quarta-feira, 14 de outubro de 2009
the day after
domingo, 5 de julho de 2009
Sobre o ridículo do sentir

segunda-feira, 22 de junho de 2009
Esponja.
Quando eu nasci, o famoso Deus não me disse nada. Nem olhou pra mim. São muitas as pessoas que nascem a cada segundo e eu não seria digna da visita divina - mesmo com todo o poder da onipresença. Um cara com uma prancheta colou uma etiqueta adesiva na minha testa. Anos mais tarde, puder ler "esponja" na etiqueta, com o auxílio de um espelho velho e quebrado. Velho e quebrado como eu. Eu nunca soube expressar o sentimento de "ser" uma esponja - talvez seja esse o motivo pelo qual eu recebi essa maravilhosa palavra como adjetivo. Esponja... pensemos o que uma esponja faz: ela engorda e emagrece, freqüenta lugares imundos, fica imunda, recebe duchas de água gelada seguidamente e, por vezes, é trocada por uma esponja melhor. Que merda de vida. Não sei se poderia escolher entre ser uma esponja brasileirinha, do tipo verde-e-amarela que faz a alegria das donas de casa, ou uma esponja mais especial (lilás, de banho, delicada ou com motivo infantil) - o fato é que não me mostraram outra opção. Deus mandou eu ser uma esponja e cá estou, ensaboando essa pilha de problemas. O cara da etiqueta nunca mais apareceu e eu cultivo uma certa esperança de que ele, um dia, vai colar um novo papel na minha testa. Talvez esteja na hora de uma nova pessoa ocupar meu lugar. Mas, talvez, essa demora se deva ao fato de eu estar executando bem meu trabalho ridículo. São muitas as pessoas que nascem a cada segundo e eu não continuaria sendo uma esponja se o que eu estivesse fazendo fosse tão ruim, não é? Não é? Deus deve saber o que faz. Afinal, ele é Deus - o famoso Deus: onisciente, onipresente... Maldito foi o dia em que eu peguei aquele espelho!

domingo, 21 de junho de 2009
gris.
A música começou a tocar e me deu aquela crise de nervosismo. Pra ser sincera, eu não esperava que ele fosse se levantar. Eu queria que ele deixasse aquela mesa e se aproximasse da minha, mas não achei que isso fosse acontecer tão no início da noite. O mais estranho é que, ao mesmo tempo em que eu fiquei eufórica, pensamentos superperturbadores me invadiram. Sabe, eu não queria dançar. Eu não sabia dançar. Dançaria se fosse com ele, mas, pelo mesmo motivo, eu não arriscaria colocar meus pés na pista. Se ele passasse reto por mim seria decepcionante, mas, se estendesse aquela mão bonita daquele modo clássico e brega, também seria desconfortável. Coitado, ele tinha tudo para me fazer feliz. Feliz e infeliz, porque eu nunca me dava por satisfeita.
Ele cumprimentou um conhecido dele que estava sentado quase à minha frente e então fez aquela coisa de subir a sobrancelha e fazer um aceno com a cabeça, num gesto quase imperativo que fez eu me levantar instantaneamente. A gente pegou dois copos e passou reto pelos casais que dançavam. Me disseram que nós ficávamos bonitinhos juntos e, de fato, dançando ou não éramos um belo par. Não que nós fôssemos dignos que ganhar coroas e título de rei e rainha do baile, essas coisas de filme, mas realmente nos dávamos bem. Realmente. E eu gostei de ter debruçado meus braços no parapeito da sacada e sentido um pouco daquela chuva na pele. Ele era uma boa companhia para dias e momentos cinzas. E festas, para mim, tendem a ter essa cor.
Nós ficamos conversando, conversando como pessoas que se gostavam. Isso engloba amizade e um pouco de ciúme talvez - ainda que não se note exatamente isso em uma conversa. Sempre achei engraçado que, desde o início, mantínhamos uma relação internalizada, ao contrário do que se vê por aí. E, apesar de falar muito sobre muita coisa, eu sentia que ainda teria muito por vir. Muito o que falar, o que ouvir e o que sentir. Ele era dessas "pessoas que te fazem sentir", como dizia uma propaganda de seriados da tevê. Acho que não conheço, hoje, outro exemplo para citar. Mesmo quando ficávamos em silêncio, não era de todo mal: ele me causava aquela mistura de emoções e pensamentos e, por menos próximos que fôssemos um do outro, eu sentia que naquela distância que nos separava existia uma grande razão.
Eu não sei se queria mesmo dançar ou se era só o desejo de me sentir tão bem quanto os outros pareciam se sentir. Sempre achei isso uma grande bobagem e evitei que essa preocupação tomasse grandes proporções, mas, naquele segundo, essa dúvida me incomodou. Uma música antiga atrás da outra, luzes discretamente coloridas e sorrisos bonitinhos: aquele ambiente algodão-doce nunca me parecera tão atrativo. E peguei a mesma mão bonita que não fizera o gesto de cavalheiro para mim e a segurei na altura dos meus olhos. Então, deixei que ela se acomodasse onde antes estava, pensando em como justificaria aquele gesto impulsivo. Ele passou os dedos no meu rosto carinhosamente, como fazia às vezes, e nada disse. Nós ficamos nos olhando por um tempo, até que fomos interrompidos pela risada escrota de uma garota bêbada que tinha escorregado nas lajotas molhadas.
