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domingo, 23 de agosto de 2009

Bagunça emocional.

"Você vai continuar fazendo isso sempre?"
"...vai continuar fazendo isso sempre?"
"...vai continuar fazendo isso sempre?"

Aquilo ecoou na minha cabeça de tal forma que, quando a oportunidade surgiu - meses após ouvir a pergunta -, eu fiquei perturbada e nada fiz. Fiquei estática, olhando sua cabeça repousar sobre os braços. E nada fiz, nada fiz. O que tenderia a ser um gesto espontâneo poderia ser interpretado, naquele momento, como um pedido silencioso ou uma declaração indevida. Fiquei com medo de ser não-entendida - até porque, talvez, qualquer opinião extremista sobre a cena resultasse em erro. Carinho é uma coisa, vontade é outra completamente diferente: mas os significados podem servir de complemento um para o outro. Como as pessoas - diria alguém bem mais apaixonado.

"Você vai continuar fazendo isso sempre?"
"...vai continuar fazendo isso sempre?"
"...vai continuar fazendo isso sempre?"

Diante daquela expressão tão bonita, tão plácida e convidativa, não tive como dizer que não. E minha resposta não seria outra mesmo, nem cogitei refletir mais em cima disso. Não se tratava de uma possibilidade, mas de um destino. Destino? Não... muito forte, muito brega, muito definitivo. Se tratava de uma certeza de que tudo continuaria a ser do jeito que era. Logo, não havia razão para não continuar fazendo o que se fazia. Preservar e melhorar o que é bom, desmistificar e solucionar os desprazeres. Como uma receita de bolo - diria alguém não-sei-de-que-jeito-mas-não-do-meu.

"Você vai continuar fazendo isso sempre?"
"...vai continuar fazendo isso sempre?"
"...vai continuar fazendo isso sempre?"

Vou. Só porque não o fiz naquele momento, não quer dizer que seus cabelos se verão livres da bagunça dos meus dedos. Ou o contrário. Ou sua bagunça mental, ou minha bagunça emocional. O fato é que o que é bom não se perde. Para os casos mais extremos, existe o poder da lembrança - a coincidência de ouvir uma música tocar e o coração bater na mesma freqüência, como fora em tempos passados. E não aceito a palavra de mais ninguém como sugestão para essa história.


segunda-feira, 9 de março de 2009

Say that you'll stay.


Naquele momento em especial, eu não saberia descrever o que eu sentia. Mesmo que eu quisesse. Não é que eu não tenha tentado, mas eu nunca cheguei nem perto da definição. Os braços dele em torno de mim, os meus braços em torno do pescoço dele. Eu apoiei minha cabeça no seu ombro esquerdo de forma tão confortável e isso foi tão espontâneo e sincero. Não importava se eu deveria estar em outro lugar, com outra pessoa. Por mais erradas que fossem, de todas as minhas atitudes aquela tinha sido a mais certa. É meio estranho quando você está no centro de um enozado de histórias e não encontra fuga para seus problemas: foi naquele abraço que eu encontrei o refúgio tão esperado. Meus olhos continuaram abertos e, ainda que cruzassem com vários indesejados rostos conhecidos, pareciam não se aborrecer com nada. Nem lembro das músicas. Com certeza não eram boas. Não era o tipo de lugar que eu freqüentava. Mas, e não falo isso para alimentar um ar romântico, com música ou sem música tudo o que eu ouvia era um silêncio macio e nervoso. Sabe, é aquele silêncio de quem sente o sangue do outro correndo pelas veias, de quem poderia fazer de um piscar de olhos um estrondo, de quem está com o coração na boca. Independente de todas as palavras que eu tivesse ousado dizer ou escrever ou expulsar de mim numa forma de aliviar a angústia, aquele momento foi tão autosuficiente. Não se trata de inexpressão, mas de incredulidade. Ele, de cujas mãos sempre estiveram geladas, me abraçou de forma tão quente. Mas quente de verdade, sem pretensão de transformar isso em um outro acontecimento. Eu gosto de coisas despretensiosas, espontâneas, simplesmente puras. Ele me envolveu de tal forma que fora a primeira vez, talvez, que eu me senti realmente protegida. Ele não sabia o que eu estava pensando - e nem eu sabia, mas foi como se pudesse lidar com isso melhor do que ninguém, lidar com a confusão da minha vida e nem se importar com o sacrifício que isso significava. Eu nunca tinha me sentido satisfeita, mas por algum tempo isso saciou o meu desespero. E me deu medo também. Eu não gosto de pertencer a alguém, não gosto que me alguém tenha controle sobre a minha paz de espírito. Mas, naquele momento, eu nem me importei. O mundo poderia explodir e eu nem me importaria. Eu sabia o quão problemático podia ser se aquele abraço caísse na boca dos outros, sabia que qualquer manifestação teria conseqüências realmente devastadoras. E, o mais admirável talvez, é que ele conhecia isso tão bem quanto eu. Pelo menos naquela hora. E foi um abraço longo, sem medo do futuro ou de um passado insistente. Foi como se ele me impedisse de fazer qualquer movimento, de dizer qualquer bobagem ou mesmo uma verdade. Foi como se eu realmente tivesse alguém que se importasse e que, mesmo contrariado, buscava me entender. E, apesar de eu não ter sido o suficiente, ele nunca me deixou de lado. Foi o único que enxergou em meio a fumaça uma oportunidade. É tão mais fácil fugir, como eu fazia. Ele sabia que estava errado ao me abraçar, como se cansou de ouvir por meses e meses. E a única coisa que eu disse não tomou a proporção que deveria, mas foi totalmente sincera - foi fruto de um impulso que há tempos eu alimentava. Eu quis aquele abraço como ninguém, quis aquela verdade e toda a ansiedade que se fez presente. Guardei o momento em um baú e joguei a chave fora.


domingo, 8 de março de 2009

mistaken

você não vai entender.
e eu nem decidi ainda se quero que alguém entenda.
eu opto por não decidir, na verdade. é menos um erro pra cometer, sabe.
o fato é que, às vezes, eu penso estar com ele quando na verdade eu sou ele.
nós dois não somos "nós", nós somos eu e ele.
mas é como se fosse a mesma coisa.
não é que sejamos tão parecidos ou tenhamos infinitas afinidades, mas a nossa ligação é totalmente emocional.
é incompreensível para qualquer um, é motivo de briga, de ciúme - o suficiente para duvidar de qualquer sentimento.
eu mudei a vida dele, ele mudou a minha.
a gente não sabe disso porque a gente troca palavras, a gente sabe disso porque a gente sente.
ele foi amigo e também foi inimigo.
ele ainda é. só isso.
tem pessoas que estão e pessoas que são.
mesmo com toda a distância, de tempo e quilômetros, ele nunca deixou de ser.
e não é que eu sinta algum tipo de dor ou afeto, eu só sinto o que deveria sentir.
ele sente o mesmo.
é de uma inocência tão absurda acreditar no poder das lembranças...
mas é esse o sintoma que nos acomete - a mágica de um passado de pureza.
pureza nos gestos, nas ações, nos pensamentos.
não é minha culpa se ele faz parte de mim.
não foi minha pretensão arquitetar uma tempestade.
antes fosse tudo isso: seria mais fácil esquecer.
mas nem sempre o que passou, mesmo nesse contexto de passado como um vilão, deixa sombras tão amargas.
basta um pouco de luz para ver o que restou.
só a idéia de algo ter sobrado já resume a satisfação.
é bom se sentir vivo ao relembrar um momento.
são essas pequenas raridades do dia-a-dia que nos fazem diferentes dos demais.
eu e ele somos iguais, não em cabeça mas em coração.
e não é que não possamos nos encontrar em outras pessoas.
é só que fazemos parte um do outro.
e nunca vamos embora.


sexta-feira, 21 de novembro de 2008

amor fora da lei


Com os pés no chão gelado pelo frescor da madrugada, ela abriu a geladeira e tirou do centro a única coisa que ali havia: uma jarra transparente, contendo um líquido ainda mais cristalino. O som da água encontrando o fundo do copo ecoou no silêncio da noite clara, de poucas nuvens. O céu, que anunciava o princípio da manhã, foi apreciado pela fresta da janela. A brisa deliciosa, de arrepiar a pele, era constante nessa época do ano.

Uma xícara de café seria mais do que o suficiente para um despertar agradável, mas ela queria mais e, junto com o conhaque, degustou dois bombons de uma caixa de chocolates franceses. Lambeu os dedos e os secou nas laterais da regata cinza e comprida que vestia. Os azulejos, os bancos e todas as nuances que aquele dia 21 poderiam oferecer foram apreciados com estima. Tudo estava tão blue. E, sem mais nem menos, ela começou a se perguntar sobre a noite passada.

