domingo, 20 de dezembro de 2009
Brothers on a hotel bed .mp3
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Fat'bottomed Girl
"Sexo verbal não faz meu estilo
Palavras são erros e os erros são seus
Não quero lembrar que eu erro tambémUm dia pretendo tentar descobrir
Porque é mais forte quem sabe mentir
Não quero lembrar que eu minto também"
Esse trecho de "Eu sei" tocou em boa hora: estava conversando e refletindo sobre o ser humano - o ato propriamente dito. Ok, não exatamente tão vago assim... O assunto é mais direcionado para situações "dolorosas". Sim, vale a idéia de que o sofrimento é opcional (a velha história) - transformar o luto em melancolia é só para os artistas... Tenho um amigo um tanto Shakesperiano, e (sei lá se ele sabe disso) sinto um superorgulho da atitude (um tanto romântica) dele de mostrar suas fraquezas, pedir auxílio e, enfim, não bancar o machão insensível. Não pretendo dar início a um discurso do gênero "mulheres gostam de caras sensíveis", a idéia não é nem de longe essa. E nem sei se gostam ou não. Pouco importa. Ele está mais maduro, menos dramático talvez. E anestesiado (eu gosto dessa idéia). Depois de um tempo, independente do aprendizado que adquirimos e da freqüência das decepções, acredito que vamos nos acostumando com os fatos e sentindo-os menos a cada vez que se repetem. Não é que sejamos tolos a ponto de deixarmos tudo acontecer do mesmo jeito, não é mesmo. Cada caso é único. Enfim, só queria dizer que acho bonita a verdade, acho que as lágrimas são dignas - foda-se se o responsável por elas merece ou não. Foda-se. Umas das coisas mais admiráveis pra mim é justamente a grandeza de cair e levantar. No palco, na vida, anywhere. Eu falei sobre isso aleatoriamente. Não me identifico com essa situação. Na verdade, fiquei pensando que eu adoro (mesmo) relacionar amigos com personagens equivalentes [?]. Até hoje, acho que só fiz isso com dois. Lestat/Louis e Arthur. Ok, o primeiro exemplo ficou meio infeliz. Mas eu gosto dos dois, acho que se completam. E o Arthur, ah... Nossa, sou apaixonada pelo Rei Arthur. Arthur, Morgana, Merlin, Vivian, blablablá... Quanto ao Holden Caulfield, sei lá... eu sou ele, é meio arriscado desejá-lo na minha frente. Fora que ele é um tanto cinza. Mas um tanto cinza mesmo. Tem dias que nem eu me agüento. Mas , enfim, o Holden é eterno. Eterno. Por falar nele, hoje eu vi a terceira edição (terceira!) do Apanhador em cima de uma mesa e, ai, babei. Bons livros quando são velhos são tão mais atraentes. Ai ai. Nossa, estou muito emocionada com as aulas. Tipo muito mesmo. Aquilo de chegar em casa exausta e ir correndo ver o que tem pra fazer. Nesse domingo, bizarramente eu senti falta de ir pra UFCSPA. Senti falta das pessoas, dos comentários, das risadas. Às vezes, é verdade aquilo que dizem sobre uma janela se fechar e uma porta se abrir. Sou meio teimosa, mas procuro manter a cabeça aberta. Sei lá, eu sou boazinha. Não do tipo padrão, é claro: eu invento apelidos e sou um tanto cretina mesmo. Mas sou boazinha. Acho interessante o diálogo, necessário ceder, fundamental respeitar. Não é uma boa idéia do destino me fazer pensar que minhas primeiras impressões, meus primeiros julgamentos, estão certos: mas é delicioso poder pensar que minha intuição é generosa comigo. Ok, essa frase ficou estranha. Sei que ando falando com gente diferente, que tem me surpreendido litros. E tem sido ótimo. Cada vez mais eu me acho meio esquisita por ser a saiazinha entre as bermudinhas [?], mas, no fundo, é o que me faz bem. Acho que os caras te mantêm no lugar, gurias te puxam pra lá e pra cá. Ah, não quero explicar isso. De qualquer modo, sou aberta. Gosto de cuidar dos meus amigos, gosto mesmo. E tem sido um ótimo período pra isso. E eu estou parando de roer unhas do nada. E comendo menos chocolate (mas isso aí não reflete exatamente a minha vontade...). Eu acho engraçado quando sofro com essas mulherzites do tipo se identificar profundamente com "Bette, a feia". É tão fácil conhecer o inferno às vezes. Enfim. Ui, achei muito profundo e exagerado o que eu disse. Eu queria ficar falando sobre qualquer coisa, mas foi inevitável falar de mim. Acho que estou bem. Não tenho certeza, depende do momento. Depende de o quanto eu estou disposta a refletir sobre minhas atitudes de uma maneira justa para mim e todo mundo. Eu sou trouxa, sou trouxa o bastante para me ferrar no lugar dos outros. Mas é puro egoísmo isso, puro egoísmo segundo a filosofia. Infeliz como parece que eu estou propaganda de "Ivy, a coitada"... Nem é isso. Sabe, ainda que eu me ferre, eu faço o que me faz bem. Se eu achar válido me ferrar, eu me ferro. E acho que ultimamente eu estive suportando muitos problemas que não eram meus - não estou tão disposta a me sujeitar a certas situações. Continuo sendo uma "pessoa substituta", do tipo que quer te deixar bem a todo custo. E continuo me identificando com a Clementine, mesmo que não deseje a história dela. E, antes de tudo, continuo exercendo meu papel de "pessoa-que-espera". Só que eu cansei por ora, só isso. Festas animadas, com gente esquisita e gente linda, têm me alegrado, me feito pensar. Mais do que nunca, tenho adorado ser a dona da casa e a dona da minha vida. O final foi só pra fechar com estilo, porque a preguiça de escrever mais bateu. São 04:18 no relógio. E, sei lá, não estou "blé". Me disseram que pareço mais insensível e estou mais fechada. Talvez. Creio que sim. Mas continuo sendo eu, seja lá o que isso signifique. Estranha necessidade de ser abraçada em conflito com a vontade de evitar qualquer contato. Ok, não necessariamente qualquer contato. Mas odeio os nordestinos e analfabetos que surgem no msn. De novo não é um bom "final". Ok, acho que fica mais bonitinho se eu disser que estou com vontade de caminhar por aí e falar merda em boa companhia, comendo balas de gelatina ou qualquer coisa que me faça pensar que minha barriguinha é de felicidade [?]. Ou não. Beijo pro meu pai, pra minha mãe, e pra você!
domingo, 9 de agosto de 2009
friendshit
(um post tão pequeno e tantos marcadores, ora pois!)
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
pré-reveillon
41 posts sem "marcadores" (essas palavrinhas soltas que eu coloco aí embaixo, apontando os principais tópicos do que eu escrevi). ok, falando assim parece algo muito importante. é só que eu queria fazer isso logo, tipo na próxima semana ou na outra, porque eu estou com a minha síndrome de organização apitando aqui dentro. o primeiro felizardo - ou vítima - vai ser o meu quarto. falando em felizardo, que palavra horrível. ela me lembra um adulto solteirão razoavelmente velho, com um nome esquisito e triste, tipo Horácio, ganhando um beijo babado com batom, na bochecha esquerda, da tia que usa dentadura. tudo bem, deixemos ele de lado. e as minhas manias também. quem lê deve pensar que eu sou mais uma daquelas meninas que deixam o lençol esticadinho e tudo devidamente no seu lugar. bem, poluição visual combina mais com meu quarto. mas eu gosto da mistura de cores.
