato esse Thomas, porque ele não se mete com a vida dele? hahahahaha

Bah, tri máfia organizada...e o Arthur? morreu? acho que a menina não conseguiu seu intento

=***