Caminhou com passos leves até a cama, onde um homem dormia esparramado sobre o edredom. Parecia ser bonito, realmente bonito. Suspirou profundamente e inclinou-se, acomodando o copo no chão, no lado esquerdo da porta. Curvou o corpo ainda mais e agora engatinhava em frente aos móveis, com o olhar sorrateiro de quem procura determinado objeto. Não demorou para concluir que o tal não estaria embaixo do colchão. Resolveu experimentar o clássico: pôs-se, então, a vasculhar o gavetão de meias e cuecas. Ali estava a minúscula chave.

Um último gole antes de empurrar, com o pé, o copo para debaixo de uma cadeira, de forma a tirá-lo do caminho. Olhou carinhosamente para o dono dos ruídos de quem se deixa levar pelos sonhos. Voltou-se para a parede, sorrindo com os lábios. Não existia maldade naquela cena, nem pureza naquele ato.

Nada mais previsível do que esconder um cofre com um quadro. E não era um quadro qualquer: não exibia o corpo de uma mulher seminua, nem flores ou figuras geométricas, mas uma paisagem escura e até triste, em tons de cinza e azul. A vida em grafite sempre atraiu aquela mulher. Tirou cuidadosamente o retângulo da parede, sem hesitar. Não sentia nem um mínimo de ansiedade, o que talvez declarasse sua falta de caráter. Mas não era assim de verdade.

Em poucos minutos, a chave estava no seu devido lugar; o copo brilhava limpo e seco; o tapete do banheiro voltara a ser desarrumado, com jeito de gesto de homem. Ela pensou em devolver a roupa dele ao sair, mas sentiria falta daquela recordação. Ao invés disso, esticou sobre a poltrona da sala o lindo vestido preto que usara na noite anterior, em troca da regata cinza. Borrifou o vestido com seu perfume e deixou um cartão sobre a mesa, ao lado da garrafa de conhaque vazia.

Despediu-se silenciosamente do apartamento, lamentando a impossibilidade de voltar. Mas valeria a pena toda a saudade: vários e vários dólares na mão a fariam esquecer de qualquer coisa, qualquer coisa. Repousou sobre o cinzeiro o cigarro manchado de batom e, ao ouvir o som dos lençóis se movimentando com o balançar de um corpo, levantou-se de imediato, calçando os escarpins pretos e envernizados. Antes de bater a porta, seus olhos cruzaram-se com os dele, que ainda não estavam bem abertos - desavisados.

Antes fosse uma experiência única, na qual uma mulher atraente de uma festa qualquer rouba dinheiro do cara com quem passou a noite: muitos foram vítimas da mesma. E acabava sempre assim, silencioso. Por mais blue que fosse, esse era o estilo de vida em tons grafite do qual ela tanto gostava. Não havia reação masculina diante do incrédulo, nem culpa por parte da amante: fazia seu serviço, e bem feito - não era por isso que precisava ser paga. O caso não se tratava de como sobreviver às custas do furto, mas da solidão - se apaixonava todas as noites e, ao acordar, só encontrava um jeito de se afastar: se não fosse pela dor da irreciprocidade, que nunca chegou a conhecer, provocaria um jeito de envergonhar-se e, a partir dessa atitude, fugir.

sábado, 1 de novembro de 2008

Sopro

Perguntou primeiro se algo havia mudado, se as coisas tinham mudado de cor. Obteve um não bem exclamado como resposta. A pergunta seguinte fora sussurrada, à beira de um assobio manso. Não queria discussão: bastava um sim ou um não. Simples assim. Sem frescuras ou ameaças do gênero "se você confirmar essa história, eu faço as malas e parto hoje mesmo" - mesmo porque esse tipo de frase não costuma passar muita confiança, nem mesmo para quem a pronuncia. Queria ouvir o que ele tinha a falar e, se caso não existisse algo para ouvir, consentiria com um "tudo bem" - mais uma vez em tom de voz baixo, de timbre adocicado. Nunca entendeu o porquê dos gritos, das encenações que se criam sobre problemas tão tipicamente humanos. Perguntou, sem rodeios, se ele tinha beijado outra. Não usou a palavra traição - até porque o significado disso é bem diferente para cada indivíduo; até porque é mais fácil admitir os malfeitos se a própria vítima não encarar o ocorrido com olhos arregalados. Se surpreendeu com a negação que mais parecia um texto de reticências, mas não se atreveu a repetir a dúvida em voz alta. Aquele pesar todo não fora de graça, nem desprovido de alguma intenção: primeiro se prepara o terreno para, depois, atear fogo. Não houve contato visual nem toque de mãos: ainda não inventaram um telefone tão cheio de recursos... Alguns minutos depois, a confirmação fora inevitável - a explicação também. A situação fica crítica quando o maleficiado consegue concordar verdadeiramente com o autor do crime. Não fora nada digno de uma manchete no jornal - e grande parte disso se deve ao fato de ela não ter suspeitado nem um pouco da inconsistência da notícia: assim que soube, questionou-o com calma e sabedoria. Melhor assim: não houve teatro, nem promessa, nem sermão. O que ficou talvez tenha sido uma pequena cicatriz, daquelas que te fazem crescer assim que se formam na pele - o tempo nunca é insuficiente para o aprendizado (há quem diga que é o contrário!). Um pouco de amargura, talvez. Mas o fato é que não fora uma verdade doída, do tipo sentida e absorvida, mas uma inconstância evitada pelo cotidiano da vida moderna. Seria mais fácil deixar os dias varrerem os cacos para longe, afastarem a ruína do centro das atenções - e não foi muito diferente quando ela disse, mais uma vez, que "tudo bem". Não existia mala para ser feita ou adeus para ser dito, mas um abraço sincero como prova de que as relações têm disso também, desses tropeços no caminho. E não existiu um sentimento de vingança, senão o da infelicidade momentânea: não aconteceram atitudes que seriam diferentes caso a resposta para a pergunta fosse outra. Ele sentiu alívio, sorriu sem entender - talvez porque fora perdoado antes mesmo da reflexão, talvez por achar tudo aquilo muito leviano. Ele estava acostumado com regras, penalidades, perfeição de mentira. Ela estava acostumada a fechar os olhos - no clímax de um beijo e à beira dos precipícios.


sábado, 27 de setembro de 2008

Reset

O preço de viver num passado de coisas imperfeitas é se obrigar a aceitar que nem tudo é como se deseja. Só isso: aceitar que, por maior que seja o esforço ou a vontade, nem sempre os resultados são reflexos do que foi sonhado. E o não sair dessa condição, desse espaço estacionado no tempo, só faz aumentar a angústia de não entender algumas verdades. As raízes crescem, então, e lá estão os pés fixos ao chão, incapazes de saírem do lugar - ou sequer projetar uma sombra sobre o que ficou. Começar de novo, remodelar os pensamentos de modo que o que foi vivido não interfira como um medo ou uma ferida é um processo na maioria das vezes lento - e tantas e tantas vezes impossível.

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Às vezes eu acho que as pessoas não têm noção de como tudo pode ser facilitado. O problema não está nela ou nele, mas no conjunto de coisas que interfere no comportamento de ambos. Nem tudo é reversível, é claro, mas o poder de amenizar não é restrito nem proibido. Se eu ajo de tal modo e faço com que minhas ações sejam invisíveis ou insuficientes não quer dizer que eu não queira tornar melhor o resultado final - só acho que existe falta de boa vontade de outrém. Eu não gosto do senso comum - um pouco por valorizar meu cérebro, um pouco por teimosia. O dia que eu almejar ser igual a todo mundo estarei assinando meu atestado de ninguém. O que eu quero dizer é que existem detalhes que não devem ser interpretados como defeitos por fugirem do padrão. A porta para a liberdade de ir e vir existe - e a única maneira de fechá-la é não vê-la.