*
sobre o reveillon, eu realmente acho que o meu vai ser legal. melhor, inclusive, do que foi o último. e eu espero, de verdade, que o dos outros seja bom também. não é que faça parte do meu gênio desejar (sempre) o contrário, mas é que de repente eu fiquei meio emotiva e, quando eu estou assim, as pessoas parecem tão merecedoras de afeto. isso começou ontem de noite, no final da aula de dança. por sinal, foi uma aula diferente. deve ser a vigésima professora que eu conheço (o melhor foi que eu demorei para entender que ela era também professora, porque eu conheci ela na última apresentação e, mesmo ela sendo do grupo das fodonas, eu não conhecia o lado teacher dela). apesar de ser uma aula para o nível um, tinham ali pessoas do intermediário e do avançado e, de certa forma, unir todas em movimentos iguais foi bem bonitinho. eu gosto de quando tem esses momentos de interação e a coisa funciona, até por isso eu apreciei bastante o pessoal de lá. enfim. hoje foi o último dia de aula no cursinho e foi realmente estranho, uma vez que eu vou sentir mais falta desse um ano com 300 desconhecidos do que, sei lá, doze anos com as mesmas cabeças. e isso vem da sensação de bem-estar mesmo, não exatamente porque os professores são mil vezes melhores ou coisa parecida. até porque inexistiu a tranqüilidade de anos atrás - sabe, vestibular é uma palavra muito abrangente. foi bom ouvir os conselhos e verdades sobre isso, porque, de fato, não podemos tornar essa merda maior do que ela já é, tampouco alimentar sonhos de que a vida vai ser um mar de rosas depois de enfrentar as provas. não que passar seja uma obrigação, mas isso não fará ninguém melhor ou mais amado. e etc. tudo bem, isso funcionou para mim. eu não costumo gostar dessas coisas que as pessoas falam, mas eu fiquei realmente nervosa de uns meses para cá. e ter uma atividade paralela à todo o transtorno, com certeza é a melhor escolha.
*
sobre a minha parte mais hum afetiva, sei lá. eu estou feliz. eu continuo 'em um relacionamento' - de repente, o post anterior colocou isso em dúvida - e bem satisfeita com ele. quanto aos meus amigos, também não tenho muito o que dizer. parei de tentar agradar a gregos e troianos; penso que a naturalidade antevém a regra. é claro que eu acredito que é possível manter um laço forte sem muito contato, pela internet ou, enfim, com certa distância - desde que os dois estejam dispostos a superar as limitações. e, falando em internet, fico triste em ver que muita gente leva o Orkut muito a sério e interpreta isso como um retrato da vida ou coisa parecida. tenho até a minha mãe como exemplo de vítima desse tipo de problema. eu me surpreendi ao ver meus amigos se dispersando, cada um indo para um lado. não lembro da última vez em que eu vi meus amigos de escola reunidos, assim sem faltar ninguém. acho que ainda foi no início do ano, em época de calor. vestibular, faculdade, escola, curso de alguma coisa, enfim, cada um tem sua vida. encarar isso com maturidade é o ponto básico para evitar discussões desnecessárias, pensamentos que não condizem com o que acontece, tempestades em copos tão pequenos. a minha vizinha, por exemplo: eu vejo ela todos os dias pela janela e fui incapaz de ir lá e fazer uma visita. é claro que existem sempre caminhos alternativos, que a gente só enxerga depois que perdeu a chance, mas relevar é sempre uma possibilidade. apesar do meu jeito, de não ligar (telefone) e nem aparecer, e também do comportamente semelhante ou diferente das pessoas que eu conheço, o resultado de tudo foi positivo. quando eu saí, a maioria das coisas renderam. claro que existem idéias que eu nunca vou entender (nem sua origem nem sua consistência), mas eu prefiro tentar torná-las menos impossíveis à medida que buscarem me compreender também. não tentei levar isso pelo lado egoísta, mas pelo lado amor-próprio. então, eu vou continuar fazendo o que eu fazia e não fazendo o que eu não fazia, porque, independente de ser teimosia ou não, essa sou eu e me recuso, sem arrependimentos, a levar uma vida que não seja a que eu desejo. ...um feliz 2009 pra todo mundo! ah tri.
ok, esse foi meu texto de final de ano. não consigo fugir dele, ó céus.
domingo, 7 de dezembro de 2008
Das coisas que eu não entendo
Eu acho que nunca vou entender - e eu não vou fazer o menor esforço para chegar perto disso - o que faz alguém trocar coisas certas e, sei lá, concretas, que realmente importam, pelo incerto, que não oferece garantias. Eu não falo de ousar, arriscar, fazer uma mundança radical na vida, mas simplesmente aplicar o que se aprende.
No fundo, a verdade é que as pessoas funcionam umas com as outras ou não. Simples assim. Um olhar torto no primeiro encontro mudaria tudo, mas ainda assim não seria definitivo. É difícil encontrar gente que pense parecido. Não exatamente "pensar" no sentido de querer salvar o mundo com uma ONG ou ter a mesma cor como favorita, mas pensar no sentido mais ação da coisa. Por mais que opostos se atraiam, as semelhanças sempre serão necessárias para a harmonia da relação. E, cada vez mais, eu vejo que dias e dias dialogando sobre como agir, na mais profunda paz, não substituirão o conforto que é não precisar explicar nada, só sair fazendo. Tipo aquela coisa de tu ver uma situação inusitada e olhar para o teu amigo na mesma hora em que ele te olha: por mais comum e inocente que isso seja, a sintonia no comportamento explica muita coisa.
Amizade é pra ser assim, confortável. Jogar videogame de moleton, comendo algum salgadinho fedorento e tendo a liberdade de falar o que quiser, sem se preocupar com opiniões divergentes. Às vezes, enxe o saco aquela coisa de falar manso e evitar se destacar porque isso pode ser entendido de maneira errônea por alguém. Incrivelmente, a ditadura ainda existe, infiltrada nessas pequenas condições das relações humanas. Como aquelas campanhas de televisão, que buscam de alguma forma trazer informação ou minimizar o preconceito com algum assunto... elas podem englobar muita gente, mas ainda assim não são cento por cento eficientes. Hoje, prevalecem os grupos. Grupos variados, grupos de qualquer coisa - mas, ainda assim, alguma coisa que sirva de critério para unir pessoas diversas. E quando surge algum questionamento, ainda que em tom de dúvida e não de crítica, ele é visto como uma ameaça e, muitas vezes de forma sutil, o membro é afastado para longe, depois para bem longe, até estar seguramente distante. É como se às pessoas fossem frutas podres e tivessem que se unir em espécies, mas de maneira menos orgânica.
Eu tinha intenção de falar que a vida é engraçada e que me cansa ter que falar com os outros (não todos) como se eles fossem crianças, daquele modo "deixa que a mamãe te ajuda", em que, notado qualquer sinal de beiço, se deve voltar atrás e fazer de novo a cortina do paraíso cair sobre a realidade. Simplesmente não flui.
E tem coisas que eu prefiro nem entender, porque concordar com elas seria negar a minha inocência diante dos fatos. Quisera eu me passar por ingênua ao invés de ignorante. Mas não sou eu quem decide isso. E eu me sinto um metro e meio de angústia quando as minhas palavras não chegam nem perto da consciência de quem deveria ouví-las.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
Cinza das Horas
E existem horas que não há música que saiba explicar o que se passa. Tipo quando a conversa acaba de repente, com palavras alegres ecoando em extremo vazio. E a sensação de bem estar se esconde atrás daquela expressão que não diz nada, absolutamente nada. A mais vaga lembrança do que é imperfeito provoca o despertar quase que instantaneamente. E coisa vai, coisa vem; algumas mudam, outras desaparecem de vez: quase não há alternativa para uma provável melhora na situação. Por mais que se tente provar o contrário, a felicidade individual prevalece sobre o desejo comum, o desejo de que todos tenham motivo para estampar um sorriso no rosto. O ser humano é egoísta, é egoísta e isso não é errado não: faz parte da sobrevivência. Porque, ainda que sejam grandes as diferenças, somos também animais: tanto ou mais do que os que conhecemos. A diferença, a singela diferença é que eles não pensam ou não sabem disso - e isso é uma convenção determinada pela nossa espécie. E quem quer saber de espécie quando se está no meio da rua, entre várias e várias pessoas que nem se importam?! E a não-importância também não é motivo de nada, não é justificativa para nenhuma culpa que possa haver. E o botão é apertado, e de novo e de novo. Nenhuma música que fale por mim. Preferível ouvir a sirene dos automóveis, entender que existe mais no mundo do que o meu próprio mundo. A própria compreensão tem seu limite: tem horas que, não importa a força da amizade, da profissão, da experiência - saber mais ou menos da vida não vai ajudar, uma vez que são olhos diferentes a encarar o horizonte. E sentir é bom, sentir é essencial. Quase vital e tão fatal. E vão existir dias em que, por melhores que forem as suas ações, você vai chegar em casa, tirar os sapatos e não querer abrir os olhos de novo até que uma nova manhã comece - e ela pode ser a próxima ou a última, acontecer dentro de horas ou dias. E pouco importa se tem cocô embaixo do seu sapato, a lâmpada queimou, o computador não quer funcionar: quando o problema é interno, não há preocupação externa que o faça se voltar para a realidade que acontece ao seu redor. Ou talvez você seja diferente. Eu não tenho certas responsabilidades ainda, não sei falar com a mesma sinceridade de quem já construiu sua vida fora do berço. Só acho engraçado como a minha falha é o acerto de um e o erro desse alguém surge em mim como uma qualidade. E dessas coisas indescritíveis, impalpáveis, infinitas eu não sei falar mais do que isso. Voar parece ser cada vez mais difícil.
