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domingo, 20 de dezembro de 2009

Brothers on a hotel bed .mp3

O que eu fiquei de fazer - escrevi no último post - em uma semana foi impiedosamente deixado de lado. Eu quero dizer que não cumpri o prazo, só isso. Lá vou eu renovar meus pedidos de desculpa... Nossa, a última semana foi tão corrida e sufocante. Acabou comigo, mas anunciou o início das férias. E férias assim eu não tenho há tanto tanto tempo... Férias sem pensar em vestibular, férias sem o medo do ano seguinte, férias simplesmente com o sabor de férias. E eu andei pensando em tanta coisa. Eu odeio o Natal, odeio. Não suporto o clima de fim de ano que faz todo mundo agir como se guardasse todo o amor do mundo para essa época - e é realmente o que se faz: quem é generoso em meados de maio ou junho? Não importa... Natal é Papai Noel, presentes e prestações pro ano seguinte. Fato. Não acho graça. Eu não acho lindo o Dia dos Namorados também. E só gosto da Páscoa porque ganho chocolate. Haha. Tipo que eu devo afirmar isso aqui todo o ano, e cada vez devo parecer mais grotesca. Bah, eu tenho me encantado constantemente com a diversidade de personalidades que eu conheci esse ano. Eu conheço as pessoas, guardo uma primeira impressão delas, convivo e então crio minhas expectativas. E me diverti conhecendo gente nova, me supreendendo com velhos amigos, e adoro essa coisa de errar e acertar que envolve as relações. O que ferra com tudo é o orgulho, a falta de sensibilidade com o outro: erros são espontâneos, acontecem porque é assim que deve ser. E se aprende com eles. Pronto, a vida é bela! Sei lá, eu acho engraçadas as motivações das pessoas para fazer as coisas. Tipo escolher uma profissão ou algo assim. E acho curioso como algumas crenças da pessoa parecem se chocar com a filosofia da profissão escolhida. Isso é só um teto que eu venho observando desde os últimos anos da escola... Eu tinha curiosidade de conhecer duas pessoas da faculdade desde o primeiro dia de aula. Depois de dois semestres, acho irônico como uma delas se tornou insuportável e, a outra, muito querida. Outras surpresas também aconteceram - a gente sempre pensa que, no fundo, tudo é bom porque a gente cresce com isso. Não vou dizer que não concordo com isso, apenas declarar o quanto eu fico admirada com o julgamento que fazem de mim. Muitas pessoas criam uma sensação de poder perante o que acreditam ser estratégias frustradas alheias. Ou erros, fracassos, whatever. Acho tudo válido quando se mantém em silêncio - não entendo, porém, aqueles que me cobram "respeito" ou atribuem a mim uma série de qualidades equivocadas. Como se eu tivesse que ser necessariamente "hipócrita" por agir de uma forma ou outra... lamentável. Se existe o desejo de uma resposta, que seja feita a pergunta de uma vez - acusações para quê? Para quem? Enfim, acho tenso. E eu acho funny como o machismo atua em certas situações... por que as garotas devem chorar, não podem erguer a cabeça? Claro, isso já soa como bobagem para muita gente. Mas ainda há quem pense assim (e estão soltos, oh céus!). Outro dia eu estava no shopping, comendo massa e pensando na vida: coisas egoístas de se fazer em fim de semana, quando as pessoas passeiam com bandejas procurando lugar para se sentarem. Eis que a lady que estava comigo reclamou que eu estava apoiando a cabeça na mão que segurava o garfo, e ficou uma cena esquisita ("oi, tem um garfo saindo da minha cabeça"). "Ivy, o que os outros vão pensar? Isso é feio." Sabe... realmente. O que os outros pensariam? Eu me pergunto que porra os outros iam pensar se me vissem ali com o garfo tão perto da minha bochecha direita. São respostas que a vida não vai te dar, que você terá de buscar sozinho, entende? Eu acho extremamente desprezível esse pensamento. Eu li uma crônica sobre isso uma vez, em que uma mulher com uma criança, na fila de um banco, desaprova o comportamento do gurizinho e olha para a moça da frente dizendo "o que a moça vai pensar?". E a moça se vira e diz "não vou pensar nada.". Não parece muito emocionante a historinha, mas eu acho genial. E isso me lembra como muitos pais buscam educar os filhos mais velhos incentivando-os a darem "bons