Eu estou aqui, como sempre estive. No mesmo lugar, com os tênis na mesma lama e os cadarços com os mesmos nós. Não faz diferença a intensidade do vento: eu nem sei pra onde e se vou. E pouco importa se o dia está ensolarado ou cinzento, pouco importa a ordem dos fatos: o que passou é imutável, irremediável, inesquecível e imperfeito. Perfeito seria se tivesse um fim - mas os fins são para os grandes enredos, para as histórias recheadas de bravos homens e monstros inescrupulosos. E, por enquanto, não vi nem um nem outro por aqui. Eu não sou a donzela em perigo, nem o cavaleiro que vai salvar alguém. Nem ninguém tão previsível e simplório. E, muito mais importante do que a minha identidade, é o sentimento que existe por trás de cada palavra. Mas eu não posso culpar ninguém por tentar mudar a situação, por maior que seja a teimosia.
O preço de viver num passado de coisas imperfeitas é se obrigar a aceitar que nem tudo é como se deseja.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

areia molhada


E, se você parar pra pensar, vai ver que não é tão diferente...
Não pensei num desfecho pra idéia, só me deixei embalar por aquelas lembranças que, no fundo, podem não dizer nada - mas, de repente, mostram um monte de coisas. Tipo ficar em pé, na beira do mar, esperando as ondas se aproximarem e a água tocar seus pés: chega um momento em que, a não ser que tu seja uma tatuíra (ok, isso foi desnecessário), tu vai ter que te equilibrar colocando pelo menos um dos pés em outro ponto. A água vai arrastando a areia e, com o vai e vém, os pés vão sendo cobertos pouco a pouco (ou não tão lentamente).
Tudo bem, eu não sei descrever o mar, nem nada disso. Mas eu me lembro de ficar horas paradas, desafiando o nada. O bom da praia, pra mim, são esses momentos em que tu foge um pouco da tua lucidez e de todas as regras que regem o mundo para prestar a atenção em coisas simples e prazerosas - tipo o vento, a água e enfim. Desprezando o calor e, bem... tentarei me manter firmezinha e não falar de outras coisas.
Férias, luz e a beleza das coisas imateriais!
Nossa, eu daria tudo para sentir essa tranqüilidade das lembranças agora. Na verdade, eu só preciso desse momentinho: afundar os pés na areia molhada por algum tempo e conseguir não pensar em nada; olhar pro chão e entender o que pode ser aprendido com detalhes realmente incomuns.
Talvez a cena só te diga que existe hora de agir, que nem sempre o ficar parado - ainda que numa boa - te leva ao melhor caminho. É, eu não gostaria de ter dito algo assim. Eu pensei em tanta coisa legal e agora ficou banana de escrever isso. Tanto faz. O que importa é não se deixar levar (haha).
E as coisas andam tão inconstantes que já nem sei onde procurar essas mensagenzinhas.
Talvez os homens compliquem demais. Ou talvez seja só eu.
Mas eu ainda acho que tem alguma coisa por trás disso - porque
se você parar pra pensar, vai ver que não é tão diferente...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Sides.

O lado bom da imparcialidade é que, de fato, ela não lhe oferece uma inimizade.
O lado ruim, é óbvio, é a ausência de proteção.
O lado bom de falar sem pensar é uma verdade espontânea - que nem sempre oferecesse seu melhor ângulo.
O lado ruim de pensar e pensar é acabar não falando, ou reprimindo certas emoções.
O lado bom de ousar é manipular sua insegurança.

O lado ruim de tudo isso é que você não pode manipular a confiança que os outros depositam em você.
O lado bom de viver como um desgarrado é poder ter sempre um novo presente para conhecer.
O lado ruim é ter uma história longa, mas recheada de acontecimentos vazios.
O lado bom de pensar nisso tudo é a sensação de aprendizado.
O lado ruim vem do martírio, da nostalgia. E do sentimento de que algumas feridas ainda latejam.
O lado bom de escrever é colocar para fora parte do grit
o.
O lado ruim é o medo da interpretação e da exposição. Mas, se a folha for arremessada na lixeira, é como se fosse uma memória não vivida e descartada - e, sabe-se, mais cruel do que a lembrança é a sombra da indiferença.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Relationships.

Não que eu ignore os princípios da poligamia, mas eu realmente vejo as coisas a partir de suas interações com outras, duas a duas - e, mesmo num sistema onde as trocas sejam mútuas entre mais indivíduos, a situação das duplas está presente integralmente em cada núcleo. Num mundo onde a máquina tende a dominar o homem, seu criador, não entendo como este não se mostra eficiente no controle de suas ações e julgamentos - a evolução do ser racional parece não abranger todas as áreas dos seus pensamentos. Falar em emoções é mais fácil do que compreender o universo que as envolve, porém de nada custa observar alguns fatos desse amor mundano a que todos estão acostumados a presenciar.

Se antes o casamento selava um acordo entre nobres por razões claramente econômicas, com o tempo recebeu o ar do romantismo merecido, ganhando espaço no sonho das virgens inoce
ntes e outras mulheres não menos dignas: uma pitada de religião ao ciclo da vida. Nada mais comum do que procurar alguém para dividir as contas do fim do mês, a cama e as eternas conversas - infinitas até que a morte os separe, para realizar a façanha de ter filhos e concretizar planos que não saíram do papel por falta de motivação. No fundo, o casamento é um fruto do desespero, um ato rotineiro e vazio que busca estabilizar certezas que, bem, não são certas. Prometer amar alguém diante de todas as situações, ao longo dos anos, por motivos momentâneos - e ainda assinar por isso - é algo que realmente deveria ser levado a sério, ainda que beire a loucura. Independente da existência de um deus, as pessoas temem a maneira como vão morrer, se estarão sozinhas, quem se importará, essas coisas... Assumir o compromisso de eterno companheirismo tem o poder de confortar, ainda que hoje em dia seja muito mais recompensador se ver livre de um relacionamento do gênero... Enfim.

O casamento não encontra mais base na sociedade que vem send
o construída e isso pode ser visto na imaturidade e na forma precoce com que jovens e experts no assunto se relacionam. Desde muito cedo, por motivos diversos, cada pessoa cultua a outra como se fosse um produto descartável, às vezes útil, às vezes invisível, o que está presente em várias relações. A intensidade do problema é maior quando o indivíduo busca como aliados pequenos sintomas de seu descontrole, entre os quais o famoso ciúme e desejo de reabastecer seu ego com bons e novos elogios. O jogo de receber cuidados é perigoso, uma vez que nem sempre o encantamento é recíproco. Ainda assim, mesmo nos casos onde ambos os envolvidos se dizem apaixonados, não é raro o tratamento de "propriedade privada" que um recebe do outro - a velha história de querer ser o um entre um milhão, de não se contentar em ser o escolhido e tratar todo o resto como inimigos na guerra. Nasce, então, um sentimento de insegurança que, quando não é suprimido, é alimentado por uma série de acontecimentos muitas vezes irrelevantes e que, mal interpretados, dão início aos abalos na relação do casal.

Em outras palavras, é realmente irônica a experiência de exigir da "pessoa amada
" algumas mudanças, bem como afastá-la de sua vida social - uma vez que somos todos uma mistura de valores e sensações, de preto e branco, o que pode ser defeito para uns tende a ser bem-visto por olhos diferentes e exigir perfeição de alguém, em qualquer hipótese, é sinônimo de se afastar a passos largos da possibilidade dessa existir. A idéia de moldar algo a seu gosto é viável, mas somente para coisas inanimadas. Resquícios de experiências passadas podem ilustrar essa idéia.

As pessoas se habituaram a falar o "para sempre" o tempo todo, a não pensar que o amanhã traz impossibilidades - ou que nem este sempre chega. Agem com tanta simplicidade ao reclamarem dos problemas que tem que enfrentar ao longo dessas interações humanas, mas ignoram que desprezam a razão em momentos oportunos. É mais fácil ouvir o coração, o som do perigo, desarmar as preocupações com a certeza de que as imprudências sempre são saborosas - até provar do amargo, do azedo, do lado podre das emoções. Primeiro, o auto-conhecimento, depois o descobrimento do outro, do sexo oposto (ou não), do diferente, do que pode te complementar ou desestruturar: as coisas andam acontecendo de forma invertida, formando-se primeiro os laços para depois perceber os nós.

Sufocar o outro é uma das conseqüências de um problema puramente individual, onde o indivíduo deve ser capaz de perceber em si os erros a serem corrigidos. O homem não está mais acostumado a dividir, uma vez que desde cedo é ensinado a crescer diante dos medos, a enfrentá-los bravamente, sem tomar conhecimento de sua origem - podando o mal ao invés de arrancar-lhe as raízes. E, então, são cada vez mais numerosas as famosas desilusões, que tanto inspiram músicos e outros artistas, mais incompreensíveis e perturbadores os desfarces que algumas mentiras encarnam e, óbvio, mais frios e rápidos os relacionamentos. São crianças que brincam de adulto e adultos que insistem em serem crianças: a bagunça já está formada.

Uma das razões para a incompatibilidade é o famoso egoísmo - mas, em tempos de felicidade, ceder não parece ser uma tarefa árdua. Defender idéias também não é perigo quando se sabe com quem está lidando e o que está sendo dito - acredito que muitas confusões vem da não-reflexão das futuras situações inesper
adas (cabe nessa chave a vantagem do auto-conhecimento). Como última coisa a ser observada, nada é mais importante do que a tão discutida confiança - que se estabelece com o tempo e a certeza involuntária e ímpar de cada um da dupla.

Eu espero não ver mais sujeitos enrolados com fios no programa da Márcia, respondendo se traiu ou não a esposa, nem testes banais em revistas de meninas sobre a fidelidade ou a veracidade dos sentimentos "do gato por você", mas isso é apenas um daqueles desejos que estão bem longe da realidade. Até lá ainda vou ouvir muito sobre adolescentes e seus anéis de compromisso discutindo na parada de ônibus sobre a loira oferecida da festa de sexta ou coisa parecida. Nunca se sabe quais novos "problemas de casal" irão surgir - o que é certo é que, independente de suas naturezas, se acumularão sobre os já citados e tardarão a oferecerem a possibilidade de um adeus (tão nobres quanto os casamento das fábulas).



terça-feira, 8 de julho de 2008

Sprouts of Time

Ela chegou com as mãos meladas de algodão-doce, daqueles rosas que têm cheiro bom, com aquele sorriso inocente de gente que espera. Espera, simplesmente espera - espera porque tem medo de enfrentar a verdade cinza e sóbria de que as coisas não são todas rosas e doces.