Ps: sobre o título, eu não sou fã do Manuel Bandeira.
sábado, 27 de setembro de 2008
Reset
O preço de viver num passado de coisas imperfeitas é se obrigar a aceitar que nem tudo é como se deseja. Só isso: aceitar que, por maior que seja o esforço ou a vontade, nem sempre os resultados são reflexos do que foi sonhado. E o não sair dessa condição, desse espaço estacionado no tempo, só faz aumentar a angústia de não entender algumas verdades. As raízes crescem, então, e lá estão os pés fixos ao chão, incapazes de saírem do lugar - ou sequer projetar uma sombra sobre o que ficou. Começar de novo, remodelar os pensamentos de modo que o que foi vivido não interfira como um medo ou uma ferida é um processo na maioria das vezes lento - e tantas e tantas vezes impossível.
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Às vezes eu acho que as pessoas não têm noção de como tudo pode ser facilitado. O problema não está nela ou nele, mas no conjunto de coisas que interfere no comportamento de ambos. Nem tudo é reversível, é claro, mas o poder de amenizar não é restrito nem proibido. Se eu ajo de tal modo e faço com que minhas ações sejam invisíveis ou insuficientes não quer dizer que eu não queira tornar melhor o resultado final - só acho que existe falta de boa vontade de outrém. Eu não gosto do senso comum - um pouco por valorizar meu cérebro, um pouco por teimosia. O dia que eu almejar ser igual a todo mundo estarei assinando meu atestado de ninguém. O que eu quero dizer é que existem detalhes que não devem ser interpretados como defeitos por fugirem do padrão. A porta para a liberdade de ir e vir existe - e a única maneira de fechá-la é não vê-la.
Eu estou aqui, como sempre estive. No mesmo lugar, com os tênis na mesma lama e os cadarços com os mesmos nós. Não faz diferença a intensidade do vento: eu nem sei pra onde e se vou. E pouco importa se o dia está ensolarado ou cinzento, pouco importa a ordem dos fatos: o que passou é imutável, irremediável, inesquecível e imperfeito. Perfeito seria se tivesse um fim - mas os fins são para os grandes enredos, para as histórias recheadas de bravos homens e monstros inescrupulosos. E, por enquanto, não vi nem um nem outro por aqui. Eu não sou a donzela em perigo, nem o cavaleiro que vai salvar alguém. Nem ninguém tão previsível e simplório. E, muito mais importante do que a minha identidade, é o sentimento que existe por trás de cada palavra. Mas eu não posso culpar ninguém por tentar mudar a situação, por maior que seja a teimosia. O preço de viver num passado de coisas imperfeitas é se obrigar a aceitar que nem tudo é como se deseja.
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
O'Clock
Ele deixou cair a merda do relógio e ficou me olhando com aquela cara de quem não sabe o que fazer, pensando que ele era um desastrado mesmo, mas que tudo seria melhor se eu não gritasse tanto. Bufei e chutei um pouco de terra pro alto e saí andando campo afora. É sempre chato quando não se tem um lugar aonde ir quando a gente precisa de um. A minha vontade era de pegar as coisas e sair por aí, como a gente vê nos filmes. Só que, como eu disse, isso só dá certo nos filmes.
Eu não queria admitir que o que ele fez foi realmente inocente, mas eu não podia deixar de culpá-lo por ter destruído o meu único elo com, bem, eu simplesmente não tinha como agir com indiferença. Não foram ovos quebrados, nem um vidro de perfume, nem nada que valesse algum dinheiro: era só o meu relógio, o meu relógio. E, agora, nem mais ver o tempo passar eu podia. Era a minha motivação.
Está certo que, às vezes, os ponteiros param e a pilha é trocada, mas isso não muda o fato de que aquele objeto em especial era intocado. Eu sempre o guardava num bolso, próximo ao peito - enrolava a corrente pelo qual estava pendurado o medalhão e mergulhava o pequeno embrulho metálico no bolso. Se você quer saber, ele não fora do meu avô, nem resistiu à Primeira Guerra Mundial, nem nada assim. E talvez não fosse tão bonito mesmo, mas significava muito.
Eu nem deveria falar disso agora. O que importa é que o infeliz do Larry vai choramingar a noite inteira por causa do ocorrido, vai me oferecer seus óculos (iguais aos do Neo) e o que for para não se sentir em dívida comigo. E eu estou pouco ligando. Ok, isso é mentira. A culpa foi dele, toda dele - talvez não totalmente. Ele é um bom amigo e fica nervoso com facilidade. Tipo aqueles idiotas dos filmes, que gaguejam e usam o mesmo corte de cabelo de quando tinham uns seis anos: ele é o perfeito idiota.
O problema todo é que ele não tem vontade própria e é totalmente submisso ao que eu e todo mundo achamos dele. Ser bom em física deveria ter como recompensa alguns benefícios, tipo músculos e garotas. Ou não. Eu sou bom em física e não tenho nada disso, senão um amigo idiota e um relógio quebrado. É até irônico não poder ver o tempo correr nesses momentos de crise. A moral do relógio era essa, só essa. Eu o comprei durante uma fase nebulosa e me fazia bem deitar na cama e ficar seguindo os ponteiros com os olhos, ainda que isso pareça sacal.
Pensei em aceitar os óculos, mas isso não seria justo com o Larry. Oh, Deus, ele é tão idiota. E eu me sinto como ele, idiota, quando falo de uma coisa que eu não acredito. Eu tenho este hábito de falar sozinho também, em voz alta, e já surpreendi muitos desavisados com isso - essa gente que entra no meu quarto achando que é o banheiro e encontra um marmanjo deitado e conversando com as paredes. Eu moro em uma pensão, no último quarto do corredor. A minha maçaneta está estragada, antes que alguém pergunte. Eu fiquei de arrumar, mas isso foi há quatro meses.
A minha mãe me manda dinheiro para o aluguel, para o resto eu me viro. Aquele relógio custou uma puta grana, na verdade, muito mais por ser antigo do que qualquer outra coisa. O vi dentro de uma caixa marrom e pequena, sob uma espécie de cofre de vidro, onde ficavam expostas as jóias da loja. Era uma típica loja de velhos negros que gostam de Jazz e ainda estão à procura de alguma mulher para presentear. Eles são sempre assim aos meus olhos. Não me parece mau... é, nada mau.
A verdade é que, junto com o relógio, se foi todo um lance de memória, afinidade, essas coisas com um quê de afeto que fazem a gente parecer mais meloso do que realmente é. Tipo quando se dá um buquê de rosas para uma garota, desejando que ela, enfim, te receba de portas bem abertas. É uma maneira fácil e indolor de conseguir que ela te veja com bons olhos quando, no fundo, você não só não foi nada original como foi incapaz de realizar a façanha de escrever um cartão com algumas palavras que enfeitassem um pouco a sua mentira.
Eu não sou dessas pessoas que cortam o cabelo para começar uma nova vida, mas eu tenho manias tolas e cadarços que me dão sorte. É idiota falar isso, eu sei - droga, nem o Larry tem essas idéias -, mas eu aposto como existe mesmo troca de energia entre alguém e um objeto de suma importância. É como se aquilo te desse força, tipo um escapulário. E eu que pensava que era o mais cético dos céticos.