exemplos" aos menores. Ninguém tem obrigação de dar bom exemplo, ninguém. Eu sou uma desgraçada que gosta de reparar na cara de todo mundo, na bainha da calça - que o cara fez com o grampeador -, nos pés inquietos das pessoas das salas de espera... mas 'e aí?', grande merda! E acho que todo mundo deveria pensar "grande merda" também. Penso que isso diminuiria também certos preconceitos e as tentativas toscas de chamar a atenção que alguns indivíduos têm. E ninguém perderia nada com isso, pelo contrário. Isso me lembra quando eu vou comer comida chinesa sozinha. Eu uso hashis (pauzinhos e tal). Hoje, eu sou uma pessoa feliz em usá-los, mas é óbvio que não foi sempre assim. E eu acho engraçado como as pessoas-com-garfo olham para as pessoas-com-hashi. Fiquei com preguiça de comentar toda a interação... mas é impagável. E lembra um pouco o ambiente pré-show de dança do ventre. Eu já conheço bastante gente do estúdio onde eu tenho aulas, então quando todas as alunas se encontram fica fácil reconhecer quem é iniciante ou enfim. E eu ouvi de várias ladies como é realmente aparente a hierarquia que existe, alimentada pelas pessoas que entraram há pouco tempo e acreditam que conforme o tempo tua barriga diminui e teu ego infla. Pode acontecer, mas não é o que geralmente acontece... nem um nem outro. Bastidores, nessas situações, são coisas tão positivas: mil mulheres trocando elogios, maquiagem, falando porcaria e se achando bonitas. Enfim, é algo bom e saudável (redundante?!). Ainda na linha "o que os outros vão pensar", fiquei pensando em situações inesperadas, tipo cruzar na rua com alguém que está chorando. Não lembro da última vez em que estive nessa situação, mas há pouco tempo me acometi de um sentimento blé e emo e fiquei mostrando lagriminhas em público. Haha. Tipo que eu estava na parada de ônibus e as pessoas recuavam uns passos e ficavam me observando. Achei aquilo engraçado. Depois, na lotação, as pessoas olhavam para o banco vazio no meu lado e vinham correndo sentar, daí do nada resolviam que o melhor lugar era aquele lá do fundão. Não que eu pense que tenha movido o mundo com isso, mas achei realmente tetiante. Gurias chorando, em especial, são cenas perturbadoras. Irritantes, às vezes, principalmente quando são contínuas... mas, enfim, perturbam mesmo. Acho que isso se relaciona com o leque de infinitas e aleatórias possibilidades de razões. Garotas são confusas. Mesmo. Não vi muitos homens chorando, mas pelo menos os motivos deles parecem mais "certos" (definidos). A tristeza deles parece mais razoável. Mudando totalmente o rumo do assunto... nossa, eu me sinto tão Ivy! Tão Ivy. Adoravelmente imperfeita e feliz e zaz. Realmente, o importante é a gente se reconhecer. Se reconhecer e ser capaz de assumir nossas ações. Pronto. Aprovação é um assunto limitante. Você gosta dos seus amigos do jeito que eles são, e nem sempre o jeito se mantém. E nem assim o afeto vai embora. Eu gosto da certeza das amizades, realmente gosto. É o que me faz admirar mais esse tipo de relacionamento do que algum dito "mais sério". Claro que o envolvimento é diferente, mas ah... puxa, eu detesto a classificação toda. Eu não "fico por ficar", como diria alguma revista feminina para adolescentes bregas. Eu fico perto de quem eu gosto, pra mim funciona desse jeito. E é essa proximidade que justifica tudo, não um status diferente no orkut ou um anel no dedo. Que se explodam os anéis e toda essa simbologia, se a moral de tudo é acabar com um contrato de amor eterno. Eu não prometo nada a ninguém, não sei quem vou amar amanhã e nem quero saber. E que bom seria se todos fossem livres e desprendidos. Acho tão puro e tão bonito o 'medinho' de perder. Constância é tão não-afrodisíaco. E eu gosto de poder ser eu: vestir o que eu quiser, falar a merda que eu quiser, cantar como eu quiser. Meus amigos me respeitam, acharia engraçado que alguém com a pretensão de superá-los não fosse capaz disso. Enfim. Em poucos dias, será Natal e chega 2010 e toda aquela baboseira de que tudo será diferente. Eu sempre faço um post-de-fim-de-ano reclamando sobre como isso é clichê e não pretendo mudar a rotina dessa vez. Abaninhos para vocês, tá muito calor para dar abraço!