Eu me acomodei no banco de forma a deixar um espaço bastante grande para que ela se espalhasse, como eu sabia que ela ia querer fazer. Ela usava aqueles vestidos com a saia rodada e demorava um bocado de tempo para se sentar, procurando não amassar o tecido. Era sempre assim, sempre assim. Eu mentiria se dissesse que isso não me aborrecia, mas dessa vez foi diferente.
Quando nós sabemos que algo vai ocorrer pela última vez ele sempre ganha um gosto especial. É como ver as pombas na praça: às vezes você joga pipocas no chão, às vezes se enfurece com aqueles pontos brancos e pretos, em degradê, que sobrevoam sua cabeça. Nesse dia eu até cheguei antes do horário marcado a fim de prestar mais atenção nas coisas que nunca me chamaram a atenção - ou eu que não permiti, devido a correria do dia-a-dia.

Eu conclui que não poderia sentir falta do que eu nem sabia que existia em alguns segundos, quando um senhor passou com uma bengala, desviando meus pensamentos de nostalgia. Eu estava embriagado com aquela história das pombas e das árvores e tudo o mais e o velho s
urgiu com aquela bengala de madeira marrom e ponta bicuda de ferro. Parecia um bom homem até chutar para longe uma bola que passou pela frente dos seus pés.

Nesse meio tempo eu retomei à minha cara de insignificância, concentrado em planejar tarefas óbvias, numa tentativa frustrada de economizar as horas que eu não tinha. Ela, então, apareceu surpreendentemente do nada, como a neblina que percorre o abismo. Não fossem os olhos amendoados, poderia descrevê-la como uma daquelas camponesas virgens que enfeitam alguns quadros, tapeçarias... É sempre difícil imaginar que algumas meninas um dia crescem e acabam com caras tipo eu. Tá, eu não quis dizer isso.
Ela ficou sentadinha do meu lado, comendo aquele tufo colorido e lambendo os dedos. Parecia realmente uma criança. Eu fiquei pensando se despejava de uma só vez todas as palavras que eu tinha ensaiado, mas de repente ficou tudo mais difícil.

Eu abri a jaqueta e do bolso interno tirei um frasquinho prateado, desses que quase todo mundo tem e funciona quase como um fetiche. Um gole daquilo já me fez sentir melhor, embora custasse muito ainda para eu me sentir pronto. Pronto. 'Pronto' simplifica muita coisa, mas também esconde o real sentido, como um eufemismo. Esconde o gaguejar, o suar frio, o cravar de unhas na
s palmas das mãos e todos essas coisas que tendem a fazer com que nós homens nos sintamos menos fortes - eu não vou nem explicar a vergonha que eu sinto em falar essas merdas. Já basta.

Ela me trouxe uma caixa pequena de madeira, consideravelmente pesada. Envernizada, escura, em formato de baú. Me disse para abrir quando chegasse da viagem, antes ou depois de descansar. Não sei reagir muito bem com esse tipo de situação, uma vez que a gente fica com cara de idiota quando está com o presente na mão e não pode agradecer porque não podemos dizer que gostamos dele - não com sinceridade. Eu disse que não tinha comprado nada para ela, mas era mentira. A verdade é qu
e eu não queria que ela entendesse aquilo como uma intenção - era apenas um anel.

No final da tarde ela me levou na estação, o que foi um tanto desconfortante. Era eu quem deveria levá-la até o trem, eu que deveria dizer que sentiria saudade, eu que acenaria alegremente e depois partiria sozinho com cara de dor - mas foi ela quem o fez. Eu apenas respondi - respondi com todos os movimentos que os meus músculos do rosto podem fazer, mesmo quando eu não falo nada. Ela me entendia, eu sabia disso. Por baixo daquele vestido rodado tinha um ser muito forte, capaz de me desarmar como poucos.

Ela não fez menção de chorar, o que me deixou meio atordoado. Eu não ia saber o que fazer mesmo e talvez até achasse chato esperar o tempo passar tendo que dizer que tudo bem, que em breve nos veríamos de novo, essas bobagens. Ela não era tola e sabia esconder muito bem todas as emoções que eu não sei bem como nomear. A verdade é que o abraço que eu dei nela não foi o su
ficiente longo e que eu até me arrependi de algumas queixas que vez ou outra eu fizera - a gente sempre se acha chato quando sente que está no prejuízo, então o que foi perdido passa por nossos olhos repleto de defeitos e, finalmente, damos um jeito de esquecer tudo de vez.

Eu não prometi que ia voltar, nem esperei promessa alguma da parte dela. Ela me entregou uma carta, que ficou melada de algodão-doce. Eu beijei os seus dedos delicados e coloquei, num deles, o anel que eu tinha comprado. Ela sorriu, mas não disse nada. Foi melhor assim, com esse segredo todo. Eu nunca entendo muito bem o que as pessoas querem dizer quando fazem uma ou outra careta, mas aquele sorriso nunca me ferira.

Eu subi no trem, dormi, olhei as poças de água que a lua iluminava e, umas três horas depois, resolvi que chegara o momento de abrir a caixa. Eu estava com aquela sensibilidade de quem está ansioso com a novidade e se esquece do que parecia ser bom na antiga vida - de um minut
o atrás.

Eu esperava qualquer merda - uma foto, uma bailarina dançante que fosse.
Esperava, simplesmente esperava - esperava com medo de me compreter com aquele passado, de tornar inesquecível algo que sequer me encantara meses antes. Fiquei ali, encarando a caixa com olhos de gato. A janela estava aberta, eu ainda podia escolher entre a curiosidade e o refúgio de nunca saber nem nunca lembrar.

Pensei melhor e decidi realizar seu último pedido. Talvez fosse o único em que eu não tivera falhado
.


segunda-feira, 9 de junho de 2008

Bocejo.

Às vezes eu penso que nem me lendo eu entendo o que eu quero dizer com certas coisas. Tentar me explicar, principalmente citando meus erros, parece funcionar como um auto-flagelo falso, que me livra de maiores pesos na consciência. Não gosto de estar familiarizada com pedaços de mim que insistem em me fazer colocar em risco. Minha cabeça de fantasias já não diferencia o que foi real e o que não passou de sonho. Não sei se meu conforto em me posicionar como egoísta orgulhosa não passa de mais medo.

Fingir não se importar não torna a vida mais fácil.
Mas e daí?!





sábado, 31 de maio de 2008

Tallulah.

As mãos do pianista não descansaram sobre seus joelhos nenhum instante, embora não fossem muitos os que dançavam as lindas músicas. Belas mulheres, esculpidas por vestidos majestosos, rodeadas de imponentes homens cujos trajes traziam insígnias reluzentes. A noite de lua cheia fora esquecida dentro do castelo, onde o burburinho das senhoras e as risadas dos homens mais velhos ecoava por todos os cômodos.

Da Sala de Armas saiu um homem apressado, ajeitando os cabelos longos para dentro do pedaço de fita. Pela expressão, notava-se seu atraso para a cerimônia. Desceu as escadas aos pulos, diminuindo o passo nos últimos degraus. Procurava ansioso uma dama por quem se encantara há muito, desde que os dois eram crianças. Tinham sido afastados quando a família dela resolveu ocupar novas terras, fruto de alguma herança misteriosa.

Breve silêncio - o pianista foi descansar, se servir do que sobrara do banquete. Era um jovem viúvo, capaz de receber um ou outro olhar devasso das moças mais atrevidas, que nunca realmente conheceram o significado de honra. Passou por uma mesa coberta de cálices vazios, onde um casal meio embriagado trocava palavras no ouvido um do outro. Reconheceu outra jovem a sua frente, cujo vestido não era claro nem brilhante como o das demais.

- Não te vi dançar.

Ela sorriu graciosa, fechando os olhos ternamente antes de voltar à posição inicial - os braços cruzados e o rosto sério. Devia ser a única que realmente respeitava o trabalho do músico, colocando-o em um nível de importância acima de qualquer outro ofício - apesar de gozar da riqueza, não sentia necessidade e nem via razão no luxo. Passava a maior parte do dia montada em um cavalo, ao contrário das damas que desde cedo se concentravam em bordar seus enxovais.

Os trajes em cor diferente fizeram um terceiro homem ser notado na porta principal, que dava acesso aos jardins. Não era da Família Real, mas todos que moravam na região o conheciam como um nobre viajante, hóspede de um importante amigo do rei. Não estava disposto a perder o grande baile, mas tinha um motivo diferente para isso: o prazer de beber e comer à vontade, com boa música e donzelas à disposição lhe parecia ínfimo.