E, se eu pensar bem a respeito, concluo que esse apego às coisas se deva a minha falta de apego com as pessoas. Autoanálise não funciona, eu sei, e não é essa a minha intenção. A moral é que eu estou sentado nesse quarto há umas vinte horas e não sei o que fazer e nem o tempo exato que eu gastei escrevendo isso. Eu deito na cama e torno a levantar, eu olho pela janela e vejo a chuva molhar a terra e a grama e todas aquelas plantas que eu não sei nomear. E quem se importa com aquelas plantas - que, por sinal, não são roseiras - ? Parece até que o mundo é feito de cães, humanos e rosas.
O fato é que o Larry é um doente e eu vou demorar até encontrar algo para me entreter. Eu deveria arrumar a maçaneta e deixar de me preocupar com esses hóspedes que não sabem ler placas em portas. Eu deveria, eu deveria, eu deveria tanta coisa... Só não quero aceitar que eu matei o tempo para me dedicar àqueles ponteiros e agora só a corrente está inteira. Que vida desperdiçada, cruzes. De qualquer jeito, eu sempre tive que encontrar algum lugar para chamar de meu. Seria mais fácil começar pelos músculos, pela tática das rosas, pegar a mochila e sair por aí... mas eu não sei a hora certa para agir. Nunca soube.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Sides.
O lado bom da imparcialidade é que, de fato, ela não lhe oferece uma inimizade.
O lado ruim, é óbvio, é a ausência de proteção.
O lado bom de falar sem pensar é uma verdade espontânea - que nem sempre oferecesse seu melhor ângulo.
O lado ruim de pensar e pensar é acabar não falando, ou reprimindo certas emoções.
O lado bom de ousar é manipular sua insegurança.
O lado ruim de tudo isso é que você não pode manipular a confiança que os outros depositam em você.
O lado bom de viver como um desgarrado é poder ter sempre um novo presente para conhecer.
O lado ruim é ter uma história longa, mas recheada de acontecimentos vazios.
O lado bom de pensar nisso tudo é a sensação de aprendizado.
O lado ruim vem do martírio, da nostalgia. E do sentimento de que algumas feridas ainda latejam.
O lado bom de escrever é colocar para fora parte do grito.
O lado ruim é o medo da interpretação e da exposição. Mas, se a folha for arremessada na lixeira, é como se fosse uma memória não vivida e descartada - e, sabe-se, mais cruel do que a lembrança é a sombra da indiferença.
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Manuscrito.
E, assim que a porta bateu, os belos olhos se voltaram para o manuscrito que repousava sobre o travesseiro. Teria o tempo de um banho para vasculhá-lo, encontrar o que queria e devolvê-lo ao seu lugar de origem, com a aparência de intacto. Não seriam poucos minutos o problema, mas o virar ou não de páginas.
Clara era uma jovem bonita, de cuja pele fazia jus ao nome. Podia ter aos seus pés quem quisesse sem muito esforço. Sofia não era muito diferente disso, apesar de gostar menos de exposição. Se conheceram e desenvolveram uma relação incomum de afeto, onde a dependência que uma tinha da outra era constantemente perturbada pela rivalidade.
O tempo de um banho seria suficiente. Mais que o suficiente, pensou. A convivência com a dona das palavras fora útil, uma vez que ficara fácil trapaceá-la depois de ouvi-la falar sobre suas manias mais particulares. O hábito de contar seis dedos de margem e então alinhar o diário ao contorno imaginário fora uma descoberta essencial - um centímetro a mais ou a menos denunciaria uma invasão de privacidade.
Abaixou o volume da música, temendo que os passos fossem abafados. Ajoelhada do lado do rádio, com as mãos sobre os joelhos ossudos, hesitou por mais alguns segundos. Já tinha resistido demais. Engatinhando em direção ao beliche, confirmou com o canto dos olhos que a porta fora bem fechada.
Com dedos trêmulos e magros, acariciou a capa peluciada que embalava aquele recheio de segredos. Pegou o diário com as duas mãos bem firmes, mas não pôde impedir que uma foto escorregasse do meio das folhas. Atrapalhada, resolveu continuar a busca e deixar para depois a solução para o imprevisto.
Letras de música, recortes e rabiscos preenchiam aquelas páginas virgens, que sequer traziam linhas. Notas de trabalhos, medidas de busto, quadril, altura, amostras de cabelo presas com durex. Sofia reconheceu seus fios castanhos entre os demais e sorriu carinhosa e silenciosamente. A alegria e a sensação de bem-estar não demoraram a desaparecer.
Os olhos belos passaram de lacrimosos a perplexos e o nervosismo só não foi maior porque a surpresa, no caso, fora uma confirmação. Não duvidava que Clara fosse capaz de fazer o que fez, só não esperava que fosse verdade - mais ou menos esse filme passava em sua mente. O problema agora não era descobrir o que tinha realmente ocorrido, mas como conviver com uma desconfiança que nascera sem motivos e crescera a ponto de comandar ações.
Fechou o manuscrito com um tapa e ajeitou-o sobre a fronha com tal violência que amassou-a consideravelmente. Alimentar uma ilusão é uma coisa, vê-la sair de seu controle é outra. Não dominava mais a situação no papel de vítima: agora Sofia podia ser tão culpada quanto a amiga. "Amiga".
Não é à toa que Clara se mostrava tão carinhosa... provavelmente era um jeito de se redimir. Seria de melhor praxe mudar o vocabulário para uma direção mais coerente - quem sabe se tentasse argumentar, explicar seus sentimentos? Clara não faria isso. Clara não fez isso.
Uma garota tão racional - a outra tão flexível. Uma de língua afiada, a outra um tanto passiva. Uma de humor negro e cigarro, a outra de gatos e vinhos. Uma de branco no preto, a outra de preto. Só preto. Talvez não combinassem em tudo, talvez nem combinassem no mínimo - o fato é que seus laços eram realmente incompreensíveis para observadores novatos. Nem nós, nem laçarotes: eram laços impecáveis, fortes, simétricos.
Quando a toalha voltou ao quarto, dessa vez molhada, foi atirada na cama com indiferença. Sofia mais uma vez estava sentada no chão, do lado do espelho vertical, com as costas repousando na parede fria e úmida. O rádio do lado, em volume mais alto do que o normal.
Clara agitou os cabelos, de forma a jogar água na garota. Completamente nua, se abaixou para fitar os olhos belos. Levantou-se silenciosa, esticando os braços para o alto e observando seu corpo no espelho. Questionou se tinha engordado, obtendo um não como resposta. Passos para trás e uma coisa grudada no pé direito: entre o indicador e o polegar de Clara estava a foto que caíra do diário.
Assoprou para fora da foto algumas gotas cristalinas e fixou-a num porta-retrato da escrivaninha, esboçando satisfação ao fazê-lo. No fundo, não era o que sentia. Sabia o que tinha acontecido, mas ainda não entendia sua posição quanto a isso. Achava realmente mais fácil ser lida do que ouvida e não esperava reação diferente de Sofia quanto à notícia - embora, em seu íntimo, quisesse acreditar que a garota não tocaria no manuscrito.
Se encararam por alguns segundos, Sofia encostada na parede, abraçando as pernas magras, e Clara sentada na cama, com o tronco pendendo para a frente. Se entendiam completamente, conhecendo a situação em que a outra estava e o que supostamente sentiam. E sentiam como ninguém. A frieza de uma era corrompida pela ingenuidade da outra. Eram como sombra e luz, num jogo de amor e sofrimento. E o manuscrito era só um capítulo à parte.
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
Acetona
O telefone tocou. Uma, duas vezes mais. Ela continuou sentada na poltrona, com o vidrinho de esmalte preto comprimido entre as pernas. Ouviu sua voz dar um aviso à pessoa que estava tentando contatá-la, algo sobre ela não estar disponível e, por favor, deixar um recado e aguardar. Fora uma mensagem infantilmente alegre, uma vez que o som desafinado do violão não fora abafado durante a gravação: nada surpreendente para uma jovem que reúne os amigos no apartamento com certa freqüência.