Vontade de postar mil músicas aqui, mas isso seria bananice. Acho que vou voltar a criar "Top 5's". E ainda tenho que colocar tags nos posts antigos, oh meu deus!


terça-feira, 15 de setembro de 2009

Fat'bottomed Girl

"Sexo verbal não faz meu estilo
Palavras são erros e os erros são seus
Não quero lembrar que eu erro também

Um dia pretendo tentar descobrir
Porque é mais forte quem sabe mentir
Não quero lembrar que eu minto também"


Esse trecho de "Eu sei" tocou em boa hora: estava conversando e refletindo sobre o ser humano - o ato propriamente dito. Ok, não exatamente tão vago assim... O assunto é mais direcionado para situações "dolorosas". Sim, vale a idéia de que o sofrimento é opcional (a velha história) - transformar o luto em melancolia é só para os artistas... Tenho um amigo um tanto Shakesperiano, e (sei lá se ele sabe disso) sinto um superorgulho da atitude (um tanto romântica) dele de mostrar suas fraquezas, pedir auxílio e, enfim, não bancar o machão insensível. Não pretendo dar início a um discurso do gênero "mulheres gostam de caras sensíveis", a idéia não é nem de longe essa. E nem sei se gostam ou não. Pouco importa. Ele está mais maduro, menos dramático talvez. E anestesiado (eu gosto dessa idéia). Depois de um tempo, independente do aprendizado que adquirimos e da freqüência das decepções, acredito que vamos nos acostumando com os fatos e sentindo-os menos a cada vez que se repetem. Não é que sejamos tolos a ponto de deixarmos tudo acontecer do mesmo jeito, não é mesmo. Cada caso é único. Enfim, só queria dizer que acho bonita a verdade, acho que as lágrimas são dignas - foda-se se o responsável por elas merece ou não. Foda-se. Umas das coisas mais admiráveis pra mim é justamente a grandeza de cair e levantar. No palco, na vida, anywhere. Eu falei sobre isso aleatoriamente. Não me identifico com essa situação. Na verdade, fiquei pensando que eu adoro (mesmo) relacionar amigos com personagens equivalentes [?]. Até hoje, acho que só fiz isso com dois. Lestat/Louis e Arthur. Ok, o primeiro exemplo ficou meio infeliz. Mas eu gosto dos dois, acho que se completam. E o Arthur, ah... Nossa, sou apaixonada pelo Rei Arthur. Arthur, Morgana, Merlin, Vivian, blablablá... Quanto ao Holden Caulfield, sei lá... eu sou ele, é meio arriscado desejá-lo na minha frente. Fora que ele é um tanto cinza. Mas um tanto cinza mesmo. Tem dias que nem eu me agüento. Mas , enfim, o Holden é eterno. Eterno. Por falar nele, hoje eu vi a terceira edição (terceira!) do Apanhador em cima de uma mesa e, ai, babei. Bons livros quando são velhos são tão mais atraentes. Ai ai. Nossa, estou muito emocionada com as aulas. Tipo muito mesmo. Aquilo de chegar em casa exausta e ir correndo ver o que tem pra fazer. Nesse domingo, bizarramente eu senti falta de ir pra UFCSPA. Senti falta das pessoas, dos comentários, das risadas. Às vezes, é verdade aquilo que dizem sobre uma janela se fechar e uma porta se abrir. Sou meio teimosa, mas procuro manter a cabeça aberta. Sei lá, eu sou boazinha. Não do tipo padrão, é claro: eu invento apelidos e sou um tanto cretina mesmo. Mas sou boazinha. Acho interessante o diálogo, necessário ceder, fundamental respeitar. Não é uma boa idéia do destino me fazer pensar que minhas primeiras impressões, meus primeiros julgamentos, estão certos: mas é delicioso poder pensar que minha intuição é generosa comigo. Ok, essa frase ficou estranha. Sei que ando falando com gente diferente, que tem me surpreendido litros. E tem sido ótimo. Cada vez mais eu me acho meio esquisita por ser a saiazinha entre as bermudinhas [?], mas, no fundo, é o que me faz bem. Acho que os caras te mantêm no lugar, gurias te puxam pra lá e pra cá. Ah, não quero explicar isso. De qualquer modo, sou aberta. Gosto de cuidar dos meus amigos, gosto mesmo. E tem sido um ótimo período pra isso. E eu estou parando de roer unhas do nada. E comendo menos chocolate (mas isso aí não reflete exatamente a minha vontade...). Eu acho engraçado quando sofro com essas mulherzites do tipo se identificar profundamente com "Bette, a feia". É tão fácil conhecer o inferno às vezes. Enfim. Ui, achei muito profundo e exagerado o que eu disse. Eu queria ficar falando sobre qualquer coisa, mas foi inevitável falar de mim. Acho que estou bem. Não tenho certeza, depende do momento. Depende de o quanto eu estou disposta a refletir sobre minhas atitudes de uma maneira justa para mim e todo mundo. Eu sou trouxa, sou trouxa o bastante para me ferrar no lugar dos outros. Mas é puro egoísmo isso, puro egoísmo segundo a filosofia. Infeliz como parece que eu estou propaganda de "Ivy, a coitada"... Nem é isso. Sabe, ainda que eu me ferre, eu faço o que me faz bem. Se eu achar válido me ferrar, eu me ferro. E acho que ultimamente eu estive suportando muitos problemas que não eram meus - não estou tão disposta a me sujeitar a certas situações. Continuo sendo uma "pessoa substituta", do tipo que quer te deixar bem a todo custo. E continuo me identificando com a Clementine, mesmo que não deseje a história dela. E, antes de tudo, continuo exercendo meu papel de "pessoa-que-espera". Só que eu cansei por ora, só isso. Festas animadas, com gente esquisita e gente linda, têm me alegrado, me feito pensar. Mais do que nunca, tenho adorado ser a dona da casa e a dona da minha vida. O final foi só pra fechar com estilo, porque a preguiça de escrever mais bateu. São 04:18 no relógio. E, sei lá, não estou "blé". Me disseram que pareço mais insensível e estou mais fechada. Talvez. Creio que sim. Mas continuo sendo eu, seja lá o que isso signifique. Estranha necessidade de ser abraçada em conflito com a vontade de evitar qualquer contato. Ok, não necessariamente qualquer contato. Mas odeio os nordestinos e analfabetos que surgem no msn. De novo não é um bom "final". Ok, acho que fica mais bonitinho se eu disser que estou com vontade de caminhar por aí e falar merda em boa companhia, comendo balas de gelatina ou qualquer coisa que me faça pensar que minha barriguinha é de felicidade [?]. Ou não. Beijo pro meu pai, pra minha mãe, e pra você!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

WaitingPeople

E se eu me apaixonar pelo Inverno, pelo frio do Inverno? Terei de esperar por ele durante as outras estações... E sentirei saudade, sofrerei com isso: a mais leve brisa trará a lembrança do frio. Terei de aprender a conviver com o calor, com a luz, com as cores - com todas as mudanças de cheiros, pessoas e lugares. Mas esperarei. Esperarei pelo Inverno, esperarei por ele: verei as árvores se encherem de flores e frutos e, num segundo instante, recolherei algumas das folhas secas do tapete marrom que cobrirá os gramados intermináveis. Será bonita a espera, serão tristes as incontáveis despedidas. Contarei os dias e os meses para estar próxima ao meu amor - cujo calor se destinará a mim. E como seria isso, o calor do Inverno? Seria frio, frio e pálido como toda a estação. Cinza, gélido, mas ainda delicado. As nuvens nos impressionam, nos intimidam, mas nada mais fazem do que defenderem-se da fragilidade em que se encontram. Eu entenderia as nuvens, conheceria os ventos, suportaria e amaria o frio. E o faria quantas vezes fossem necessárias, sempre que eu sentisse desejo. Me apaixonaria e me deixaria levar pelo Inverno. Seria tola, seria cega, seria feliz e apaixonada com minha condição de pessoa-que-espera.