Tanto faz, nós não ficaríamos muito tempo juntos. Ele saiu mais cedo com uns dois amigos para beber em algum lugar, mas agradeceu minha companhia. Eu também me senti grata pelas palavras trocadas e por todo aquele bem-estar. E, por mais ingênua que fosse, eu ficava alegre em saber que produzia algum bom efeito em alguém que, pra mim, era especial. Meu medo era de fazer com que ele se acostumasse a me ter sem que eu pudesse acessá-lo do mesmo modo - ou, talvez, meu medo se resumisse em não estar mais com ele. Mesmo que nós só "estivéssemos" nesse tipo de situação em que você se aproxima de alguém ímpar quando tudo a sua volta é par. Tem vezes em que é mais importante dançar, independente da companhia - mas essa parte eu não sabia fazer. Talvez ele precisasse de alguém que o estimulasse, que o fizesse se sentir como todo mundo que mantinha aquele sorriso bobo no rosto. Mais provável, porém, é pensar que ele não precisava de nada, de ninguém. E tudo o que eu tinha que fazer era fingir muito bem que eu não me importava.
terça-feira, 2 de junho de 2009
in a manner of speaking
Acho que tô "perdendo minha religião". De repente, algumas das minhas crenças antigas já não fazem mais o menor sentido. Os filmes continuam os mesmos, o tipo de música também. Os livros, tudo igual. O que mudou foi o modo como eu encaro as coisas. Quer dizer, isso não mudou exatamente: eu mudei, eu mudei. EU mudei. Mudei para um "Eu", com letra maiúscula. Continuo preferindo do outro modo, mas sei que as coisas já não são as mesmas de outrora. Eu escrevi ontem um negócio que não quis postar e tive uma conversa necessária, que me deixou reflexiva e um tanto nostálgica. O dia foi ótimo e a vida tem sido bastante brincalhona. Tenho que dormir e não vi sentido em escrever isso, senão que eu gostaria de dizer que eu posso tentar ser útil. Um tanto pretensioso isso, mas de nada custa lembrar que meus ombros ainda estão aqui - se o que eu disser não ajudar, pelo menos os ouvidos não vão falhar em escutar, eu espero. Apesar de falar merda, não estou no meu momento descontraído. Gosto de ficar quieta, às vezes, bem quieta. E sei que sou mal interpretada por isso. Mas também não me vejo na obrigação de me explicar. Estou amadurecendo idéias, me frustrando com algumas notícias e ficando feliz por outras. A gente sempre pensa que mudou para algo melhor. É o que deveria ser mesmo. Eu fico triste em ver pessoas que já estiveram mais presentes na minha vida enfrentando situações difíceis - espero que tudo se resolva. Gostaria, sinceramente, que esse frio continuasse assim. Acho que é só o que eu posso desejar - porque o resto muda, sempre muda. Não posso nem quero exigir mais de ninguém. Como eu disse, tô "perdendo minha religião". Cansei de me encantar com respostas mágicas. Quero o que é concreto, o que é palpável - qualquer coisa que faça sentido o tempo todo, independente das mudanças na minha personalidade ou no mundo que é externo a mim. Acho que adquiri essa insegurança das coisas, essa necessidade de me basear em verdades consolidadas e não exatamente nos meus conceitos passageiros. Quando tudo parece estar bem, eu entro nesses momentos cinza-masoquistas e nada me tira deles. Exagero: nada que uma boa música e uma boa companhia não sejam capazes de interomper. Só não quero me viciar, me viciar e me frustrar. Não é o que eu acho que esteja acontecendo ou o que eu imagino que faça parte do futuro próximo, mas tenho receio disso. Eu sou uma pessoa substituta. Nada me fez pensar o contrário - talvez sentir, mas sentimentos são efêmeros.
sábado, 21 de fevereiro de 2009
"...mas as letras dele são boas."
"Quando eu fui ferido, vi tudo mudar
Das verdades que eu sabia
Só sobraram restos que eu não esqueci
Toda aquela paz que eu tinha...
Eu, que tinha tudo, hoje estou mudo, estou mudado
À meia-noite, à meia luz, pensando...
Daria tudo por um modo de esquecer...
Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz, sonhando...
Daria tudo por meu mundo e nada mais...
Não estou bem certo que ainda vou sorrir
Sem um travo de amargura...
Como ser mais livre?
Como ser capaz de enxergar um novo dia?
Eu, que tinha tudo, hoje estou mudo, estou mudado
À meia-noite, à meia luz, pensando...
Daria tudo por um modo de esquecer...
Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz, sonhando...
Daria tudo por meu mundo e nada mais..."
_
Guilherme Arantes.
Em homenagem ao outro Guilherme, que também escuta escondido. Aiai, adoro essa letra...
sábado, 17 de janeiro de 2009
Inexpressão (inexata)
Eu saí da cama e evitei minha cara de bunda no espelho do banheiro, procurando escovar os dentes centrada no ralo da pia que, por sinal, estava cheio de cabelo. Sentei na cama para calçar os tênis, colocar desodorante. Eu ia colocar um blusão laranja, mas sempre ouvi que a cor da roupa entrega o nosso humor ou coisa assim, que tem o poder de afastar ou chamar gente para perto, então eu resolvi trocar para um moletom cinza liso com capuz: nada mais inexpressivo que isso. Eu comi alguma coisa e só percebi que estava chovendo quando já estava lá embaixo. Eu geralmente gosto de chuva - o problema é que as outras pessoas não sabem se portar debaixo d'água. Elas pisam nas poças e dirigem de maneira equivocada. Eu geralmente me aborreço com isso, sabe, mas hoje eu acho que não tinha mais nada que pudesse piorar o que eu estava sentindo. Nem calor, nem metrô lotado, nem vendedores do tipo fanáticos religiosos. Tá bom, talvez eles. Mas não apareceram. Sabe, inconsolável talvez fosse o mínimo. Eu quero dizer que nem mesmo alguém que já esteve na mesma situação poderia dizer que sentiu o mesmo. Eu vesti cinza para ninguém achar interessante a minha presença - e não é que eu precisasse de muito esforço para tal -, mas sempre existem os teimosos que insistem em puxar assunto. Teve uma velha e ela comentou sobre uma garota que passou por nós duas, só que eu não concordei com o que ela disse e me fiz de surda. Quer dizer, que saco essa gente. Eu juro que não gosto de ser desagradável, mas vontade sempre existe. Eu botei os fones de ouvido e tentei me esquecer de tudo, de quem eu era e da minha realidade. Não deu tão certo, mas eu não vou dizer que podia ser pior porque não podia. O fato é que eu estava péssima. Nesses dias que a gente se sente gorda e fraca ao mesmo tempo, sabe? É claro que você não sabe. Como eu disse, ninguém sabe. Às vezes, eu acho que eu nasci para ficar sozinha. Nas outras horas, eu não penso em nada e escuto música.