Tocou o chão com rapidez - os olhos fixos na jovem que tanto procurara, na tentativa de não perdê-la de vista (nunca mais). Atravessou o salão, desviou de candelabros e empregados, se desvencilhou de crianças e cadeiras que obstruíam seu caminho. Sorriu afoito, lhe faltava o ar - a idéia de ter tão perto novamente sua preciosa menina, a única que um dia arrancara dele uma promessa.

Os dedos pálidos voltaram a tocar as teclas esmaltadas, produzindo uma melodia doce e convidativa. O salão, visto do alto, parecia recheado de babados coloridos, que rodopiavam alegremente de um lado para o outro. Parecia preencher todos os espaços, mas o pianista sabia que o vazio sob o grande lustre de cristais só era digno de uma das mulheres presentes.

Para Tallulah, o viajante era um desconhecido qualquer. Para ele, ela poderia ser apenas uma aventura - e que desperdício, pensariam os observadores. Mas quis o destino manter os dois separados, infelizmente, mas enlaçados por semelhanças ainda não descobertas. De um homem curvado diante da linda dama surgiu um convite inesperado. Não foi recusado, nem aceito com louvor. Ela não queria dançar, não aquela música. Além disso, ainda que não fosse sua intenção mencionar, estava claro que ela esperava ter a companhia de outra pessoa.

Ele se mostrou desapontado e ofendido, lamentando que ela estivesse prometida a outro homem. Não estou, ela respondeu, analisando-o com atenção. Sua fisionomia não lhe era desconhecida, mas fugia-lhe da memória a identidade de seu galante admirador. Perguntou seu nome, mas a resposta foi negada. Arriscou palpites, mas nenhum com muito sucesso. Ouviu, então, uma longa e dramática história, sobre percorrer campos durante dias e noites sem fim e enfrentar uma série de infortúnios - tudo para vê-la mais uma vez, tocar sua pele e ter a certeza de que a mulher dos seus sonhos era real e tinha aroma tão bom quanto o da lembrança.

Se amaram no passado, mas o tempo lavou qualquer resquício de paixão que impedisse Tallulah de lutar por sua liberdade - não gostava de se ver presa às coisas, resistia às inevitáveis e constantes ofertas de casamentos, cada um com um plano de futuro promissor mais pomposo que o outro. Só não era considerada a vergonha da família por ser realmente a mulher mais bonita do reino, o que conferia uma série extra de adjetivos. Ela não só se espantara com a confissão em que se transformaram suas brincadeiras inocentes de infância, como deixara isso transparecer em seus gestos enquanto se explicava, um tanto impaciente.

O homem das vestes azuis interrompeu a conversa, silenciando os dois - os olhos do outro faiscando. Tomou o braço de Tallulah gentilmente, esboçando um sorriso. Não fora tímido ao fazer um sinal para o pianista que, consentindo, alternou a escala de notas musicais, dando início a uma nova sonata... diferente e um tanto especial, que nunca fora apreciada antes. Todos os penteados não faziam sentido, nem rendas, nem jóias: quem tivesse a delicadeza de apreciar as feições do casal que se encaixava na coreografia entenderia que nem tempo nem distância seria capaz de separar os dois desconhecidos - amantes em silêncio.

"Tallulah, it's easier to live alone than fear the time is over..."
Sonata Arctica




terça-feira, 13 de maio de 2008

Tópico dos Tópicos

Olá.

Eu estou estudando. Estudando, estudando, estudando. Não, não é tanto quanto parece: eu também durmo, como, tomo banho, tenho tarefas domésticas, tenho que me locomover até o cursinho para assistir aulas (eu sei que é óbvio, mas eu queria acrescentar coisas), até o estúdio de dança do ventre (onde, bem... eu danço - háá, te peguei nessa, ein!), até o curso de inglês, até algum lugar mais que eu resolva ir fazer alguma coisa. Sim, eu tenho orkut e flog, eu vejo pessoas, eu converso com elas, eu me preocupo igualmente.

Eu falo isso porque, para alguns, parece que eu sumi do mapa, fugi pro Afeganistão, sei lá. É da minha natureza ficar quieta, esquecer de levantar a bandeira branca, essas coisas... quer dizer, o tempo passa e, aparentemente, eu sigo na minha inércia. Eu realmente não devo parecer interessante (momento 'me elogiem por favor', sabe?), mas acontece que não existe muita magia em fazer as coisas nesse ritmo rápido que a maioria adora. Não, eu ainda não me transformei num Garfield, apenas acredito que eu deva me portar como me sinto bem.

Eu vou repetir uma série de coisas que, deve ser chato, eu já disse umas quantas vezes - se não foi por aqui, foi ao vivo: desde a história do não procurar pessoas até, quem sabe, aquele papinho (gírias de tiozinho) sobre relacionamentos. Começando pelo tópico do telefone...


* Tópico do Telefone:
Eu gosto de ter o número do celular das pessoas para ligar para elas, sabendo que quem vai atender vai ser uma voz felizmente reconhecível e não um estranho com uma voz bizarra que, com certeza, pensa o mesmo de mim. Raramente ligo para a casa das pessoas, ou melhor: eu raramente ligo. Não que eu não goste de longas conversas do outro lado da linha, mas eu perdi o hábito e já não sei mais conversar assim como antes. Quer dizer, existe um pouco de apreensão também, porque eu nunca sei quando o outro vai ter que desligar. A conta do telefone agradece.

* Tópico do "Eu te amo":
Não, eu não sou efusiva. E existe aquilo de - comunidade do orkut - "não mostrar não é sinônimo de não sentir", não com essas palavras. (Pausa para o 'Tópico do Sinônimo')

* Tópico do Sinônimo:
Eu adoro dizer sinônimo, desde que eu aprendi o que isso significava. Provavelmente, 88% (oitooo!!!) dos meus textos contêm essa ilustre palavra. Eu não vou abrir um outro tópico para dizer que eu adoro inventar estatísticas e não fiz nenhuma faculdade para isso, o que não quer dizer que eu esteja errada...

* Tópico do "Eu te amo" (2):
Eu sou toda dramática e essas coisas, amigos próximos convivem bem com isso (não que os demais não convivam bem - eles simplesmente não convivem, hãhã). Para mim é realmente diferente o significado de vocábulos como 'amar' e 'gostar' (momento brega), então não confunda o que eu digo e não teremos problemas (eu adoro esse tipo de coisa que a gente fala e se sente um xerife de filme). Não é um hábito elogiar pessoas ou querer o bem delas, nem novidade nenhuma que eu prefiro esse tipo de declaração ao vivo e a cores - ou num pedaço de papel, não necessariamente expresso em letras. Tá, eu tentei expressar que imagens podem valer mais ou tanto quanto palavras, mas não fui muito feliz e, de repente, ficou meio 'materialista' - o que não é a intenção.

* Tópico do Outono:
De repente, é minha estação favorita. Fica frio, existem folhas lindas no chão e, enfim, eu acho realmente poético. (Primavera me irrita, Verão nem se fala...) Eu gosto de dias em cinza e sépia. E cachecóis.

* Tópico das Discussões Musicais:
Me deixe constrangida falando de artistas que eu não conheço e são sucessos mundiais. Eu só não sei falar muito sobre - porque eu escuto coisas aleatórias, não tenho nem idéia de quem são ou foram os cantores, tenho poucos álbuns completos e, por sinal, não sei muitas letras decoradas. Cifras então... Mas eu aceito alegremente sugestões e me arrisco a sugerir também.

* Tópico da Confiança:
Hahaha. Eu confio em quem eu acredito que confia em mim e me respeita. Acredito que todos têm uma pirâmide e comigo não é diferente. Sou uma pessoa de poucos e bons, como todo mundo acredita ser...

* Tópico da Impaciência:
Gente polar demais me irrita, gente neutra exageradamente também. Mas nada como um "já acordo sorrindo, vida loka e fé em deus" para acabar com meu bom-humor.

* Tópico da Independência:
Eu sei que eu dependo dos meus pais e essa coisa toda. Até por isso prefiro me comportar como a filha mais certinha ou algo que o valha, não me acho no direito de agir como uma inconseqüente enquanto não sou capaz de responder (sozinha) por isso.

* Tópico da Distância:
Adoro. Acho extremamente necessária para acalmar o enjôo entre as pessoas, preservar a nobre saudade (que revela quem é importante ou não), deixar o indivíduo respirar, pensar, viver do jeito que é, sozinho.