A camisa de flanela não cobria grande parte de suas coxas - e, ainda assim, a façanha era praticamente impossível levando em conta a posição da garota. As mãos recheadas de anéis prateados ganhavam destaque com a tinta nas unhas. O dia, lá fora, estava mais para domingo: vento, nuvens e menos luz do que o habitual. O clima, dentro da casa, era atemporal: o calendário mais parecia um enfeite, presente de mau gosto - não tinha muita utilidade.
- Natalie, eu sei que você está em casa. Tá, eu sei que você não quer atender, mas... Veja bem, eu estou ligando com a melhor das intenções, você sabe que eu não ligaria se não fosse por algo importante, né? ...Bom, você não vai responder que eu sei, mas eu sei que você está aí ouvindo tudo o que eu estou dizendo...
Ela se levantou, com os dedos esticados, para ir até a cozinha, onde pegaria um copo de água fresca e abriria a geladeira na saída, para olhar o que tinha dentro dela, como se isso fizesse parte de um ritual. Os pés se cruzavam a cada passo dado nas lajotas gélidas de inverno. Correu para a poltrona, com um biscoito amanteigado entre os dentes.
- Você não vai atender mesmo, né? Eu devia ter ouvido a Bonnie... devia mesmo. Tá, não era isso que eu queria te dizer mas, já que eu toquei nesse assunto, eu devo te contar sobre a Bonnie. Ela anda falando cada coisa, cada coisa mais horrível... Eu sei que a sua reputação não é das melhores, ela deixou isso bem claro, mas se ela continuar falando tudo o que ela diz ela também vai ser vista com maus olhos. Pode escrever que vai. Mas... e então? O que você tá fazendo que não pega nesse telefone? Ah, é o Gabu? Ele tá aí contigo?
Os farelos que rondavam a boca foram atirados para longe quando Natalie passou o dorso da mão pelo local, entediada. Tomou um gole de água antes de se esticar em direção a pequena mesa de centro, onde a embalagem de acetona estava. Bocejou ao desenroscar a tampa azul e, em seu lugar, encaixar uma bolinha de algodão colorido. Estava sozinha e sem paciência para o mundo, ainda que o máximo de perigo que esse oferecesse no instante fosse o monólogo de uma conhecida que parecia não ter o que fazer senão criar problemas em relacionamentos praticamente inexistentes.
Antes que pudesse ouvir mais da boca de Lee, apertou um botão qualquer do aparelho, o que fez com que a ligação fosse abortada. Assustou-se ao ver um vizinho, na janela de frente para a sua, e correu para fechar as cortinas. Tudo pareceu mais mórbido e perfeito. Passou a mão pelos cabelos bagunçados e mais uma vez se acomodou na velha poltrona.
- Gabu... - Natalie riu. Agitou o frasco de acetona e pegou o pedaço de algodão encharcado, aproximando-o do nariz. Repetiu o movimento incessantemente e não tardou a fechar os olhos, extasiada. Os telefonemas seguintes, que também não receberam atenção, foram ouvidos silenciosamente apenas por Bonnie que, após acordar e se perguntar onde estava, avistou uma roupa que não lhe parecia estranha na sala. Não entendeu o que fazia a camisa do namorado no corpo da amiga. E nem tentou achar explicação. Tirou o frasco de acetona do colo de Natalie e pôs-se a sentir seu aroma.
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Copos se quebram todos os dias.
Pode até ser que a grandeza de uma pessoa seja reconhecida no modo como ela se levanta, mas essa idéia é manjada demais. Assoar o nariz em público pode dizer muito mais, uma vez que entram em jogo a necessidade e falta de privacidade, o que faz com que o sujeito se reprima de forma a tentar ser o mais breve e silencioso possível, uma vez que os demais não aprovam o gesto geralmente. Ou não. Grande merda também. Quer dizer, eu não entendo esse drama todo. Viva os índios de novo! Não esconder as "vergonhas", como diriam os portugueses, tampouco fazer escândalo de coisas tão cotidianas (tá, eu não tenho base alguma para falar disso, nem tenho saco para continuar).
Essa coisa de grupo, amigos unidos, etc. pode ser muito bonitinha e tudo o mais, porém - andei pensando - e realmente não acho necessária a existência integral desse convívio (? - ok, vocês entenderam). Esta não é exatamente uma promoção da autosuficiência, mas da independência em suas devidas proporções. Minhas palavras não estão me agradando por hoje e eu estou tentando ser o menos fria possível. No fundo, esse emaranhado de sentimentos pode ser ainda resquício de tetos anteriores, onde a idéia do coletivo se chocava com o individual.
Eu gosto de ser sozinha; eu cresci assim. Não que eu queira dar início a um drama, mas eu brincava sozinha e coisas assim, então não é difícil - muito pelo contrário - me ver bem nessa situação. Não se trata de "negar" amigos, mas preferir o meu jeito, o meu mundo, o meu ritmo sem interrupções. Egoísmo em parte, por nem sempre buscar o outro lado da moeda, mas ainda assim um hábito inofensivo. E, do mesmo jeito que isso não é entendido na maioria dos casos, não sou eu quem vai entender aquela vida de profunda alegria, mil estranhos conhecidos em volta, agitação, stress e mundo compartilhado. Sinceramente? Eu vejo tudo isso com desgosto, muito desgosto. Talvez nem tanto. Só não gosto das afirmações de que minha vida é em vão se eu não fizer isso ou aquilo. De novo: grande merda. No mínimo, respeito pelas diferenças. Não resolvendo, todos os golpes de artes marciais que você aprendeu ao longo da vida, seja na tevê ou com alguém, podem ser postos em prática. Ou não.
E eu cansei de repensar atitudes, tentar mudar conceitos, aceitar que "tudo poderia ser melhor se eu me portasse de outra forma". Ao invés de me ensinar a me comprometer, aprenda a não se importar. Não falo de indiferença, mas falta de dependência - ainda mais quando as coisas não são sólidas. Eu sinto falta do que pode me preencher, não do que pode vir a sobrar. Eu preciso de ar, preciso de tempo que alimente a saudade. Preciso do que é original e não me causa chaga sofrer abuso de quem aprecio. Mas está cada vez mais raro o gosto de apreciar...
Aliás, o filme do Coringa foi tipo assim eternizado.
quinta-feira, 22 de maio de 2008
heroína.
Duda regurgitou a comida, vomitou os comprimidos, bebeu tudo que podia beber e passou a manhã indo e voltando do banheiro. Azia e tédio. Pensou em recorrer ao casal gay de amigos que, vez ou outra, faziam o papel dos pais dela, mas a preguiça de se levantar do tapete felpudo e caminhar até o telefone era maior.
Dormiu por cerca de duas horas, a baba escorrendo pelo canto da boca. Era realmente uma garota muito bonita, dessas que, de uma hora pra outra, resolvem tingir o cabelo loiro de laranja e cortar a franja - como se acordassem para a vida ao se encontrar numa foto de revista.
O ringtone psicodélico a fez despertar dos sonhos escrotos, obrigando-a a procurar o celular em meio as folhas de papel vegetal. Plantas e mais plantas de apartamentos luxuosos, desses cujos panfletos são distribuídos nas sinaleiras das capitais, por moças de bonés e calças laranjas que, provavelmente, não foram muito sortudas na vida.
Recebeu uma mensagem de texto anônima, onde uma suposta colega de faculdade afirmava ter visto o namorado de Duda com outra pessoa, numa festa na noite passada. Não fora uma surpresa, afinal qualquer mal-feito é esperado quando um relacionamento não está bem. A confirmação pelos olhos da amiga fez Duda sentar no sofá, tentando se equilibrar e se livrar da tontura. Quanto mais lúcida estivesse melhor: fazer as coisas de modo impulsivo só faz piorar as conseqüências.
Em dois segundos desesperados já estava atracada no telefone, discando a única seqüência numérica que decorara nos últimos cinco anos. Quando informou que queria falar com Lilian ouviu sua voz sair fraca e tremida, o que ligeiramente a deixou envergonhada. Há muito deixara de ser uma boa companhia na visão dos pais da amiga. A bulimia e as constantes vezes em que fez escândalos por motivos insuficientes contavam pontos nessa observação.
Lilian não estava em casa, mas isso não impediu Duda de encontrá-la.
- Pode falar?
- Sempre. Que foi, cara? Tá de porre?
- Não, não é isso, não...