domingo, 21 de dezembro de 2008
Slide Away
Ele não sabe o quanto me machuca quando deixa tudo passar assim, despercebido. Existem esses momentos em que a gente quer ir embora e não se trata nem de chamar a atenção daqueles que insistem em não nos compreender; a gente só quer ir embora. Se ver num daqueles filmes antigos, com um carro velho numa estrada, nuvens de poeira e música boa à toda altura. Ele não entende isso, sequer se passa pela cabeça dele isso. Essa incógnita me enche o saco, apesar de eu ver nela o grande diferencial. Se ele tivesse parado com seus acordes e acordasse um pouco para mim ou qualquer outra porcaria, sabe, mas às vezes parece que ele consegue ser pior do que eu nessa vida de se perder em outras dimensões. Eu me sinto dopada, me sinto num desses dias comuns, tipo madrugada de terça-feira, em que, por insônia ou pensamentos atordoantes, se passa a noite de olhos abertos, com uma caneca entre os dedos e pouca luz. A brisa noturna é de embriagar, entorpecer qualquer um. E eu não sei se sou eu quem não deixa os ponteiros do relógio seguirem seu destino - até que a bateria esteja completamente sem carga - ou se é ele, que enxerga tudo em tons monocromáticos. Pouco importa agora o contato físico: eu quero olho no olho. Esse jogo de indiferenças me agride, me agride como uma risada dada pelo tempo segundos depois de algum arrependimento. Me enche o saco essa porcaria de filme na televisão: o que eu quero com xerifes agora, que eu não tenho ninguém? Deitar na cama é tão perigoso, é como se ela me engolisse e me mastigasse com todos os meus defeitos. Dormir não é pra mim. Não é pra nós. Eu levantei hoje, achando que tinha despertado de um sonho, mas era verdade: ele só estava no meu quarto impresso numa foto. Nada de cheiro de jaqueta. Vou te dizer, ele tem cheiro de jaqueta. Jaqueta jeans. E isso me lembra as vezes em que, antes de sermos alguma coisa, eu esbarrava naquela jaqueta meio que de propósito. Ele sempre fora destraído, sempre fora de não entender as coisas óbvias. E, mesmo assim, tinha idéias ótimas e absurdas sobre as coisas que a gente geralmente não pensa. É uma porcaria ficar jogada na poltrona vendo como ele canta bem. Ele toca muito bem. E sempre com aquela jaqueta, caralho. E, pra ser sincera, eu não sei bem se isso é um desses momentos em que a gente quer ir embora. Eu tô cansada de tudo, cansada de como metade das minhas ações consistem em buscar explicações para as outras. Eu não tenho que me explicar quando só eu tenho interesse na minha biografia. Talvez seja meio deprimente encarar isso, mas é verdade. Foda-se o que aconteceu, ninguém quer ouvir a minha versão sobre como eu perdi o medo de escuro. Ninguém quer ouvir. Só se for a música dele, a maldita música dele, que eu não consigo parar de ouvir. E eu nem sei se ele sabe que eu penso essas coisas todas, mas eu também nem tenho como saber o que se passa lá enquanto estou aqui. Bem que eu queria me sentir turista daquele mundo, daquela cabeça, daqueles olhares silenciosos que me lêem sem responder. Eu já não sei se hoje é terça-feira, se ainda existe alguma caneca que eu não tenha atirado na parede, se... mentira, eu não atirei nada na parede. Eu não atirei nada na parede. E a jaqueta dele está aqui, por incrível que pareça. Ele é que não está. E, mesmo que estivesse, sentado na minha frente que fosse, eu não acho que ele estaria aqui inteiramente, sabe. Sempre em outra dimensão, ele está sempre do outro lado. Do outro lado e nunca do meu. A noite está boa, a brisa está boa e essa vai ser mais uma noite de insônia: ninguém pra me ouvir falar de como eu não entendo nada. Eu não pertenço a lugar algum.
"Slide away and give it all you've got
My today fell in from the top
I dream of you and all the things you say
I wonder where you are now
Hold me down, all the world's asleep
I need you now, you've knocked me off my feet
I dream of you and we talk of growing old
But you said: "please, don't!"
Slide in, baby - together we'll fly
I've tried praying, but I don't know what you're saying to me..."
Oasis
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
96
Eu abri as portas com força, apesar da cena ser exagerada. Olhei para aquelas roupas e sapatos, as bolsas, a coleção de cd's, os boxes de dvd's com os mesmos seriados, as fotos com... bem, o meu piercing é do lado esquerdo. O dela é no lado direito do nariz. Aliás, tudo nela parece direito. Uma boa garota, com um ótimo gosto musical e tato para livros. E fiquei olhando as fotos, recheadas de cabelos ao vento, sorrisos espontâneos e algumas paisagens conhecidas: acho que nada nela me parecia novidade. Não se tratava de falta de originalidade, mas uma faixa de coincidências muito intensa... Coincidência?! Quem eu estou enganando? Ela era exatamente como eu. Exatamente como eu. Depois de constatar isso com meus próprios olhos, nunca tive tanta certeza da veracidade daquela coisa de "vou saír por aí e encontrar outro você". Eu pensava que aquelas coisas me fizessem especial, sabe. Não exatamente dividir o cabelo de um jeito ou de outro, mas toda aquela composição das coisas materiais. Quer dizer, isso é só o que eu sei dessa nova garota. Não conversei com ela, então não posso afirmar que somos tão parecidas assim, em personalidade e na forma de se mostrar ao mundo. Ao ver a escrivaninha, abrir as gavetas, folhear alguns cadernos, pude aceitar que ela era mais organizada. Talvez mais limpa. Sabe, parecia tudo impecável, como se ela fosse um reflexo melhorado de mim. Um alguém que fala outras línguas, além