* Tópico do "Não procuro ninguém":
Eu estou há mil anos planejando falar com pessoas que há tempos não vejo. Posso estar numa posição confortável esperando um alô delas ao invés de tentar ao menos fazer um sinal com fumaça, sei lá. Mas eu compreendo o porquê de eu ser assim e não acho que eu saiba explicar de uma maneira que quem lê entenda (é claro que eu estou tentando mostrar um lado positivo de mim ao dizer essas coisas todas, não imagine que eu estou muito feliz aqui digitando sobre o que consideram meus defeitos). Já tentei ser mais acessível, dar um oi mesmo não estando muito inspirada, mas eu odeio esse tipo de coisa. Ou as coisas são espontâneas ou não são: eu não saio do meu conforto para viver mentiras, francamente.

* Tópico da Pressão/Cobrança:
Eu me orgulho muito - mas muito - de não ter pressionado ninguém (se aparecerem respostas contrárias a isso, peço o exame de DNA - ?). Eu detesto que me cobrem alguma coisa, detesto. Qualquer coisa feita por obrigação sai mal feita, porque a pessoa não está nem um pouco afim de fazer e acaba pouco se importando com o resultado final. Não tenho intenção de dar nenhuma indireta com esse texto (vou repetir isso no final, para reforçar). Acho o cúmulo exigir atenção e essas coisas, sejam elas carinho (?) ou demonstrações de afeto ou consideração de qualquer espécie. Até por isso tenho minhas dúvidas quanto a existência da verdadeira generosidade (você sempre espera algo em troca)...

* Tópico das Caveiras da Short Fuse:
Não, eu não aprecio Dark Cute Style: ou tu é tr00 ou tu é bixa, mas caveiras com lacinhos rosas e afins não me agradam. E manda a Hello Kitty pro céu, não pro inferno ganhar chifrinhos - como em camisetas. (Han han)

* Tópico de "Os homens são todos iguais":
Eu estou longe de ser feminista, longe também desse padrão de pensamento de garotas em bando. Ok, eu desenvolvo um assunto sobre isso outra hora... só quis dizer que estou longe de analisar todos genericamente.

* Tópico das Traições:
Eu sigo acreditando que trair em pensamento é pior do que o ato físico, que todos são movidos por razões - ainda que isso pareça desproporcional, que cada caso é um caso e que as merdas entre duas pessoas são resultantes da interação delas e seus problemas (ou seja, se são duas cabeças pensantes a culpa não é de uma só, se é que existe culpa).

* Tópico das Camisinhas:
Providenciarei um abaixo-assinado ao governo do estado implorando para que as camisinhas encontradas na Redenção sejam revertidas em fundos para alguma coisa produtiva - aquilo lá tá um nojo.

* Tópico do Miguxês:
Eu falo português e espero reciprocidade.

* Tópico do Moletom:
As pessoas ficam tão bonitas e gordinhas e quentinhas com eles, que são tão confortáveis. Aiai, adoro!

* Tópico da Sinceridade:
Quando me perguntam uma coisa ou, enfim, eu falo, eu sou sincera - fazer o contrário seria, inclusive, perda de tempo. Então eu não gosto que insistam em se aprofundar nisso numa tentativa de colher provas contra mim, seja lá o que isso quer dizer. Eu já falei algo a respeito, talvez contraditório, sobre esconder certas coisas que eu sei que não serão compreendidas.

* Tópico das "Indiretas":
Eu estou muito satisfeita, não estou trovando ninguém - até porque eu não costumo fazer isso. Portanto, não quero ter que usar a velha frase banana "sou legal, não estou te dando mole". Se eu falo demais ou faço parecer alguma coisa é um ponto de vista, que por sinal eu não compartilho. E eu não acredito num relacionamento a três (ou mais) quando o afeto só acontece entre dois. Sim, eu resolvi escrever e me irritei na metade do caminho, então estou me comunicando de forma grosseira.

Enfim. Depois eu posto algo decente, tenho que estudar. Isso não foi uma indireta para ninguém (falar isso já é uma contradição, mas tudo bem...). Eu apaguei o que estava escrevendo antes, talvez seguisse pela linha cômica e não me deixasse de mau-humor. Mas a culpa é minha e do carro de amaciante que tá dando voltas na quadra há umas vinte horas.




terça-feira, 6 de maio de 2008

A História de Anna.

Anna!
Anna!
Anna!
Anna...
Sentou sorridente no assento de madeira pintada, embalada pelas mãos que lentamente impulsionavam as correntes. As mechas do cabelo loiro encaracolado pareciam fugir do seu rosto, enroladas em fitas delicadas. As pernas seguiam em sentido contrário, desejando ir de encontro ao céu azul.
O campo era nada mais do que a extremidade de um penhasco, desses cuja distância até o chão parece infinita. A árvore secular, o balanço antigo, o frio amargo. Aquele vai-e-vem parecia digno de outro mundo: nada se escutava, senão o ruído dos galhos e do desgaste do ferro. Sem pássaros para gorjear, sem borboletas para roubar o olhar da menina.
O vento úmido afastava todo e qualquer pensamento, todo e qualquer problema, toda e qualquer emoção.
À altura daquele pedaço de terra, um campo amarelado, à metros dali. Não tinha muitos atrativos, senão o mistério sobre o que era capaz de esconder. O silêncio é inimigo do tempo: quem tarda a responder, justifica mentindo. Pensar demais é sinônimo de se enganar.

Anna apertou as mãos magras com força, deixando o resto do corpo relaxar. Estava dormindo acordada, maravilhada com a possibilidade de voar. Seria, enfim, livre. Livre de sua condição de criança - cuja voz é calada sem piedade pelos mais velhos, livre da opressão, livre das barreiras que a separaram dos seus desejos. Livre, por fim, do medo.

Fechou os olhos e sentiu o ar invadir sua boca, passando pelos dentes e fazendo cócegas na língua. Uma canção se iniciou, projetada pela voz fina, feminina, infantil. As pontas do cachecol dançando no ar.
De repente, não mais que de repente, o balanço começou a perder a velocidade: as mãos que o embalavam agora estavam afastadas. O vulto escuro descia por uma pequena estrada de lama que se fez na grama, sorrateiro, sem cerimônia.
Anna, enfurecida, moveu os pés para frente, viajando em suas lembranças mais platônicas. Estava tão mais perto das vozes que um dia ouvira e pareciam não ter dono, estava tão mais acima de qualquer expectativa, tão próxima de qualquer amigo irreal. Gostava de falar com objetos, era fato, mas não compreendia porque isso era tão errado para os outros.
Anna!
Abriu os olhos num susto.
Anna!
Sentiu a saia do vestido tomar a forma de um balão.
Anna!
Abriu os braços o máximo que pôde e, indecisa quanto ao que esperava, mostrou os dentes num largo sorriso: lá estava ela, mais alto do que qualquer um já estivera, vendo toda a beleza dos campos coloridos se misturarem num só. E mais, muito mais: o campo amarelo - ela agora sabia o que ele tanto preservava...
Anna...
Os gritos de sua mãe não foram o suficiente para salvar sua vida.
Não houve vulto, não houve emoção, não houve razão naquele pulo desesperado, pensou a mulher.
Mal sabia ela que aqueles minutos de silêncio foram o bastante para que sua filha encontrasse o que uma vida inteira no mundo dos homens não lhe proporcionaria.