- Hum... Tá, fala rápido.
- Olha só, aquilo que eu te disse do Marcos... A Jô, eu acho, viu o Marcos ontem com uma vadia, cara.
- Vadia? Tá, mas ela viu a...?
- Ah, nem sei. Mas tanto faz, cara... sério, eu nem sei que que eu faço primeiro...
- Hum... mas, olha só, nem faz nada ainda, cara. Ele é um merda total né, nem podia ter feito isso contigo. Não deixa barato, cara... só pensa antes no que tu vai fazer.
- Ai meu, sei lá. Que filho da puta. Tipo assim... vontade de matar os dois, saca?
- Hum? Fala direito, porra. Tu tá falando toda errada.
- Eu quero ver quem é a vadia... e ele vai me dizer que porra é essa que ele tá fazendo, porque eu nunca fiz nada pra ele resolver fazer isso assim... ah, vai dizer, eu sou tri.
- Sim, cara. Eu te amo, cara, nem posso falar nada. Na boa, acaba com ele assim do nada e dá o troco. Nem precisa dizer que tu sabe o que houve e tal... ou sei lá, começa a sair com o Caio, que ele odeia e tal...
- Sim, eu vou ver ele hoje mesmo. E o filho da puta vai ficar sabendo.
- Tá, ele vai dormir aí?
- É né, óbvio.
- Ah, bela vingança então. Na boa, é o melhor que tu tem a fazer... porque ficar chupando dedo ou mostrando que tu se importa também nem eras né... o Marcos é muito otário de fazer isso contigo.
- Isso que eu pensei, cara! Eu não vou ficar chorando por causa dele e tal.
- Ah, meu, vou desligar.
- Tá, depois eu te ligo. E, olha só, se o Marcos falar contigo deixa quieto né, age normalmente...
- Sim, certo. Tchau, beijo.
- Ai, meu, tu é tudo! Beijo.
Lilian colocou o aparelho na borda da piscina, mergulhando em seguida para molhar o cabelo, que havia secado durante a conversa. Sorriso ansioso, entre o sentimento de felicidade e nervosismo. Vendo que o rapaz se aproximava, trazendo um copo em cada mão, ela brindou internamente mais uma conquista: "A Jô, eu acho, viu o Marcos ontem com uma vadia", pensou, rindo da inocência da jovem de cabelos repicados desbotados. Nada como um aparelho de celular cujo número não esteja na agenda do destinatário...
Ele entrou na piscina, indo de encontro às costas de Lilian. Um beijo delicado e uma pergunta: quem ligou? Ela contou sobre Duda, comentou o quão desequilibrada andava a amiga - que acordara meio enjoada e precisava da ajuda dela para resolver uns problemas.
- Tá, eu vou ser sincera: ela quer te pedir desculpas pelas merdas e tal. Eu acho que ela realmente se arrependeu, sabe, ela é meio imatura às vezes, mas é boa pessoa.
- Do nada isso? Ela sempre quer brigar por qualquer coisa, a troco de que ela resolveu que estava errada?
- Ela é orgulhosa, mas ela sabe que estava pegando demais no teu pé, Marcos. Além do mais, ela gosta de ti pra caralho, não ia querer deixar essa distância entre vocês.
- Hum... é, pode ser. Ela já correu atrás antes, né? Pelo menos ela não desconfia de nada.
- Da gente? Não, nunca... E eu falei pra ela mil vezes que tu é um cara legal, que isso e aquilo... Opinião de amiga é o que conta, né? Então, eu cresci com ela, cara, eu sei do que eu tô falando... Ela tá super na tua.
- Ah, sério, tu é foda. Super cretina, mas muito foda.
- Mas, assim, fica comigo aqui e depois que tu me deixar em casa passa lá...
- De noite?
- É, faz uma visita. Não custa nada... e tu ainda se passa por namorado superpreocupado, já que ela andava exagerando na dose, né.
- Sim, eu vou ver se vou lá e tal... mas a gente tem tempo até lá...
O final da história não é necessariamente feliz. Sendo ficção, é ótimo fazer com que tudo dê certo: Marcos resolve aparecer na casa da namorada, encontrando Duda aos beijos com Caio. Ela se sentindo vingada e não exatamente enganada, ele um tanto contrariado com a cena. Ambos pensaram em Lilian como uma heroína, cada um com seus motivos particulares e errôneos: braços abertos o tempo todo parecem ser realmente um privilégio impagável.
quarta-feira, 21 de maio de 2008
Olhar Crítico
Eu não sei o que se passa: pensei que talvez fosse a falta de um espelho, mas eu me conheço bem o bastante, reconheço os meus defeitos. Sem cerimônia. Acontece que eu não gosto quando algo ou alguém tira de mim (a exclusividade de) algumas ações (ou funções). Quer dizer, não era essa a minha idéia inicial dos fatos... Se eu não gosto de uma determinada característica de um amigo meu eu não vou ficar feliz em ter isso como semelhança entre eu e um estranho qualquer. É quase como se eu tivesse o direito de não gostar, mas o dever de proteger quem está do meu lado (?). Esse foi meu primeiro pensamento. Depois, horas depois, sabendo que talvez soasse meio falso o primeiro, pensei numa segunda justificativa: é bom ter inimigos íntimos (seja lá o que isso quer dizer - me pareceu tão interessante, huhu...). A velha história de que não existe felicidade em duelar com uma pessoa fraca - tá, se existe mais de um predador pra mesma presa a moral da história passa a ser a estratégia, onde não se tira um olho da presa, mas se colocam os dois sobre o oponente (?). Ok, acordei falando grego.
Ah, eu fico de mau-humor por qualquer coisa. E, principalmente em dias 'cinzas', a tendência é não só observar as pessoas com o intuito de decifrá-las, mas algo do tipo "vou te desmascarar, magrão" - e nisso se enumeram uma série de defeitos sobre o pobre tio que cruzou comigo na rua, por exemplo. É nojento mesmo, eu reconheço. E eu não faço isso como uma alternativa de inflar o ego, a partir do momento em que eu reconheço pontos negativos nos outros. Eu prefiro pensar que eu apenas falo o que muita gente deixa quieto. No fundo, metade das coisas não feitas ou não ditas são por medo de repreensões bobas, do tipo "nossa, que feio o que você disse/fez, Fulaninho".
terça-feira, 13 de maio de 2008
Tópico dos Tópicos
Olá.
Eu estou estudando. Estudando, estudando, estudando. Não, não é tanto quanto parece: eu também durmo, como, tomo banho, tenho tarefas domésticas, tenho que me locomover até o cursinho para assistir aulas (eu sei que é óbvio, mas eu queria acrescentar coisas), até o estúdio de dança do ventre (onde, bem... eu danço - háá, te peguei nessa, ein!), até o curso de inglês, até algum lugar mais que eu resolva ir fazer alguma coisa. Sim, eu tenho orkut e flog, eu vejo pessoas, eu converso com elas, eu me preocupo igualmente.
Eu falo isso porque, para alguns, parece que eu sumi do mapa, fugi pro Afeganistão, sei lá. É da minha natureza ficar quieta, esquecer de levantar a bandeira branca, essas coisas... quer dizer, o tempo passa e, aparentemente, eu sigo na minha inércia. Eu realmente não devo parecer interessante (momento 'me elogiem por favor', sabe?), mas acontece que não existe muita magia em fazer as coisas nesse ritmo rápido que a maioria adora. Não, eu ainda não me transformei num Garfield, apenas acredito que eu deva me portar como me sinto bem.
Eu vou repetir uma série de coisas que, deve ser chato, eu já disse umas quantas vezes - se não foi por aqui, foi ao vivo: desde a história do não procurar pessoas até, quem sabe, aquele papinho (gírias de tiozinho) sobre relacionamentos. Começando pelo tópico do telefone...
* Tópico do Telefone:
Eu gosto de ter o número do celular das pessoas para ligar para elas, sabendo que quem vai atender vai ser uma voz felizmente reconhecível e não um estranho com uma voz bizarra que, com certeza, pensa o mesmo de mim. Raramente ligo para a casa das pessoas, ou melhor: eu raramente ligo. Não que eu não goste de longas conversas do outro lado da linha, mas eu perdi o hábito e já não sei mais conversar assim como antes. Quer dizer, existe um pouco de apreensão também, porque eu nunca sei quando o outro vai ter que desligar. A conta do telefone agradece.