do clássico inglês mal-pronunciado. Um alguém que come doces e não engorda, porque entende de calorias e exercícios físicos e essas coisas que grande parte das mulheres parece saber. Um alguém mais independente e sem medo de parecer ridículo. Não é que eu tenha medo dos outros ou da imagem que é feita de mim, mas a idéia de fazer coisas sem saber por que não me parece muito agradável. Ela parece nem se importar. Talvez isso seja um defeito. E, talvez, eu me importar seja outro ainda maior. Se a gente se encontrasse, garanto que ela me cumprimentaria numa boa, até por não saber o que eu fiz. Não é sempre que se invade assim a privacidade de alguém. O quarto pode dizer muita coisa. E ela não é uma jovem-cor-de-rosa para acreditar inocentemente que eu quero a amizade dela. Eu não quero isso. Não quero. Quero mesmo é entender o que ele viu nela, que eu não percebi. O que temos de tão diferente, de tão incomum. Eu costumva ser a vítima de todo o assédio que hoje é dirigido a ela e só ela. Eles parecem felizes juntos. E não é que eu queira destruir isso. Eu não estou apaixonada. Acho que nunca estive. Lamento não saber tirar os pés do chão quando eu poderia ao menos tentar. Essas fotos não negam o quão alegre ele se sente ao lado dela. Mesmo que ela tenha uma falha na sobrancelha, ela faz ele feliz. E parece não querer nada em troca e se sentir bem com isso. Ele sempre do mesmo jeito, com aquele anel lascado no dedo de sempre. E ela não parece se importar se ele esquece de fazer a barba ou queima o arroz toda a vez que tenta fazer um carreteiro. Talvez seja realmente isso, sabe: ela não se importa como eu me importo. E isso me deixa presa nessa angústia de ver o que eu não vivi e, provavelmente, não vou viver. Tipo aquelas conchas que se tornaram órfãs há pouco e agora esperarão o pisoteio dos turistas nas areias das praias. De repente não parece tão triste. Mas é engraçado, sabe, porque ele podia ter escolhido qualquer pessoa, de qualquer jeito, mas escolhe alguém que defende praticamente as mesmas coisas que eu, que detesta iogurte de morango também e sabe se comportar perante a familia dele. Foi o que eu ouvi. Não que ele tenha me contado, ou que ele saiba que eu tenho conhecimento sobre a vida dele. De qualquer jeito, é tudo público. E, te juro, se eu não me conhecesse tao bem, depois desses anos todos de convivência com a minha aparência, poderia confundir o rosto dela com o meu. Só os olhos que não. Os olhos dela me intimidam. Eu não deveria estar aqui. Nunca foi o meu lugar. E, apesar de todas as semelhanças, ele não parece me notar nos gestos dela. Eu costumava tocar violão graciosamente, mesmo que canhota. Talvez eu seja o lado esquerdo dela. Ou talvez ela seja o que eu tentei ser e não consegui. O fato é que ela vê graça naquilo que eu perdi e isso eu realmente não entendo. Talvez, um dia, ele me explique.
domingo, 7 de dezembro de 2008
Das coisas que eu não entendo
Eu acho que nunca vou entender - e eu não vou fazer o menor esforço para chegar perto disso - o que faz alguém trocar coisas certas e, sei lá, concretas, que realmente importam, pelo incerto, que não oferece garantias. Eu não falo de ousar, arriscar, fazer uma mundança radical na vida, mas simplesmente aplicar o que se aprende.
No fundo, a verdade é que as pessoas funcionam umas com as outras ou não. Simples assim. Um olhar torto no primeiro encontro mudaria tudo, mas ainda assim não seria definitivo. É difícil encontrar gente que pense parecido. Não exatamente "pensar" no sentido de querer salvar o mundo com uma ONG ou ter a mesma cor como favorita, mas pensar no sentido mais ação da coisa. Por mais que opostos se atraiam, as semelhanças sempre serão necessárias para a harmonia da relação. E, cada vez mais, eu vejo que dias e dias dialogando sobre como agir, na mais profunda paz, não substituirão o conforto que é não precisar explicar nada, só sair fazendo. Tipo aquela coisa de tu ver uma situação inusitada e olhar para o teu amigo na mesma hora em que ele te olha: por mais comum e inocente que isso seja, a sintonia no comportamento explica muita coisa.
Amizade é pra ser assim, confortável. Jogar videogame de moleton, comendo algum salgadinho fedorento e tendo a liberdade de falar o que quiser, sem se preocupar com opiniões divergentes. Às vezes, enxe o saco aquela coisa de falar manso e evitar se destacar porque isso pode ser entendido de maneira errônea por alguém. Incrivelmente, a ditadura ainda existe, infiltrada nessas pequenas condições das relações humanas. Como aquelas campanhas de televisão, que buscam de alguma forma trazer informação ou minimizar o preconceito com algum assunto... elas podem englobar muita gente, mas ainda assim não são cento por cento eficientes. Hoje, prevalecem os grupos. Grupos variados, grupos de qualquer coisa - mas, ainda assim, alguma coisa que sirva de critério para unir pessoas diversas. E quando surge algum questionamento, ainda que em tom de dúvida e não de crítica, ele é visto como uma ameaça e, muitas vezes de forma sutil, o membro é afastado para longe, depois para bem longe, até estar seguramente distante. É como se às pessoas fossem frutas podres e tivessem que se unir em espécies, mas de maneira menos orgânica.
Eu tinha intenção de falar que a vida é engraçada e que me cansa ter que falar com os outros (não todos) como se eles fossem crianças, daquele modo "deixa que a mamãe te ajuda", em que, notado qualquer sinal de beiço, se deve voltar atrás e fazer de novo a cortina do paraíso cair sobre a realidade. Simplesmente não flui.