segunda-feira, 5 de maio de 2008

Lobo

- Eu te odeio! ...Eu quero entender porque você sempre faz isso, sempre!
- Isso o quê?
- Você me afoga, me afoga e depois me salva. Então, sorri para mim, como se eu tivesse obrigação de estar satisfeito.
- Eu não entendo do que você reclama. Você pede ajuda e eu nunca me nego a ajudar.
- Você se oferece, é assim que você consegue as coisas. Se oferece em doses, se oferece até se tornar rara. E, então, eu não te encontro mais... em lugar algum.
- Nesses dias nem eu mesma me encontro. Você sabe disso, sempre soube.
- Eu não sei mais o que pensar. Se eu estou bem, você me deixa tão mal. E me faz tão bem ao mesmo tempo.
- Eu não tenho culpa de você sentir as coisas desse seu jeito estranho. Tudo o que eu posso fazer é não fazê-lo sentir, sumir por aí até que as coisas se resolvam.
- Fugir. Você não percebe que é o que sempre faz? Você foge, foge correndo até um porto que lhe pareça seguro. Desaparece como um navio no mar e, depois que eu já me acostumei com toda a dor da sua ausência, você volta e começa tudo de novo.
- O que você espera de mim? Se eu não gosto de você tanto quanto você espera, o que eu tenho que fazer? Eu já tentei de tudo, eu só quero viver a minha vida.
- Longe ou perto de mim?
- Com distância suficiente.
- Suficiente?
- Eu não gosto de saber que você sente minha falta, mas é perda de tempo eu ficar te anestesiando com minhas mentiras disfarçadas. Palavras são como pílulas: podem se tornar um vício, escassas, podem te curar em minutos, podem te enganar também.
- Às vezes eu gostaria de não te entender, minha querida.
- Tanto faz, você nunca entende. Apenas acha que o faz.
- Porque você diz isso?
- Porque você é um tolo. Desses tolos apaixonados de filme, que idolatram tudo o que eu falo sem perceber a maldade que existe por trás. Eu te quero bem, mas não te quero. Você finge para si mesmo que entende, porque não suporta o pensamento de que você está sozinho no mundo e a única pessoa por quem você...
- Você não é a única. Nunca foi.
- 17:51. Está anoitecendo. Então, é agora que você levanta o rosto e resolve se mostrar indiferente?
- Você é fria, é fria porque é nojenta. É egoísta, é cega, é imoral.
- Eu não preciso de moral.
- Você diz isso porque não sabe o valor de um olhar sincero. Sempre mentiu por diversão.
- Não, eu não me divirto com essas besteiras. Sinceramente, você me dá pena.
- Vai embora agora? Fugir como você sempre faz?
- Qualquer passo para longe é sinônimo de fugir, pra você?
- Foi tudo o que eu aprendi.
- Ok. Chega. Não vamos nos desviar do assunto inicial...
- Você estava dizendo que as pessoas precisam de relações falsas para se sentirem...
- ...se sentirem completas. Elas sabem que estão em um ninho de cobras, que ninguém dali se importa realmente, mas elas precisam dessa afirmação de que número é qualidade.
- Tá, então você disse que confia mesmo em duas pessoas...
- Três.
- E a sua lista de nomes?
- É uma lista de nomes, ora. São palavras, não pessoas. Você ouviu o que eu disse sobre as pílulas.
- Ok, entendi. E você, nessa vida de andarilho, não sente falta das coisas que passaram?
- As coisas passam, passam o tempo todo. Eu estou tentando me desfazer das memórias que eu não gosto, como todos geralmente fazem, mas eu não sou boa nisso.
- Você é boa em fazer os outros esquecerem. Talvez exista alguém que te faça esquecer também.
- Mas, sabe, esquecer é um crime. É como se eu apagasse parte de mim, como se eu não tivesse vivido realmente o tempo que eu esqueci.
- Você não vai lembrar que ele existiu.
- Mas ele existiu. Os meus olhos viram. Eu não posso esquecer algo que é só meu, que ninguém tem igual. É tão precioso...
- Você vem e vai e você é esquecida. Faça o mesmo com os outros. Esperei ouvir isso de você.
- Não, não, nunca. Eu gosto de pensar que eu superei. Seria fraca se não enfrentasse tudo de frente.
- Atitudes nobres não servem de armadura. Seu peito parece apedrejado.
- E o que entende você disso? Você que chora por uma pessoa que sequer...
- Eu não preciso que você goste de mim para eu existir.
- E todo o drama de cair e levantar, o que foi aquilo?
- Eu estou dizendo que eu sei que você vai me salvar. Vai passar a vida me chutando, mas vai me curar também. Só que eu não tenho poderes, não tenho nada que consiga vencer essa sua barreira gelada.
- Você fala dela, mas eu a desconheço. Para mim, as pessoas são todas insuficientes, só isso.
- O que não te deixa triste te irrita. Isso é errado.
- Não é errado! Eu fico entendiada com o que não me traz emoção.
- Você fala em aproveitar, fala das coisas pequenas, dos sabores e dos defeitos e esquece que você também é feita disso.
- Eu sei falar das coisas que eu gosto.
- Se concentra no que você é.
- Eu não tenho que ouvir uma pessoa que está abaixo de mim.
- Então agora eu estou abaixo?
- Você está atirado aos meus pés, como sempre. Você está cego pela imagem que você idealiza de mim. Eu não sou a cereja do bolo, eu fujo porque não sinto sua falta. Eu volto porque gosto que você dependa de mim.
- Acabou?
- Não. Eu não sei qual é a minha motivação. E a partir do momento que eu for embora de vez você também não vai saber.
- Ah, como eu gostaria de não te entender... Porque você acha que eu quero tanto te fazer ficar?
- Achei que você precisasse de mim.
- Você precisa que alguém precise de você. É isso que te faz ficar. Você se prende nessas memórias todas, com medo de ser esquecida como você é incapaz de fazer. Você é deprimente porque você não foge disso, não busca o real sentido, apenas se conforta com as lamentações passadas. Você tem medo de mudar e...
- ...ser esquecida. Pelo menos você eu sei que não vai me esquecer.
- Mas eu estou ficando enjoado! Foi por isso que te chamei aqui, para dizer que o amor que eu sentia está se transformando em cinzas.
- Você está me deixando.
- Não.
- Você vai fugir, vai fugir! Você encontrou o que queria, você sugou de mim o que precisava e agora está fugindo com as minhas coisas!
- Eu vou ficar do seu lado até minha doença passar. Não quero te fazer sofrer o que eu sofro.
- Você me enganou. Disse que estava fraco esse tempo todo e agora me faz precisar das suas pílulas.
- Eu não vou te sufocar de novo. Estaremos suficientemente longe um do outro.
- O que eu faço? Você me deixou no chão, me ensinou a ser transparente e agora me violenta por eu não saber me esconder.
- Não é verdade, minha querida. Não é verdade.
- Você contou para alguém? Disse o que eu fiz?
- Eu sou impulsivo, você sabe... mas não há possibilidade disso se espalhar por aí.
- Você é bobinho, é claro que a minha máscara caiu. Você confia nas pessoas desconfiando e não sabe esconder isso. Logo, elas sentem o cheiro do perigo, da desconfiança e acham que você é perigoso, que não podem confiar em você.
- Eu não sou assim com todo mundo. E nem todos têm teus olhos de gavião.
- Eu deveria correr. Você me faz mal, eu deveria fugir de você.
- Você sequer pertence a mim. Não há o que temer, você ainda é uma mentirosa. Eu não acredito no seu drama, minha querida.
- É claro que não, você é cego. Tão cego que precisa de mim até os ossos. Eu poderia roubar seu dinheiro, te abandonar sangrando na estrada e você ainda se lembraria de mim com um sorriso doce nos lábios.
- E ainda não se sente amada?
- Não. Porque não é natural. Você gosta de mim porque eu quero que goste.
- Sua última tentativa de se tornar insuportável foi um fracasso.
- Qual o meu problema afinal?
- Eu já te disse: você não tem rumo. E vai continuar dando rodeios até que seus tropeços lhe ensinem a caminhar.
- Você fala bonito, mas sai tudo da boca pra fora.
- Talvez você seja incapaz de entender as pessoas. Agora me ocorreu essa idéia... de que você só escuta, escuta animada porque é incapaz de ver as coisas da mesma maneira, de viver no mesmo mundo.
- E se for verdade? E se tudo que eu quisesse era não me sentir um marca-texto entre as canetas esferográficas?
- Eu não te acho nada convicente. Achei que gostasse de ser o centro das atenções.
- Eu queria alguém como eu.
- Você não confiaria totalmente nessa pessoa.
- Nem ela em mim. Estaríamos quites.
- Você deve se desprender das coisas que a marcaram, para que novas tenham chance de te preencher.
- E se eu sentir vontade de fugir no meio do caminho?
- Vá. Mas sem culpa.



segunda-feira, 28 de abril de 2008

Seqüelas.

- Você vai viver esse luto para sempre?
- Mas eu morri várias e várias vezes, não foi só aquela vez.
- Ah, por favor. Veja tudo o que você já conquistou, o tempo que ainda lhe falta...
- E o que eu conquistei?
- Pessoas. Pessoas, muitas pessoas. E eu não falo só nesse sentido, você sabe... Acho que é um dom que você tem, sabe, essa coisa toda de saber falar.
- Se eu tenho um dom porque eu nunca sei o que falar? Porque eu invento coisas para me livrar da agonia que é o silêncio numa conversa?
- Ah, não me afogue em perguntas, eu estou tentando ajudar!
- Mas você mente. Todos mentem!
- Não é verdade, eu só quero seu bem...
- As pessoas estão acostumadas a pensar que fazem o bem quando falam essas merdas. Não me olha assim, você entende o que eu estou falando, você sabe muito bem o que eu penso dessa coisa de sair distribuindo conselhos e elogios. Eu não te pedi nada, nada!
- Mas é natural que a gente queira ajudar quem a gente gosta...
- Então seria natural dizer a verdade sempre. Eu não gosto desse olhar fraterno. Fraterno e falso. É uma falsa piedade, é uma coisa que você e todo mundo espera que seja retribuído, não é despretensioso como vocês fazem parecer.
- Mas... quanta bobagem!
- Bobagem? Eu só estou pedindo para ficar sozinho, absorto nos pensamentos. Eu não quero você neles, não quero ouvir sua voz me dizendo que eu tenho que sorrir e esquecer as coisas que me deixam assim.
- Ficar alterado não faz bem à ninguém.
- Mas eu tenho esse direito, não tenho? Me responde, eu não tenho?
- Eu tentei, ok? Eu juro que tentei te dar a mão, mas você insiste em ficar amargurado nesse seu mundinho...
- Isso! Você entendeu, você entendeu! Eu quero o meu tempo de volta pra mim, só isso.
- Mas você sabe que vai ficar remoendo essas velhas histórias e que o passado não volta, a gente não pode consertar as coisas depois que elas já...
- Por favor!
- Está bem. Você já ouviu o que eu penso à respeito... acho que ela agiu feito uma idiota, mas você também deixou a desejar... fora que...
- PÁRA. Que merda!
- Não precisa gritar...
- Mas você não me escuta, que saco.
- Eu achei que você fosse mais controlado.
- Ninguém se controla quando existe alguém insuportável por perto.
- Então é assim que você me vê?
- Quase. Agora sim, porque eu estou irritado. Por favor, vá embora. Eu não quero me arrepender de mais coisas do que eu já... você conhece a minha lista.
- Olha, não carregue mais esse peso... Não é necessário, as coisas já passaram. E são irreversíveis.
- Onde você estava com a cabeça quando disse que eu sei falar com as pessoas?
- Ah, você sabe... você é legal.
- Legal? Que papo é esse agora? Não me encha de elogios toscos, seja direta!
- Eu te acho superarrogante na maior parte do tempo, mas você sabe ser amável também. Eu admiro isso.
- Todos são assim, é a lei da sobrevivência.
- Então nada do que eu te disse adiantou?
- Não.
- Você é assim... inabalável?
- Não. Só que, como você mesma falou, a gente não pode consertar as coisas depois que elas já... enfim, você sabe que eu não tenho conserto.