Pessoa que espera.
Pessoas que esperam: esperam por serem passivas ou pacientes em demasia ou terem esperança ou terem certeza ou não terem nada. E mais vários outros ou's. Esperam porque constantemente estão divididas - divididas entre fazer o melhor para o outro e o melhor para si. Dizem que quem gosta cuida, mas quem gosta também deve deixar o outro ir - se é isso o que ele quer. Deve?! Como aceitamos ficar sem o que nos faz bem? A felicidade alheia nos alimenta? Sentimos pena de nós mesmos? Somos ridículos por não lutar? E por lutar em vão?

Esperar. Esperar por uma pessoa, por uma resposta, por uma verdade (por vezes dolorosa), por uma mentira bem-empregada, por um sorriso, por um gesto, por uma explicação, por qualquer palavra que quebre o gelo, o silêncio, o vazio amargo da espera. Ah, a agonia de não sentir o tempo passar... Nada mais angustiante do que estar de fora dos acontecimentos, assistir à realidade com os mesmos olhos sonhadores de antes. Não se deseja o que é platônico, mas o que é belo - de preferência, sua face sólida e alegre. A busca pelo concreto nem sempre se dá experimentando, mas observando as coisas e analisando seus movimentos. E, ainda assim, existem vezes em que nem o que é óbvio se mostra claro...

Chega dessa história. Basta! Sem mais aquele drama de "se foi" e "nunca mais". Eu não digo nunca, não digo sempre - sou completamente "talvez". Espero, esperava, esperei. Esperaria e esperarei. Conjugarei 'esperar' de todos os modos, pois sou uma das tantas pessoas que esperam. E não deixo de fazer acontecer por esperar. Não, não deixo de viver. Pelo contrário: vivo tudo intensamente. Intensamente.

E, cada vez mais, me aproximo daquela sensação calma de ser uma Claire. Quero saber sobre as pessoas, ouvir suas histórias, entender o que sentem. E me sentir importante, me sentir parte disso - ainda que temporariamente. Não acho que eu tenha um lugar, não acho que a gente deva ter um lugar fixo. Faço o que me satisfaz, ainda que isso, por vezes, signifique um pouco de masoquismo emocional.

Eu esperaria pelo Inverno sem angústia, suportaria qualquer coisa. O faria, num passado ou num futuro. Talvez o teatro tenha custado a passar diante dos olhos da platéia, talvez as falas tenham se repetido. O fato é que demorei a entender a mensagem. Às vezes, o susto só faz piorar a morte. Mas eu esperei, esperei por isso pacientemente. E as palavras não vieram com o mesmo vento que me dizia seus contrários. "Há males que vêm para o bem"... Ok, próximo round. Estranha-estranha paz interior.





"I don't love you anymore. Goodbye."
{Closer}



quarta-feira, 22 de julho de 2009

Sacanices

Se tem uma coisa sacana de se fazer é já agradecer a alguém por um favor ainda não atendido: é como se a pessoa fosse obrigada a fazer o que se pede. Mais sacana ainda é fazer aquelas declarações de amor vergonhosas em público. Puxa, faria uma lista de coisas sacanas. Acho sacana o Programa do Didi, ou seja lá o nome que isso tenha. Hoje eu estou num desses dias em que você acorda e quer proteger as crianças da maldade do mundo (eu espero que todos já tenham tido ao menos um dia assim...). Mudando totalmente de assunto, ontem eu vi a estréia de um programa extremamente revoltante. Quer dizer, eles juntaram tudo de essencialmente "mulherzinha" num lugar só. É como se fosse a versão audiovisual da revista Capricho ou algo assim. Eu realmente acho curiosa minha paciência para com alguns programas de televisão. Fico pensando se quem assiste às porcarias fica realmente contaminado ou, sei lá, se sente em parte triste por estar perdendo seu tempo. Ok, lamentável e nojentinho da minha parte. O programa tem como objetivo ajudar pessoas (até então, só vi meninas nas propagandas) que estão na fossa, com dor de cotovelo, esse tipo de situação. E, para te tirar da rotina de cama e gula, te fazem fazer coisas ridículas. Eu fiquei passada quando vi a moça queimando bichos de pelúcia num fogão no jardim de casa - ok, se livre das suas lembranças, mas doe os brinquedos. E, enfim, queimar coisas não é legal. Ela ainda ligou para o ex-namorado para dizer aquelas coisas do tipo "não me procure, vou ser feliz sem você - não vou esperar você querer voltar para mim". Tudo bem, foram adotados cerca de cinco passos - um deles foi dar um up no visual, é claro. Essa história de mudar o cabelo eu vejo em muitas pessoas - é, se eu dissesse que não sou uma delas, talvez não parecesse muito sincera. A moça "superou", inflou o ego e ficou se gabando quando o cara quis reatar o compromisso que eles tinham um com o outro. Eu acho um tanto infeliz essa coisa de "veja como eu não preciso de você"... Enfim. Eu estou sensualmente gripada de novo, o que me aponta que esse início de semestre não será tão diferente assim do outro. Ok, estou falando demais. É que me deu vontade, vontade de repetir que eu odeio camiseta polo amarela, que eu só como maionese quando misturada com batatas, que todo dia é dia de ver o sol se pôr, que vento nas maçãs do rosto me faz sentir bem, que o fato de eu dizer que não sou fã de alguma coisa pode simplesmente significar que não a conheço o suficiente. Não gosto de falar de músicas, não gosto. Não conheço quem está por trás delas, os gêneros em que se enquadram, a relevância que tiveram em seus países. Músicas e livros são coisas que se tornam importantes por si só, pelo valor que cada um - "em seu íntimo" - deposita em cada nota, em cada página. E eu não sei por que estou falando disso. Me perdi nos meus pensamentos comparando o vício pelo consumo de alguma droga ilícita com o nível crescente de exigência que vamos criando ao longo de nossas experiências. Sabe, eu acho que crescer é uma das coisas mais difíceis do mundo: não se "deseja" amadurecer. Mentira, acredito que isso seja desejável sim. Estou insegura quanto ao meu gosto por finais infelizes e à indiferença para com algumas coisas que, por ora, eu pensava ter. No fundo, talvez eu me mostre contraditória mesmo: quando alguém se diz indiferente, geralmente anuncia que ainda se importa. E a indiferença também é uma coisa sacana, se for pensar bem.