E tem coisas que eu prefiro nem entender, porque concordar com elas seria negar a minha inocência diante dos fatos. Quisera eu me passar por ingênua ao invés de ignorante. Mas não sou eu quem decide isso. E eu me sinto um metro e meio de angústia quando as minhas palavras não chegam nem perto da consciência de quem deveria ouví-las.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
Cinza das Horas
E existem horas que não há música que saiba explicar o que se passa. Tipo quando a conversa acaba de repente, com palavras alegres ecoando em extremo vazio. E a sensação de bem estar se esconde atrás daquela expressão que não diz nada, absolutamente nada. A mais vaga lembrança do que é imperfeito provoca o despertar quase que instantaneamente. E coisa vai, coisa vem; algumas mudam, outras desaparecem de vez: quase não há alternativa para uma provável melhora na situação. Por mais que se tente provar o contrário, a felicidade individual prevalece sobre o desejo comum, o desejo de que todos tenham motivo para estampar um sorriso no rosto. O ser humano é egoísta, é egoísta e isso não é errado não: faz parte da sobrevivência. Porque, ainda que sejam grandes as diferenças, somos também animais: tanto ou mais do que os que conhecemos. A diferença, a singela diferença é que eles não pensam ou não sabem disso - e isso é uma convenção determinada pela nossa espécie. E quem quer saber de espécie quando se está no meio da rua, entre várias e várias pessoas que nem se importam?! E a não-importância também não é motivo de nada, não é justificativa para nenhuma culpa que possa haver. E o botão é apertado, e de novo e de novo. Nenhuma música que fale por mim. Preferível ouvir a sirene dos automóveis, entender que existe mais no mundo do que o meu próprio mundo. A própria compreensão tem seu limite: tem horas que, não importa a força da amizade, da profissão, da experiência - saber mais ou menos da vida não vai ajudar, uma vez que são olhos diferentes a encarar o horizonte. E sentir é bom, sentir é essencial. Quase vital e tão fatal. E vão existir dias em que, por melhores que forem as suas ações, você vai chegar em casa, tirar os sapatos e não querer abrir os olhos de novo até que uma nova manhã comece - e ela pode ser a próxima ou a última, acontecer dentro de horas ou dias. E pouco importa se tem cocô embaixo do seu sapato, a lâmpada queimou, o computador não quer funcionar: quando o problema é interno, não há preocupação externa que o faça se voltar para a realidade que acontece ao seu redor. Ou talvez você seja diferente. Eu não tenho certas responsabilidades ainda, não sei falar com a mesma sinceridade de quem já construiu sua vida fora do berço. Só acho engraçado como a minha falha é o acerto de um e o erro desse alguém surge em mim como uma qualidade. E dessas coisas indescritíveis, impalpáveis, infinitas eu não sei falar mais do que isso. Voar parece ser cada vez mais difícil.
Ps: sobre o título, eu não sou fã do Manuel Bandeira.
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Linha tênue.
Ela prometeu não chorar; ele prometeu não partir. Ele partiu e ela chorou, inconformada. "Foi ele quem quebrou o trato primeiro", pensou. Mas sabia que aquela não tinha sido exatamente uma escolha... assim como, sabia, ele entenderia - se isso fosse possível - que ela estava em situação semelhante, exceto pela distância de tempo que afastava os dois. O espaço entre eles não era maior do que alguns metros, visto que ela estava ao pé de sua lápide.
O sol estava se pondo - a tarde não fora muito animadora. Mais um desses dias com cara de nada. Ela ficou ali pensando, fazendo aquelas coisas que a maioria das pessoas parece fazer - pelo menos nos filmes: lembrar de uma ou outra frase que o falecido costumava dizer, numa tentativa de imortalizar seu pensamento, por mais insignificante que fosse a mensagem. Como se toda palavra dita merecesse glória. Realmente: algumas coisas coisas só recebem valor depois de perderem o que faz com que sejam concretas.
Existe toda uma idealização em cima do estilo de vida onde se escondem certas emoções, ditas "fraquezas", do olhar de outrem. Ele não sabia que ia morrer, bem como ela não imaginava que, de um modo só, fosse quebrar duas promessas. Ou quem sabe três, quatro... Não ficaria com ele para sempre, nem morreria por não tê-lo por perto, não conteve suas lágrimas, nem soube alimentar sua imagem de invencível - mas ele fez o mesmo, o maldito. E se foi assim, sem dar aviso: verdadeiro absurdo!
Passou pelo portão arriscando a tentativa de um plano B - se atirar na frente do caminhão de lixo, que fosse -, mas sabia que a diferença já existia. E o problema maior não seria enfrentar a vida como ela é, a morte que chega repentina ou a dor de um adeus silencioso, mas a impotência que havia em tudo aquilo. Quebra-se a rotina, quebra-se os desejos.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Solitudine
Eu não sei se deveria me desculpar pelos últimos dias, quando a minha cabeça seguiu na direção oposta ao corpo, e o coração foi para o outro lado e, assim, foi realmente difícil que alguém me encontrasse inteira por aí, sem faltar um pouco de senso de humor ou sensibilidade ou mesmo um pingo de atenção e raciocínio. Ao menos meu alongamento melhorou. Sei lá, na real seria pior ainda já começar o dramalhão com isso de pedido de desculpas. Quem realmente tinha que ouvir isso já ouviu pessoalmente. Entre outras coisas, de repente mais óbvias e de mais fácil entendimento, o que me tira o sono é aquela reconstrução nostálgica de coisas que foram e não foram, do que falta ser dito e de como algumas palavras realmente não serão ditas. Eu não me sinto tão abalada com a distância, mas com a impossibilidade. Quando alguém está longe, ele pode continuar perto - basta vontade, lembrança, já não sei. Mas isso não me conforta agora. (Drama). E eu falei disso pra umas três pessoas e de repente não foi como eu queria que fosse, na maioria, e eu não esperava muito mais do que isso mesmo, afinal sou eu que tenho que sentir o que eu tenho que sentir (ótimo uso de palavras, dona Ivy), nem existe razão em esperar que mais alguém se fira com isso. E o fato é que talvez não mude nada mesmo, afinal a distância já existia. Só a impossibilidade, essa sim, nunca tinha se apresentado. E, num momento onde tu se sente um lobo gordo entre ovelhas meigas, ver pessoas se perderem no caminho, tipo água escorrendo pelos dedos, é realmente uma merda. Ainda mais quando é uma daquelas que te fizeram crescer e honrar o valor de uma amizade. So here i go...
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
Olá! Só passei pra dizer tchau.
E, hoje, no ônibus, eu encontrei um conhecido que me perguntou com uma cara suspeita se eu continuava a mesma. E já foi consentindo que sim, que eu não mudei. E eu pensando no que pensar. Porque eu não sei bem como ele me via ou como as coisas eram exatamente para saber o que foi modificado ou não. E, grande merda, não me importa (aquela velha história de "hey, babe, você não paga as minhas contas"). Mas eu me senti indignada um pouco pelo tom de deboche e um pouco por eu me sentir ofendida (sendo que foi tudo fruto de, sei lá, desconfiança). E, num dia como hoje, uma coisa bobinha dessas me deixou pensando uma série de coisas. Ouvir o cara falar com uma guria sobre coisas aleatórias e lembrar de quando era eu a "ouvinte oficial" (a pessoa pra quem ele tava dirigindo as palavras, não uma qualquer que escuta a conversa dos outros no ônibus), de quando tivemos conversas boas e construtivas sem existir esse olhar de "antes e depois". Eu não senti saudade, de um modo afetuoso, mas senti um pouco de remorso ao lembrar que um dia existiu respeito (eu não isso pela história do ônibus) e que ele se dissolveu por razões infelizes. Tá, mas isso foi uma linha. A página de hoje é pensar besteira, conciliar fatos que seriam melhores se "simplesmente não fossem", pensar em escrever um monte de coisas e depois me arrepender por ter atos insensíveis, mas também ser emocional demais. E é meio estranho quando tu pensa em uma coisa e de repente ela aparece na tua frente com o mesmo jeito de sempre, só que para te dizer que isso nunca mais vai ser assim. Eu já não entendo nada.