* Tópico do "Eu te amo":
Não, eu não sou efusiva. E existe aquilo de - comunidade do orkut - "não mostrar não é sinônimo de não sentir", não com essas palavras. (Pausa para o 'Tópico do Sinônimo')
* Tópico do Sinônimo:
Eu adoro dizer sinônimo, desde que eu aprendi o que isso significava. Provavelmente, 88% (oitooo!!!) dos meus textos contêm essa ilustre palavra. Eu não vou abrir um outro tópico para dizer que eu adoro inventar estatísticas e não fiz nenhuma faculdade para isso, o que não quer dizer que eu esteja errada...
* Tópico do "Eu te amo" (2):
Eu sou toda dramática e essas coisas, amigos próximos convivem bem com isso (não que os demais não convivam bem - eles simplesmente não convivem, hãhã). Para mim é realmente diferente o significado de vocábulos como 'amar' e 'gostar' (momento brega), então não confunda o que eu digo e não teremos problemas (eu adoro esse tipo de coisa que a gente fala e se sente um xerife de filme). Não é um hábito elogiar pessoas ou querer o bem delas, nem novidade nenhuma que eu prefiro esse tipo de declaração ao vivo e a cores - ou num pedaço de papel, não necessariamente expresso em letras. Tá, eu tentei expressar que imagens podem valer mais ou tanto quanto palavras, mas não fui muito feliz e, de repente, ficou meio 'materialista' - o que não é a intenção.
* Tópico do Outono:
De repente, é minha estação favorita. Fica frio, existem folhas lindas no chão e, enfim, eu acho realmente poético. (Primavera me irrita, Verão nem se fala...) Eu gosto de dias em cinza e sépia. E cachecóis.
* Tópico das Discussões Musicais:
Me deixe constrangida falando de artistas que eu não conheço e são sucessos mundiais. Eu só não sei falar muito sobre - porque eu escuto coisas aleatórias, não tenho nem idéia de quem são ou foram os cantores, tenho poucos álbuns completos e, por sinal, não sei muitas letras decoradas. Cifras então... Mas eu aceito alegremente sugestões e me arrisco a sugerir também.
* Tópico da Confiança:
Hahaha. Eu confio em quem eu acredito que confia em mim e me respeita. Acredito que todos têm uma pirâmide e comigo não é diferente. Sou uma pessoa de poucos e bons, como todo mundo acredita ser...
* Tópico da Impaciência:
Gente polar demais me irrita, gente neutra exageradamente também. Mas nada como um "já acordo sorrindo, vida loka e fé em deus" para acabar com meu bom-humor.
* Tópico da Independência:
Eu sei que eu dependo dos meus pais e essa coisa toda. Até por isso prefiro me comportar como a filha mais certinha ou algo que o valha, não me acho no direito de agir como uma inconseqüente enquanto não sou capaz de responder (sozinha) por isso.
* Tópico da Distância:
Adoro. Acho extremamente necessária para acalmar o enjôo entre as pessoas, preservar a nobre saudade (que revela quem é importante ou não), deixar o indivíduo respirar, pensar, viver do jeito que é, sozinho.
* Tópico do "Não procuro ninguém":
Eu estou há mil anos planejando falar com pessoas que há tempos não vejo. Posso estar numa posição confortável esperando um alô delas ao invés de tentar ao menos fazer um sinal com fumaça, sei lá. Mas eu compreendo o porquê de eu ser assim e não acho que eu saiba explicar de uma maneira que quem lê entenda (é claro que eu estou tentando mostrar um lado positivo de mim ao dizer essas coisas todas, não imagine que eu estou muito feliz aqui digitando sobre o que consideram meus defeitos). Já tentei ser mais acessível, dar um oi mesmo não estando muito inspirada, mas eu odeio esse tipo de coisa. Ou as coisas são espontâneas ou não são: eu não saio do meu conforto para viver mentiras, francamente.
* Tópico da Pressão/Cobrança:
Eu me orgulho muito - mas muito - de não ter pressionado ninguém (se aparecerem respostas contrárias a isso, peço o exame de DNA - ?). Eu detesto que me cobrem alguma coisa, detesto. Qualquer coisa feita por obrigação sai mal feita, porque a pessoa não está nem um pouco afim de fazer e acaba pouco se importando com o resultado final. Não tenho intenção de dar nenhuma indireta com esse texto (vou repetir isso no final, para reforçar). Acho o cúmulo exigir atenção e essas coisas, sejam elas carinho (?) ou demonstrações de afeto ou consideração de qualquer espécie. Até por isso tenho minhas dúvidas quanto a existência da verdadeira generosidade (você sempre espera algo em troca)...
* Tópico das Caveiras da Short Fuse:
Não, eu não aprecio Dark Cute Style: ou tu é tr00 ou tu é bixa, mas caveiras com lacinhos rosas e afins não me agradam. E manda a Hello Kitty pro céu, não pro inferno ganhar chifrinhos - como em camisetas. (Han han)
* Tópico de "Os homens são todos iguais":
Eu estou longe de ser feminista, longe também desse padrão de pensamento de garotas em bando. Ok, eu desenvolvo um assunto sobre isso outra hora... só quis dizer que estou longe de analisar todos genericamente.
* Tópico das Traições:
Eu sigo acreditando que trair em pensamento é pior do que o ato físico, que todos são movidos por razões - ainda que isso pareça desproporcional, que cada caso é um caso e que as merdas entre duas pessoas são resultantes da interação delas e seus problemas (ou seja, se são duas cabeças pensantes a culpa não é de uma só, se é que existe culpa).
* Tópico das Camisinhas:
Providenciarei um abaixo-assinado ao governo do estado implorando para que as camisinhas encontradas na Redenção sejam revertidas em fundos para alguma coisa produtiva - aquilo lá tá um nojo.
* Tópico do Miguxês:
Eu falo português e espero reciprocidade.
* Tópico do Moletom:
As pessoas ficam tão bonitas e gordinhas e quentinhas com eles, que são tão confortáveis. Aiai, adoro!
* Tópico da Sinceridade:
Quando me perguntam uma coisa ou, enfim, eu falo, eu sou sincera - fazer o contrário seria, inclusive, perda de tempo. Então eu não gosto que insistam em se aprofundar nisso numa tentativa de colher provas contra mim, seja lá o que isso quer dizer. Eu já falei algo a respeito, talvez contraditório, sobre esconder certas coisas que eu sei que não serão compreendidas.
* Tópico das "Indiretas":
Eu estou muito satisfeita, não estou trovando ninguém - até porque eu não costumo fazer isso. Portanto, não quero ter que usar a velha frase banana "sou legal, não estou te dando mole". Se eu falo demais ou faço parecer alguma coisa é um ponto de vista, que por sinal eu não compartilho. E eu não acredito num relacionamento a três (ou mais) quando o afeto só acontece entre dois. Sim, eu resolvi escrever e me irritei na metade do caminho, então estou me comunicando de forma grosseira.
Enfim. Depois eu posto algo decente, tenho que estudar. Isso não foi uma indireta para ninguém (falar isso já é uma contradição, mas tudo bem...). Eu apaguei o que estava escrevendo antes, talvez seguisse pela linha cômica e não me deixasse de mau-humor. Mas a culpa é minha e do carro de amaciante que tá dando voltas na quadra há umas vinte horas.
segunda-feira, 5 de maio de 2008
Lobo
- Eu te odeio! ...Eu quero entender porque você sempre faz isso, sempre!
- Isso o quê?
- Você me afoga, me afoga e depois me salva. Então, sorri para mim, como se eu tivesse obrigação de estar satisfeito.
- Eu não entendo do que você reclama. Você pede ajuda e eu nunca me nego a ajudar.
- Você se oferece, é assim que você consegue as coisas. Se oferece em doses, se oferece até se tornar rara. E, então, eu não te encontro mais... em lugar algum.
- Nesses dias nem eu mesma me encontro. Você sabe disso, sempre soube.
- Eu não sei mais o que pensar. Se eu estou bem, você me deixa tão mal. E me faz tão bem ao mesmo tempo.