segunda-feira, 20 de julho de 2009

fin.ício

eu costumava pensar que os casais "acabavam" para nunca mais voltar, tornando o fim uma coisa definitiva, imutável, incorrigível - mesmo com a minha idéia de transformar um ponto final em reticências mágicas. até bem pouco tempo atrás, porém, fiquei pensando que as pessoas só deveriam planejar ficar juntas (digo pensar no futuro - não necessariamente de forma tão séria) depois que acabassem uma vez. acho uma merda aquele vai-e-volta que algumas pessoas aturam, não é disso que eu estou falando. sei lá, de algum jeito acho que é importante passar pelo processo da dor da perda, da euforia da liberdade, das noites em claro fazendo os pensamentos pipocarem. claro, deve-se considerar que os pombinhos estejam apaixonados. mesmo que pareça irreal que duas pessoas "desimpedidas" que se gostem mantenham distância uma da outra. posso estar falando merda, mas eu fiquei pensando francamente ("pensar francamente" é algo muito banana de se dizer) e cheguei à bela conclusão de que me sinto livre - com todas as conseqüências e sentimentos bons e não-tão-bons que minha condição permite. de qualquer jeito, acho esquisito quando existe um desprezo entre as pessoas que até então tinham algum compromisso uma com a outra: tudo bem, pode acontecer de alguém(s) ter "enjoado" da cara do outro, ou existir um motivo mais concreto para um desentendimento; conflito de interesses, qualquer coisa... mas, ainda assim, existia ali uma amizade, uma troca especial - a princípio, proporcional com o tempo que se dividiu. hoje, eu já não sei definir o que eu acho de tudo isso que eu falei. talvez acredite naquilo que ouvi não faz muito: "se for pra voltar, será para nunca mais acabar". talvez. soa um pouco pretensioso, um tanto fantasioso... mas sou livre para mudar de idéia a qualquer momento.



domingo, 5 de julho de 2009

Sobre o ridículo do sentir

Ridículo! O ridículo do sentimento é a sua não-correspondência pela outra parte envolvida. Passam a ser desimportantes a pureza e a beleza do sentir, passam a ser meramente irracionais. Não existe instrução capaz de ensinar a alguém como se controla a emoção: as pessoas se aventuram inventando conselhos não-praticados sobre como se deve agir, mas não existe solução que vá além do uso de máscaras. O confronto direto entre o egoísmo e o altruísmo, o conflito entre o que se quer e o que se pode fazer - conseqüências imediatas da exposição ao ridículo. Não existe escolha a ser feita no início, mas uma imposição que acontece "no final". O final que, na verdade, é apenas o começo do ridículo: o nascimento da guerra interna, da perda dos sentidos, da inevitável tempestade que se faz no copo. No copo e no corpo. Quando estamos diante do ridículo, a dor e o medo antevêm qualquer passo que ousamos dar: a revolta acontece a nível individual e social e, na busca de uma saída, não encontramos justificativa para continuar em inércia - tampouco compreendemos a lei que nos diz para abandonar o sentimento. Irreal, é irreal combater o sentir com a razão; é inaceitável a idéia de desequilibrar as forças e deixar que uma ocupe o espaço da outra. São instâncias diferentes, que desempenham funções completamente independentes. Deixar de sentir por não receber o mesmo em troca é correto? "Não importa, é o que deve ser feito". E seria no mínimo tolo enfrentar a situação vivendo a outra alternativa... E, por isso, é ridículo. Por isso é ridículo! Não há liberdade na escolha, não existem prós e contras, apenas eufemismos para os efeitos negativos que resultarão das ações. É ridículo! Infinitamente ridículo até que o sentimento adormeça no curso de seu destino. Não se pode evitar a verdade, não se pode evitar a vergonha nem a perturbação: quanto mais rápida é a aceitação, menor é a perda - deveria ser desse modo. Então, deixemos de ser ridículos diante do ridículo... Deixemos de permitir que o sentir se sobreponha ao que está em nosso poder de consentimento, deixemos de lamentar o que poderia ter sido e não será. Deixemos, simplesmente deixemos: o desapego é fundamental.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

"Encontre um homem que..."