"E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração..?"
sábado, 27 de setembro de 2008
Reset
O preço de viver num passado de coisas imperfeitas é se obrigar a aceitar que nem tudo é como se deseja. Só isso: aceitar que, por maior que seja o esforço ou a vontade, nem sempre os resultados são reflexos do que foi sonhado. E o não sair dessa condição, desse espaço estacionado no tempo, só faz aumentar a angústia de não entender algumas verdades. As raízes crescem, então, e lá estão os pés fixos ao chão, incapazes de saírem do lugar - ou sequer projetar uma sombra sobre o que ficou. Começar de novo, remodelar os pensamentos de modo que o que foi vivido não interfira como um medo ou uma ferida é um processo na maioria das vezes lento - e tantas e tantas vezes impossível.
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Às vezes eu acho que as pessoas não têm noção de como tudo pode ser facilitado. O problema não está nela ou nele, mas no conjunto de coisas que interfere no comportamento de ambos. Nem tudo é reversível, é claro, mas o poder de amenizar não é restrito nem proibido. Se eu ajo de tal modo e faço com que minhas ações sejam invisíveis ou insuficientes não quer dizer que eu não queira tornar melhor o resultado final - só acho que existe falta de boa vontade de outrém. Eu não gosto do senso comum - um pouco por valorizar meu cérebro, um pouco por teimosia. O dia que eu almejar ser igual a todo mundo estarei assinando meu atestado de ninguém. O que eu quero dizer é que existem detalhes que não devem ser interpretados como defeitos por fugirem do padrão. A porta para a liberdade de ir e vir existe - e a única maneira de fechá-la é não vê-la.
Eu estou aqui, como sempre estive. No mesmo lugar, com os tênis na mesma lama e os cadarços com os mesmos nós. Não faz diferença a intensidade do vento: eu nem sei pra onde e se vou. E pouco importa se o dia está ensolarado ou cinzento, pouco importa a ordem dos fatos: o que passou é imutável, irremediável, inesquecível e imperfeito. Perfeito seria se tivesse um fim - mas os fins são para os grandes enredos, para as histórias recheadas de bravos homens e monstros inescrupulosos. E, por enquanto, não vi nem um nem outro por aqui. Eu não sou a donzela em perigo, nem o cavaleiro que vai salvar alguém. Nem ninguém tão previsível e simplório. E, muito mais importante do que a minha identidade, é o sentimento que existe por trás de cada palavra. Mas eu não posso culpar ninguém por tentar mudar a situação, por maior que seja a teimosia. O preço de viver num passado de coisas imperfeitas é se obrigar a aceitar que nem tudo é como se deseja.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Sides.
O lado bom da imparcialidade é que, de fato, ela não lhe oferece uma inimizade.
O lado ruim, é óbvio, é a ausência de proteção.
O lado bom de falar sem pensar é uma verdade espontânea - que nem sempre oferecesse seu melhor ângulo.
O lado ruim de pensar e pensar é acabar não falando, ou reprimindo certas emoções.
O lado bom de ousar é manipular sua insegurança.
O lado ruim de tudo isso é que você não pode manipular a confiança que os outros depositam em você.
O lado bom de viver como um desgarrado é poder ter sempre um novo presente para conhecer.
O lado ruim é ter uma história longa, mas recheada de acontecimentos vazios.
O lado bom de pensar nisso tudo é a sensação de aprendizado.
O lado ruim vem do martírio, da nostalgia. E do sentimento de que algumas feridas ainda latejam.
O lado bom de escrever é colocar para fora parte do grito.
O lado ruim é o medo da interpretação e da exposição. Mas, se a folha for arremessada na lixeira, é como se fosse uma memória não vivida e descartada - e, sabe-se, mais cruel do que a lembrança é a sombra da indiferença.
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
Caixão e cinzas.
Eu cortei o caminho por aquela rua arborizada, pensando que talvez fosse bom dar um basta no cigarro, respirar algo mais puro. Não fui muito feliz, já que no enterro tinham uns homens que não deixaram o vício de lado nem para expressar tristeza. Mas eu não sou ninguém para falar deles. Até foram legais comigo, me cumprimentando como se eu fosse a filha ou, quem sabe, a namorada do sujeito do caixão. Eu achei meio bizarro aquilo tudo. A gente que não tem nada a ver com a história sofre um monte ao ver os rostos sem cores nesses rituais silenciosos. Quer dizer, tinha barulho. E aquela música de partir o coração. Mas eu juro que nem ouvi nada - não com a mente.
O dia foi uma merda, como vem sendo há muito tempo. E se tem uma coisa que eu não gosto de verdade é não conseguir colocar para fora a minha angústia. É como se, nessa hora, todos conseguissem - menos eu, que mais preciso. Eu precisava chorar. Uma lagrimazinha que fosse, umas reles lágrima. E eu precisei da dor alheia para sentir a minha. Quer dizer, é meio dramático falar disso, mas é realmente imbecil perceber que você deseja uma realidade às vezes pior para se mostrar digno de admiração. É claro que eu não achei que todos os presentes estavam lá realmente por amor e respeito ao morto. Umas cinco, seis pessoas deviam estar realmente à beira de um colapso nervoso, é verdade, mas falar que todo mundo se importou seria ocultar alguns fatos. A verdade parcial esconde a necessidade, isso é uma regra. Tipo o marido que estava fazendo companhia à esposa. É incoerente eu julgar um alguém pelo coimportamento aparente, mas estava na cara que o que levou o cara lá foi a esposa. E só.