- Eu não tenho culpa de você sentir as coisas desse seu jeito estranho. Tudo o que eu posso fazer é não fazê-lo sentir, sumir por aí até que as coisas se resolvam.
- Fugir. Você não percebe que é o que sempre faz? Você foge, foge correndo até um porto que lhe pareça seguro. Desaparece como um navio no mar e, depois que eu já me acostumei com toda a dor da sua ausência, você volta e começa tudo de novo.
- O que você espera de mim? Se eu não gosto de você tanto quanto você espera, o que eu tenho que fazer? Eu já tentei de tudo, eu só quero viver a minha vida.
- Longe ou perto de mim?
- Com distância suficiente.
- Suficiente?
- Eu não gosto de saber que você sente minha falta, mas é perda de tempo eu ficar te anestesiando com minhas mentiras disfarçadas. Palavras são como pílulas: podem se tornar um vício, escassas, podem te curar em minutos, podem te enganar também.
- Às vezes eu gostaria de não te entender, minha querida.
- Tanto faz, você nunca entende. Apenas acha que o faz.
- Porque você diz isso?
- Porque você é um tolo. Desses tolos apaixonados de filme, que idolatram tudo o que eu falo sem perceber a maldade que existe por trás. Eu te quero bem, mas não te quero. Você finge para si mesmo que entende, porque não suporta o pensamento de que você está sozinho no mundo e a única pessoa por quem você...
- Você não é a única. Nunca foi.
- 17:51. Está anoitecendo. Então, é agora que você levanta o rosto e resolve se mostrar indiferente?
- Você é fria, é fria porque é nojenta. É egoísta, é cega, é imoral.
- Eu não preciso de moral.
- Você diz isso porque não sabe o valor de um olhar sincero. Sempre mentiu por diversão.
- Não, eu não me divirto com essas besteiras. Sinceramente, você me dá pena.
- Vai embora agora? Fugir como você sempre faz?
- Qualquer passo para longe é sinônimo de fugir, pra você?
- Foi tudo o que eu aprendi.
- Ok. Chega. Não vamos nos desviar do assunto inicial...
- Você estava dizendo que as pessoas precisam de relações falsas para se sentirem...
- ...se sentirem completas. Elas sabem que estão em um ninho de cobras, que ninguém dali se importa realmente, mas elas precisam dessa afirmação de que número é qualidade.
- Tá, então você disse que confia mesmo em duas pessoas...
- Três.
- E a sua lista de nomes?
- É uma lista de nomes, ora. São palavras, não pessoas. Você ouviu o que eu disse sobre as pílulas.
- Ok, entendi. E você, nessa vida de andarilho, não sente falta das coisas que passaram?
- As coisas passam, passam o tempo todo. Eu estou tentando me desfazer das memórias que eu não gosto, como todos geralmente fazem, mas eu não sou boa nisso.
- Você é boa em fazer os outros esquecerem. Talvez exista alguém que te faça esquecer também.
- Mas, sabe, esquecer é um crime. É como se eu apagasse parte de mim, como se eu não tivesse vivido realmente o tempo que eu esqueci.
- Você não vai lembrar que ele existiu.
- Mas ele existiu. Os meus olhos viram. Eu não posso esquecer algo que é só meu, que ninguém tem igual. É tão precioso...
- Você vem e vai e você é esquecida. Faça o mesmo com os outros. Esperei ouvir isso de você.
- Não, não, nunca. Eu gosto de pensar que eu superei. Seria fraca se não enfrentasse tudo de frente.
- Atitudes nobres não servem de armadura. Seu peito parece apedrejado.
- E o que entende você disso? Você que chora por uma pessoa que sequer...
- Eu não preciso que você goste de mim para eu existir.
- E todo o drama de cair e levantar, o que foi aquilo?
- Eu estou dizendo que eu sei que você vai me salvar. Vai passar a vida me chutando, mas vai me curar também. Só que eu não tenho poderes, não tenho nada que consiga vencer essa sua barreira gelada.
- Você fala dela, mas eu a desconheço. Para mim, as pessoas são todas insuficientes, só isso.
- O que não te deixa triste te irrita. Isso é errado.
- Não é errado! Eu fico entendiada com o que não me traz emoção.
- Você fala em aproveitar, fala das coisas pequenas, dos sabores e dos defeitos e esquece que você também é feita disso.
- Eu sei falar das coisas que eu gosto.
- Se concentra no que você é.
- Eu não tenho que ouvir uma pessoa que está abaixo de mim.
- Então agora eu estou abaixo?
- Você está atirado aos meus pés, como sempre. Você está cego pela imagem que você idealiza de mim. Eu não sou a cereja do bolo, eu fujo porque não sinto sua falta. Eu volto porque gosto que você dependa de mim.
- Acabou?
- Não. Eu não sei qual é a minha motivação. E a partir do momento que eu for embora de vez você também não vai saber.
- Ah, como eu gostaria de não te entender... Porque você acha que eu quero tanto te fazer ficar?
- Achei que você precisasse de mim.
- Você precisa que alguém precise de você. É isso que te faz ficar. Você se prende nessas memórias todas, com medo de ser esquecida como você é incapaz de fazer. Você é deprimente porque você não foge disso, não busca o real sentido, apenas se conforta com as lamentações passadas. Você tem medo de mudar e...
- ...ser esquecida. Pelo menos você eu sei que não vai me esquecer.
- Mas eu estou ficando enjoado! Foi por isso que te chamei aqui, para dizer que o amor que eu sentia está se transformando em cinzas.
- Você está me deixando.
- Não.
- Você vai fugir, vai fugir! Você encontrou o que queria, você sugou de mim o que precisava e agora está fugindo com as minhas coisas!
- Eu vou ficar do seu lado até minha doença passar. Não quero te fazer sofrer o que eu sofro.
- Você me enganou. Disse que estava fraco esse tempo todo e agora me faz precisar das suas pílulas.
- Eu não vou te sufocar de novo. Estaremos suficientemente longe um do outro.
- O que eu faço? Você me deixou no chão, me ensinou a ser transparente e agora me violenta por eu não saber me esconder.
- Não é verdade, minha querida. Não é verdade.
- Você contou para alguém? Disse o que eu fiz?
- Eu sou impulsivo, você sabe... mas não há possibilidade disso se espalhar por aí.
- Você é bobinho, é claro que a minha máscara caiu. Você confia nas pessoas desconfiando e não sabe esconder isso. Logo, elas sentem o cheiro do perigo, da desconfiança e acham que você é perigoso, que não podem confiar em você.
- Eu não sou assim com todo mundo. E nem todos têm teus olhos de gavião.
- Eu deveria correr. Você me faz mal, eu deveria fugir de você.
- Você sequer pertence a mim. Não há o que temer, você ainda é uma mentirosa. Eu não acredito no seu drama, minha querida.
- É claro que não, você é cego. Tão cego que precisa de mim até os ossos. Eu poderia roubar seu dinheiro, te abandonar sangrando na estrada e você ainda se lembraria de mim com um sorriso doce nos lábios.
- E ainda não se sente amada?
- Não. Porque não é natural. Você gosta de mim porque eu quero que goste.
- Sua última tentativa de se tornar insuportável foi um fracasso.
- Qual o meu problema afinal?
- Eu já te disse: você não tem rumo. E vai continuar dando rodeios até que seus tropeços lhe ensinem a caminhar.
- Você fala bonito, mas sai tudo da boca pra fora.
- Talvez você seja incapaz de entender as pessoas. Agora me ocorreu essa idéia... de que você só escuta, escuta animada porque é incapaz de ver as coisas da mesma maneira, de viver no mesmo mundo.
- E se for verdade? E se tudo que eu quisesse era não me sentir um marca-texto entre as canetas esferográficas?
- Eu não te acho nada convicente. Achei que gostasse de ser o centro das atenções.
- Eu queria alguém como eu.
- Você não confiaria totalmente nessa pessoa.
- Nem ela em mim. Estaríamos quites.
- Você deve se desprender das coisas que a marcaram, para que novas tenham chance de te preencher.
- E se eu sentir vontade de fugir no meio do caminho?
- Vá. Mas sem culpa.