"Encontre um homem que te chame de linda em vez de gostosa.
Que te ligue de volta quando você desligar na cara dele.
Que deite embaixo das estrelas e escute as batidas do seu coração.
Que permaneça acordado só para observar você dormindo.
Encontre um homem que te beije na testa.
Que queira te mostrar para todo mundo mesmo quando você está suada.
Que te acompanhe ao cinema para ver um romance mesmo que o preferido dele seja terror.
Que segure sua mão na frente dos amigos dele.
Encontre um homem que te ache a mulher mais bonita do mundo mesmo quando você está desarrumada.
Que insista em te segurar pela cintura.
Que te abrace de surpresa na frente de todos.
Que te lembre constantemente o quanto ele se preocupa com você e o quão sortudo ele é por estar ao seu lado.
Espere um homem que com certeza está esperando por você.
Que responda as suas atitudes em relação à ele.
Que vire para os amigos e diga: É ELA, A MULHER DA MINHA VIDA."

Besteira! Quer dizer... eu não acharia tão ruim se não fosse tão alto o número de pessoas que cultiva essa idéia. Tá, isso nem importa na verdade. Só que eu acho infeliz a forma que esse textinho virou referência para algumas meninas - não só pela idéia de parecer impossível encontrar um cara como o descrito, mas pelas babaquices bregas escritas. Garanto que esse modelo de homem ideal não é satisfatório e pode ser até visto como chato pelas mocinhas que o procuram tanto (nos lugares obviamente errados, diga-se de passagem). Ok, analisando calmamente:
-
Encontre um homem que te chame de linda em vez de gostosa.
Linda é linda, gostosa é gostosa. Explicação idiota, mas simples. Voc
ê pode ser linda E gostosa. Não é preciso levar um tapinha na região glútea em frente a um grande número de pessoas e ouvir exclamados palavrões, mas também não acho nada horrível dizer que alguém "é gostoso". (ok, prefiro essa falavra no gênero feminino) - Não acho ofensivo e duvido que 99,9% dessas meninas ache, até porque o fato de uma garota ser gostosa não a fará menos bonita (pelo contrário). Tá, é desnecessário discutir isso.
-
Que te ligue de volta quando você desligar na cara dele.
Porra! Indelicadeza é uma maravilha, ainda mais vinda com esses típicos chiliques infantis femininos. Grosseria é grosseria, não importa a justificativa. Não quero alguém que passe a mão na minha cabeça quando eu estiver errada e se coloque em segundo plano.
-
Que deite embaixo das estrelas e escute as batidas do seu coração.
Não entendi a dificuldade, mas tudo bem. Acho que essas coisinhas bregalegais tendem a acontecer mais se a gente der liberdade pra isso ocorrer naturalmente, e não como uma imposição... [?]
-
Que permaneça acordado só para observar você dormindo.

Isso é meigo, mas deixa o cara. Típica cena de filme. Isso pode acontecer e você nem ficar sabendo (você estava dormindo). Tem coisas que parecem que só recebem o devido valor quando deixam de ser um segredo, não gosto disso. Eu quis dizer que eu acho bonitinho, mas não gosto da idéia de isso se tornar um "pedido". Sei lá.
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Encontre um homem que te beije na testa.
Garanto que há quem reclame!
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Que queira te mostrar para todo mundo mesmo quando você está suada.
... Sinceramente: disgusting! Cara, eu morreria de vergonha. Ficaria ainda mais "o amor é cego" (filme) a situação. Tipo tudo bem que a pessoa goste de você o tempo todo, mas ai... enfim, banho deixa todo mundo feliz e melhor.
-
Que te acompanhe ao cinema para ver um romance mesmo que o preferido dele seja terror.
Tá, um cara que saiba ceder. Pronto, chega de escândalo. E acharia me
io idiota se isso fosse rotina, francamente.
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Que segure sua mão na frente dos amigos dele.
Quem escreveu isso vivia nos anos 30, sei lá. Mais válido escrever "que segure sua mão mesmo quando ela está suada".
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Encontre um homem que te ache a mulher mais bonita do mundo mesmo quando você está desarrumada.
Ah, eu não gosto dessa pretensão toda. Metade das coisas da lista são para serem ouvidas e não necessariamente feitas.
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Que insista em te segurar pela cintura.
Hahaha. Esse "insista" me parece meio suspeito. Sempre imagino um sujeito chato e grudento que não deixa a guria caminhar direito.
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Que te abrace de surpresa na frente de todos.
É... também me parece suspeito. Que mania de se exibir. Não se pod
e ser feliz com alguém numa sala vazia?
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Que te lembre constantemente o quanto ele se preocupa com você e o quão sortudo ele é por estar ao seu lado.
"E o quão sortudo ele é por estar ao seu lado"... puxa, não se diz que se quer ouvir isso. De novo, que pretensão! Querem ouvir que são lindas, mas não podem ser gostosas... Querem que todos vejam seu poder sobre o cara (e o quão bobo ele fica na sua presença) e, agora, querem levar crédito por tudo de bom que ocorre na vida do pobre.
-
Espere um homem que com certeza está esperando por você.
Com certeza, ein. Lá. Paradinho. Sentadinho, só olhando os movimentos. Numa festa, à sua espera.
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Que responda as suas atitudes em relação à ele.
Hum? Sim sim, queremos alguém que se mexa.
-
Que vire para os amigos e diga: É ELA, A MULHER DA MINHA VIDA.
Eu sempre imagino a mesma situação: mesinha de bar, cerveja, um mar de amigos jovens e solteiros do sexo masculino. E um casal. Um casal, em que a namorada é uma pentelha
que não deixa o cara beber em paz e/ou largar a mão dela (afinal, estão na frente dos amigos). De novo, penso que é desnecessário o exibicionismo. De novo, penso que a pretensão e o egocentrismo ultrapassam os limites. De novo, acho brega. E clichê de algum jeito - se todos dissessem isso, a afirmação perderia seu valor.
Enfim. Explicação mal-humorada sobre as razões pelos quais eu detesto a forma como esse texto foi adotado como uma religião. Já não basta a idéia do imperativo, que se choca com a espontaneidade...


terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Polyamory


Nadaver. Ando meio afastada da ficção, tentando me nutrir de emoções reais. Hoje eu li um pouco de um livro sobre linguagem corporal e, ontem, vi uns dois documentários no Discovery: um sobre sex appeal e outro sobre poliamor. Ambos interessantes, porém o que explicava 'a ciência do sex appeal' era mais um aglomerado de informações quase numéricas, do tipo que tu até acha interessante e lógico, mas não é válido nem fácil de narrar para alguém. Falaram de beleza, de simetria, do número da perfeição, das pequenas mudanças no corpo durante o período fértil da mulher, das diferenças gestuais de homens e mulheres e blablablá... foi como ter uma aula sobre seres humanos, do tipo 'como identificar um homem na rua'. Mas valeu. O outro documentário, que foi da GNT e não do Discovery (lembrei agora), é de uma série que sempre aborda temas polêmicos relativos a sexo e as novas formas de família. Dessa vez não foi diferente: o poliamor é diferente da poligamia, que estabelece uma relação mais aberta e, aparentemente, mais sexual. Tá, é aquela idéia de oposição à monogamia. Já o poliamor é o caso de casamentos com mais de duas pessoas. Não necessariamente vários casais morando juntos: o exemplo dado foi o de uma família de três pessoas, em que uma mulher se casou com um cara há uns dezesseis anos (já afirmando que não seguiria o modelo clássico...) e, uns anos depois, se apaixonou por outro homem. Se casou com ele também e, então, os três moravam juntos. Depois de um tempo os homens afirmaram que se apaixonaram também um pelo outro e então se casaram também. E estão os três, há dez anos, casados entre si. O cara que entrou por último tem uma namorada (que não é dividida...), que freqüenta a casa mas é colocada sob uma hierarquia: a família (os casamentos) está em primeiro lugar. A primeira coisa que se pensa é que os três vivem numa orgia sem fim, aquela coisa de que os três chegam em casa tirando a roupa e etc (palavras do cara), mas no fundo é bem o contrário: cozinhar, limpar a casa, administrar as despesas, e tudo o que se faz normalmente. O sexo fica em segundo plano e raramente é feito em conjunto. Os envolvidos têm momentos a sós com cada um de seus parceiros e nem sempre todos os que compõem o círculo formam necessariamente um casal. É um modo de vida diferente, é claro, e achei interessante falar disso. Apesar de parecer uma coisa de outro mundo, isso se aproxima da idéia divina de amor. Pelo menos pra mim. Porque é bobagem ter preconceito com casais do mesmo sexo ou, enfim, com tudo o que não é o esperado pela idéia de maioria. E quem disse que só se ama uma pessoa na vida? Existem muitas barreiras ainda a serem quebradas... talvez, num distante século do futuro, se possa encarar com naturalidade as escolhas alheias sem nos sentirmos atingidos e ameaçados por elas.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

rewritting

- Eu tenho que te dizer que, naquela vez, eu não queria mesmo ir. Não queria ir, mas era o que eu tinha que fazer. E você tornou tudo insuportável, sabe. Se eu ficasse seria suicídio.
- Mas você preferiu ir. Foi fraco.
- Fraco? Fraco?! Não, você não quis dizer isso... eu sei que não quis...
- Fraco mesmo. E daí que eu existia, eu era uma criança e você sabia disso! Você tinha que ter ficado lá e...
- E o quê?
- Era a minha vontade. Eu queria que você tivesse fic
ado.
- Você queria muita coisa, muita gente ao mesmo tempo.
- Ué, eu tinha entendido que você gostava de mim.
- É, mas gostar e depender são coisas diferentes. Fora que, né, olha a minha cara de ingênuo... Você não pensa realmente que eu achei que nós seríamos perfeitos, pensa?
- Mas nós éramos perfeitos, só que do nosso jeito.
- Do nosso jeito imperfeito? Não, não se iluda... eu estou bem com o que aconteceu, a gente não precisa re-pintar tudo usando cores mais vibrantes. Deixe o cinza como está, a gente não precisa disso.
- A gente? Você quer dizer que ainda...?
- Não. Pare de fantasiar.
- Sabe, naquela época eu realmente não entendia o que vo
cê fazia, mas hoje eu vejo que...
- Você ainda não entende.
- Então me faça entender. Por favor...
- Não, não é assim que funciona. Você nunca procurou ver como foi difícil pra mim? Eu tenho que descrever tudo sempre? Desenhar?
- Eu acho que se você gostasse de mim de verdade não desistiria.
- Eu não desisti, eu simplesmente perdi. Que merda.
- Não perdeu por minha culpa, foi você quem foi embora...
- É, você não tem culpa de nada, nunca tem: eu esqueci desse detalhe...
- O quê? Vai me culpar agora?
- Não sou eu que sou inconstante.
- Como não?