Eu caminhei devagar por entre a roda de pessoas, observando tudo com a curiosidade de um gato. E me fez bem olhar para o semblante de um ser inanimado. Eu sei lá o que houve com ele, era jovem para morrer. Eu não estava diretamente afetada, uma vez que eu não tinha relação de afeto nenhum com ele - pensando bem, não tenho isso com ninguém quase. Fiquei imaginando o que o falecido pensava de mim naquela hora, chegando de intrusa numa cerimônia restrita e, bem, realmente inadequada para estranhos. Ele devia ter pena de mim. Eu sempre pensei que os mortos soubessem bem mais do que os vivos, sabe. Eles morrem e ficam transparentes, andando por aí e atravessando paredes, com a velocidade da luz. Podem descobrir o que quiserem. E talvez até saibam ler pensamentos. Deve ser bom.
Cheguei aqui com os pés embarrados. O porteiro me olhou torto e apontou para o tapete da porta do hall de entrada. Eu nem dei muita bol, mas limpei os pés para evitar conflitos momentâneos - eu voltara de uma boa experiência, não queria que um porteiro de merda me deixasse emburrada. Eu voltei cedo porque os caras da loja ficaram de entregar o sofá agora - por mim ficava mais tempo na rua, já que o tempo está bom. O meu casaco verde escuro não me favorece, mas eu reparei que tinha um senhor na cerimônia que não tirava os olhos dos meus. É algo desconfortável, sabe, quando você está chorando por alguma bobagem em que anda pensando, num local super temático para tal, e um velho resolve te achar bonita. Quer dizer, ele podia ter desconfiado de alguma coisa. Mas agora tanto faz. Não falam por aí que os jovens não têm cabeça, são todos imaturos e fazem coisas para chamar a atenção? Então, de repente eu sou assim também.
Acontece que, por alguns segundos, eu me senti um elo daquela corrente de tristeza. Mesmo pessoas como o marido da mãe das crianças que corriam, que devia estar pensando em coisas do trabalho ou ouvindo o jogo de futebol no rádio com fones de ouvido megadiscretos, sentem coisas parecidas em momentos ímpares. Sabe, diante da morte, por exemplo, todo mundo é igual. A gente finge que não, mas morre de medo de conhecer a nossa vez. E talvez eu queira todo esse mar de poderes que vem depois da passagem, mas eu nem sei se acredito nisso que eu digo acreditar. Parece que eu passei o tempo todo fugindo de tudo, fugindo da vida, feito aquelas crianças que, sem saber, brincavam felizes e cruéis diante da única verdade universal. É claro que elas não vão escrever isso numa redação para a escola e é claro que nem têm noção da complexidade que envolve um defunto. Nem eu sei.
Talvez eu nem devesse parar de fumar - sempre que eu penso o contrário me acontecem essas viagens.

terça-feira, 8 de julho de 2008
Sprouts of Time
Eu me acomodei no banco de forma a deixar um espaço bastante grande para que ela se espalhasse, como eu sabia que ela ia querer fazer. Ela usava aqueles vestidos com a saia rodada e demorava um bocado de tempo para se sentar, procurando não amassar o tecido. Era sempre assim, sempre assim. Eu mentiria se dissesse que isso não me aborrecia, mas dessa vez foi diferente.
Eu conclui que não poderia sentir falta do que eu nem sabia que existia em alguns segundos, quando um senhor passou com uma bengala, desviando meus pensamentos de nostalgia. Eu estava embriagado com aquela história das pombas e das árvores e tudo o mais e o velho surgiu com aquela bengala de madeira marrom e ponta bicuda de ferro. Parecia um bom homem até chutar para longe uma bola que passou pela frente dos seus pés.
Nesse meio tempo eu retomei à minha cara de insignificância, concentrado em planejar tarefas óbvias, numa tentativa frustrada de economizar as horas que eu não tinha. Ela, então, apareceu surpreendentemente do nada, como a neblina que percorre o abismo. Não fossem os olhos amendoados, poderia descrevê-la como uma daquelas camponesas virgens que enfeitam alguns quadros, tapeçarias... É sempre difícil imaginar que algumas meninas um dia crescem e acabam com caras tipo eu. Tá, eu não quis dizer isso.
Eu abri a jaqueta e do bolso interno tirei um frasquinho prateado, desses que quase todo mundo tem e funciona quase como um fetiche. Um gole daquilo já me fez sentir melhor, embora custasse muito ainda para eu me sentir pronto. Pronto. 'Pronto' simplifica muita coisa, mas também esconde o real sentido, como um eufemismo. Esconde o gaguejar, o suar frio, o cravar de unhas nas palmas das mãos e todos essas coisas que tendem a fazer com que nós homens nos sintamos menos fortes - eu não vou nem explicar a vergonha que eu sinto em falar essas merdas. Já basta.
Ela me trouxe uma caixa pequena de madeira, consideravelmente pesada. Envernizada, escura, em formato de baú. Me disse para abrir quando chegasse da viagem, antes ou depois de descansar. Não sei reagir muito bem com esse tipo de situação, uma vez que a gente fica com cara de idiota quando está com o presente na mão e não pode agradecer porque não podemos dizer que gostamos dele - não com sinceridade. Eu disse que não tinha comprado nada para ela, mas era mentira. A verdade é que eu não queria que ela entendesse aquilo como uma intenção - era apenas um anel.
No final da tarde ela me levou na estação, o que foi um tanto desconfortante. Era eu quem deveria levá-la até o trem, eu que deveria dizer que sentiria saudade, eu que acenaria alegremente e depois partiria sozinho com cara de dor - mas foi ela quem o fez. Eu apenas respondi - respondi com todos os movimentos que os meus músculos do rosto podem fazer, mesmo quando eu não falo nada. Ela me entendia, eu sabia disso. Por baixo daquele vestido rodado tinha um ser muito forte, capaz de me desarmar como poucos.
Ela não fez menção de chorar, o que me deixou meio atordoado. Eu não ia saber o que fazer mesmo e talvez até achasse chato esperar o tempo passar tendo que dizer que tudo bem, que em breve nos veríamos de novo, essas bobagens. Ela não era tola e sabia esconder muito bem todas as emoções que eu não sei bem como nomear. A verdade é que o abraço que eu dei nela não foi o suficiente longo e que eu até me arrependi de algumas queixas que vez ou outra eu fizera - a gente sempre se acha chato quando sente que está no prejuízo, então o que foi perdido passa por nossos olhos repleto de defeitos e, finalmente, damos um jeito de esquecer tudo de vez.