domingo, 20 de abril de 2008

Encontros e Desencontros

Checou os e-mails, abriu o jornal. A mesma notícia, sobre pessoas totalmente diferentes. Suas semelhanças? O vínculo com a mesma garota, o encontro com a dama da barca no mesmo dia. Faleceram por motivos opostos: um por fumar demais - overdose, na verdade -, o outro no papel de vítima, em um acidente de carro cujo responsável fora um estranho alcoolizado.

Lee passou grande parte da manhã no escritório, entre papéis e copinhos descartáveis de café forte, bem forte. Sentada sobre uma das pernas, que estava cruzada, olhava inquieta da folha cinzenta para o monitor, onde um breve texto anunciava a morte de um sujeito por quem ela há muito suspirara.

Não se sentia exatamente mal pela perda, afinal encerrara o contato com todos os seus ex-namorados e casos - com esses não seria diferente. Mas, sabia, foram importantes de algum jeito. E agora seriam mais uma vez enterrados, de forma definitiva e inevitável.

De repente, uma onda de remorso começou a invadir seu corpo. Passou pelos dedos, subiu pelo pescoço, alcançou sua expressão de indiferença. Lee sempre foi uma dessas pessoas encanadas com a passagem do tempo - com o que fica e o que ele destrói. Sabia que, enquanto vivos, nada ouviriam de sua boca os pobres rapazes. Só não planejava ter palavras na ponta da língua agora, quando eles não passam de corpos inanimados.

Nunca mais os viu. Tudo o que conhecia eram os relatos de um quarto indivíduo, colega de trabalho de um dos dois e, casualmente, seu vizinho. Numa dessas conversas que acontecem nos segundos que só os elevadores proporcionam, descobriram que tinham um Giovanne em comum.

O e-mail não fora apelativo, não pedira sua participação no enterro, tampouco mostrava sensibilidade. Fora um comunicado, do tipo "olha, teu ex morreu", sem pretensão de derreter em lágrimas o brilho dos olhos da moça. O endereço do cemitério, a igreja onde seria a missa, tudo isso fora informado. Ainda assim, a presença de Lee não era esperada - e nem sabia ela se seria bem-vinda.

O sujeito homenageado no jornal, com aqueles mil anúncios emocionados de familiares e doutores em alguma coisa, fora seu primeiro namorado. Talvez o frio ao ler seu nome tenha sido maior - até porque já sabia do que se tratava aquela página cheia de retângulos. Urich, Leonardo Urich. Fora um sujeito forte, desses que vivem para os negócios, aprendem a ganhar muito dinheiro fazendo o mínimo esforço e - bastava cruzar os dedos - conseguiam as mulheres que desejassem. É claro que isso tudo acontecera depois, bem depois do "adeus".

Tinha sido realmente feliz com Giovanne, até encontrá-lo aos beijos com outra garota, em um bar de esquina. Sentiu o sentimento se evaporar, como sempre acontece com quem não aceita ser enganado. Não poderia negar que ainda o considerava o melhor de todos os caras que já conhecera, apesar do desgosto, do orgulho, ao lembrar do ocorrido naquele cinco de maio.

Desistiu de tentar entender os homens. Não gostava de olhar para trás sabendo que repetiria erros que, sabia, não tinham lhe ensinado praticamente nada. E, agora, Lee estava ali, diante de fatos tão cruéis e abstratos. A morte é um mistério para tantos...

Pensou em ligar para uma amiga, dessas que mantém contato com todos os ex-colegas de escola, que se encontram semanalmente com os amigos da academia, que têm na agenda do celular os mais diversos tipos de gente. Ela falava ainda com Urich, deveria ter alguma notícia para comentar.

Discou os números, mas abortou a ligação antes que essa fosse concluída. Se sentiu melhor ao não ouvir a voz de Maísa. Entre um gole e outro de café, pensou na possibilidade de aparecer na cerimônia fúnebre de um ou de outro, só não sabia qual. Urich era agora um homem imponente, importante para a alta sociedade. Seria enterrado na capital, num luxuoso gramado, rodeado de curiosos.

Giovanne, coitado, talvez nem lágrimas tão dolorosas recebesse: a família de um drogado nem sempre se despede dele com os braços recheados de flores e saudade. Fora fraco, é verdade: desde muito jovem era cheio de vícios, cheio de segredos e truques. Por sorte não seria cremado, pensou Lee, se imaginando diante do falecido, com um lencinho nas mãos. O problema em optar pela segunda alternativa era a distância: viajar para o interior pouparia boas horas.

Por Urich sentia um carinho único, gratidão pelos momentos mais marcantes - onde ele fora extremamente compreensível. Carinhoso, generoso com elogios e pequenos agrados: um bom partido desde menino. Planejaram um vida, com direito a jardim, filhos e viagens. Se esqueceram, porém, que certas características das personalidades das pessoas eram imutáveis. Pouco solidário, o tempo os fez lembrar disso, trazendo de volta a sujeira que fora escondida por debaixo do tapete.

Giovanne, o ex-hell, como Lee gostava de anunciar. "O cara que te leva aos céus e de lá te faz despencar.", comentara uma vez com Maísa. Procurou se concentrar no ambiente que enfrentaria, recheado de velhos conhecidos, sendo estes os pais e os parentes do falecido, pessoas que não fazia idéia de onde o conheciam, alguns amigos perdidos e alguma nova garota enciumada.

Consultou o relógio, releu o e-mail. O trabalho de ir ao enterro se tornava mais difícil a cada segundo. Trocar de roupa e pegar as chaves do carro era tudo o que tinha que fazer. Porém, o conflito de emoções a fazia ficar estacionada na cadeira, olhando do jornal para a tela do computador.

Dividida entre os dois homens, mais uma vez, decidiu usar o lenço branco que trazia consigo para limpar o contorno dos lábios, molhados de café. De qualquer forma seria sinismo fingir que se importava.

Gostaria de perguntar a Giovanne se o sexo com a outra era melhor do que com ela. Adoraria não ter ouvido de Urich que eles já não mais estariam unidos na vida e na morte. "Bem feito para ele!", pensou.

Lee fechou a janela do e-mail, amassou a folha de jornal e a jogou no lixo. Pensou em acender um cigarro, mas o gesto traria lembranças de Giovanne, de como ele brincava, concentrado, com a fumaça. Ao desistir de o fazer, lembrou de como Urich sorriria silencioso, afirmando com a cabeça que a atitude fora aprovada (era de se esperar de um médico hipocondríaco como ele era, ainda que tenha ido para o ramo da cirurgia plástica - o lado mais comercial da Medicina).

Abriu a segunda gaveta da escrivaninha, que mantinha chaveada, e puxou uma garrafinha de whisky que estava escondida sob alguns documentos da empresa onde trabalhava. Mirou-a por alguns instantes, então despejou parte do conteúdo na boca.

Urich fora incapaz de consertar os defeitos de Lee. Giovanne não se importava com eles - nem com ela. Pouco influenciavam na sua vida, agora que ela concluíra a faculdade e já era independente. Não precisaria mais deles, ainda mais sabendo que estavam debaixo da terra.

Pegou os documentos da gaveta e voltou ao trabalho. Assim o fez seu vizinho, no mesmo momento, abandonando a idéia de se despedir do colega.
A mesma notícia, sobre pessoas não tão diferentes. Suas semelhanças? O vínculo com o mesmo sujeito, o encontro com a dama da barca no mesmo ano. Só não sabiam quando.