Eu não prometi que ia voltar, nem esperei promessa alguma da parte dela. Ela me entregou uma carta, que ficou melada de algodão-doce. Eu beijei os seus dedos delicados e coloquei, num deles, o anel que eu tinha comprado. Ela sorriu, mas não disse nada. Foi melhor assim, com esse segredo todo. Eu nunca entendo muito bem o que as pessoas querem dizer quando fazem uma ou outra careta, mas aquele sorriso nunca me ferira.
Eu subi no trem, dormi, olhei as poças de água que a lua iluminava e, umas três horas depois, resolvi que chegara o momento de abrir a caixa. Eu estava com aquela sensibilidade de quem está ansioso com a novidade e se esquece do que parecia ser bom na antiga vida - de um minuto atrás.
Eu esperava qualquer merda - uma foto, uma bailarina dançante que fosse. Esperava, simplesmente esperava - esperava com medo de me compreter com aquele passado, de tornar inesquecível algo que sequer me encantara meses antes. Fiquei ali, encarando a caixa com olhos de gato. A janela estava aberta, eu ainda podia escolher entre a curiosidade e o refúgio de nunca saber nem nunca lembrar.
Pensei melhor e decidi realizar seu último pedido. Talvez fosse o único em que eu não tivera falhado.

sábado, 28 de junho de 2008
Não é você.
"Eu deveria distribuir bulas, como se eu fosse um remédio com caixinha tarja-preta. Seria mais fácil para eu e todo mundo conviver em harmonia, sem esses dramas corriqueiros. Não que o egocentrismo tenha tapado meus olhos a ponto de impedir-me de aceitar a existência de outras pessoas, mas eu realmente penso que é mais complicado comigo - como a maioria deve pensar... Acontece que é tudo previsível. Veja, que legal!, nós nos beijamos. Sabe, nem sempre beijo é tudo na vida. É deprimente ficar entediada e desejar estar sozinha. Ainda bem que isso não parece acontecer com os outros habitantes desse planeta. No fundo, é até meio covarde aceitar ser um pedaço de alguma coisa para alguém que não tem nada, sabe. Quer dizer, é como alimentar vampiros com sangue de cadáver, sabe? E não existe isso de dizer que não sabia, porque a gente sempre sabe quando é importante - ou pelo menos tem um pouco de noção. É tão trágico pensar nessa relação de que mesmo 'sozinhos e felizes' existe a impressão ou curiosidade de como seria se fôssemos nós e mais um ou outro. E você liga a tv, assiste um filme, vai no supermercado e se depara com todo esse sentimento de que 'ok, você está sobrando, baby' - porque não tem ninguém para chamar de baby ou algo mais brega. A minha intenção não é seguir repetindo o que já se sabe, mas enfim, tentar jogar um balde de água fria nessa merda toda de construir e desmoronar. Nos outros animais essa relação macho-fêmea é tão mais objetiva, que inveja! Existe gente por toda parte, gente procurando qualquer coisa, gente sonhando com algo específico, gente ocupada demais com alguma coisa que perto da idéia de amor não é tão importante (tipo a cura da Aids), gente ocupada com qualquer outro pensamento. E, então, eu penso: onde eu me coloco? Porque eu não estou procurando ninguém, não sou exatamente ocupada com nada e metade das coisas que eu digo eu invento na hora. A idéia da bula não é original, mas realmente não é má idéia. Acabaria com a mágica da coisa, mas seria tão mais eficiente aceitar e recusar paixonites alheias como se faz com contatos do Orkut. Não é querer promover a libertinagem, mas o apego emocional inibe tantas sensações. Cruzar a linha é algo tão simples e perigoso quando se fala em relacionamentos - depois que algo começa isso só tende a acabar. Ótimo, renovação! - você pensa, mas a conseqüência chega em uma mala de problemas que te tiram o sono. Pensando na Clementine, na Claudia e numa outra personagem de um outro filme, da linha "que toda adolescente acha meigo", não parece horrível não autorizar alguém a alimentar sentimentos por mim. Isso pode ser encarado como uma sinceridade fria e resumiria muita coisa. "Oi, não quero ter nada com você pois sei que vou ficar entediada" - dizer isso e resistir àquelas frases de efeito comuns, onde a pessoa promete que vai agir de um jeito diferente - isso é triste, uma vez que ela vai pensar em alguma história comum de relacionamento que fracassou entre você e outro alguém. A primeira coisa é pensar que te traíram, a segunda é perto disso - e nunca chegam no real problema. Até por isso eu não acho um crime o típico suspiro de "não é você, sou eu". Afinal, sou eu que escondi todo esse emaranhado de coisas que você me fez ou não sentir. Ou não escondi, como pode acontecer, mas, enfim, você não viu - e isso não é motivo para mais drama e músicas com a letra "mas você não viu...", tipo Pitty. Realmente, perderia a graça escrever um manual... dizer que eu visto cinza nos dias cinzas e preto nos momentos de raiva, comentar que verde ajuda a destilar veneno e rosa é sinônimo de insegurança. O processo de decadência faz parte da evolução, sabe. Eu falo disso, de saber ouvir, entender e crescer. O problema maior é que as pessoas simplesmente trocam as duplas e se esquecem das vezes em que foram ridículas, seja por fazerem ou não alguma coisa. O que me faz agir como um tabuleiro de xadrez é pensar que as jogadas são previsíveis, uma vez que se percebe quem são os jogadores por trás das peças. Mas eu queria dizer que comigo é mais complicado, não é? Então talvez não adiante muito concluir com "não é você, sou eu" como justificativa. Que se foda."
Laurah.
segunda-feira, 9 de junho de 2008
Bocejo.
Às vezes eu penso que nem me lendo eu entendo o que eu quero dizer com certas coisas. Tentar me explicar, principalmente citando meus erros, parece funcionar como um auto-flagelo falso, que me livra de maiores pesos na consciência. Não gosto de estar familiarizada com pedaços de mim que insistem em me fazer colocar em risco. Minha cabeça de fantasias já não diferencia o que foi real e o que não passou de sonho. Não sei se meu conforto em me posicionar como egoísta orgulhosa não passa de mais medo.
Fingir não se importar não torna a vida mais fácil.
Mas e daí?!