- Meu comportamento é normal, completamente explicável, com ações e reações.
- Então porque não ficou, se era o que você queria?
- Porque eu tinha que recomeçar a minha vida.
- Achei que seu lugar fosse do meu lado...
- Quando eu era o único, eu estava em todos os lados, eu te encontrava, eu sabia o que fazer... mas você tem essa mania de se perder por aí, de se perder com qualquer um... Eu não suporto isso e nem tenho que suportar. Não é por aí.

- Você não queria nada sério nunca, agora vem e diz isso.
- Eu não disse que não queria nada sério. Eu só não fui tão óbvio quanto você queria.
- Então eu estava livre para sair com quem quisesse.
- Tudo bem. É claro. A sua liberdade não depende de mim. Mas você tem que entender que existem prioridades... e eu tenho o direito de escolher quem me quer.
- Lá vem ele falar da outra...
- Eu não vou falar de ninguém. Eu não estou te comparando.
- Sabe, eu acho que subir naquele trem foi a pior merda que você já fez.
- Eu o faria de novo, se você quer saber.
- Não se arrependeu mesmo?
- Eu acho que a gente não daria certo mesmo.

- Eu não acho isso.
- Olha pra você, você quer que eu fique com você ainda hoje e te leve pra casa depois do café, quer que eu prometa que vou ligar e, quando eu ligar, você vai
pensar que resolveu o caso, que eu realmente não te esqueci, que você ganhou o jogo. E vai partir pra outra.
- Não... não, eu não vou. Que horror. Se você quer saber, eu vim aqui disposta a começar tudo de novo com você. Eu quero que você me abrace mesmo, quero tomar café, quero que você tenha algumas roupas lá em casa, quero que você bagunce tudo, que me irrite às vezes e todas essas coisas que a gente fazia.
- Assim, tão fácil? Você nem sabe como anda a minha vida, se eu estou com alguém, se...
- Que merda! Não percebeu que isso não importa? Eu estou me submetendo a uma tremenda humilhação e...
- Humilhação foi o que você fez comigo. E não ouse dizer que não.
- Eu já te disse que eu era imatura.

- Tudo tem limite. Tudo.
- E vai dizer agora que não sentiu falta de nada?
- Não, eu não nego que tenha passado por dias terríveis, semanas perturbadoras...
- Então?
- Não sei. Não quero. Você não mudou. E eu nem queria que mudasse, é só que eu não agüento isso, o seu comportamento aleatório.
- Você não sabe o trabalho que deu conseguir seu telefone.
- É, eu também batalhei para conseguir o seu naqu
ela época.
- Vai ficar por isso mesmo? Não vai dizer que sim nem que não?
- Eu tentei fazer com que você interpretasse tudo como um não.
- Isso é o que você quis ou o que você teve de fazer?
- Se tivesse um trem agora por aqui, eu subiria nele e ficaria te olhando da janela. Sabe, da outra vez eu tive que ficar olhando você beijando um outro sujeito, que não era nem o mesmo do bar. Eu preferia que fosse ele, pelo menos eu pensaria que ele estava cuidando de você.
- Eu sinto muito. Mas eu ainda acho que você suportaria mais do que isso, você foi fraco.
- Sabe, você estragou tudo.
- É, eu sei.
- E, sabe, você nem se importa com a minha vida, você m
esma disse. Eu poderia estar matando um dia de trabalho para vir te ver e você nem liga.
- Você não faria isso... Você é tão certinho.
- É, eu não faria... mas não faria porque você não merece.
- E se eu te disser que não teve graça, ein? Que nenhum dia pra mim teve graça desde aquele maldito dia em que eu te vi subir no trem.
- Eu acho que é tarde demais para você ver isso. E também acho que é mentira sua.
- Você acha que algum cara é como você?
- Não. Mas eu não encaro isso como elogio. Sabe, eu não
tenho muito tempo. Você me aborrece.
- O que mais?
- Sei lá, só isso. Você fudeu com tudo, conseguiu o que queria.
- Não, não consegui.
- Eu acho que esse é o seu único desafio agora, sabe, me fazer voltar. Porque eu sou teimoso e resisto aos seus vestidos decotados, os outros não.
- Você acha que eu ganho os outros só pelos decotes?
- Francamente eu acho. Ninguém quer saber o que você pensa se tem um par de seios bonitos.
- Que crueldade! Sabe, eu quase me casei.
- Com um cara rico? E, ah sim, só não casou porque lembrou de mim, veja só!
- Ah, você não sabe conversar mesmo! Garçom, a conta!
- O que foi, decidiu ir embora assim?
- Ué, você não estava entediado?

- Sim. Hey, eu pago.
- Achei que...
- Não, eu não sou nenhum pé-de-chinelo. Você casaria comigo só pela grana, se fosse o caso. Eu quero dizer, eu já tenho um atrativo, não precisaria que você gostasse de mim. Só que eu não faria isso, não é nada justo.
- Pelo menos eu já disse que queria recomeçar antes de você falar isso.
- É, você continua engraçadinha. Eu gosto disso.
- Pra que lado da cidade você vai?
- Vou te deixar em casa, não se preocupe.

- Não, eu vou pegar um táxi...
- Eu sei que você quer que eu te leve.
- É o que eu quero, mas não é o que eu devo fazer. Eu tinha que achar um trem por aqui e fazer a mesma cena da despedida...
- Não precisa fazer isso. Sabe, eu já disse que estou bem com o que aconteceu.
- E sua família? Eu quero dizer, você pode ter uma filha e eu não saber, pode ter casado com aquela outra e...
- Eu não sou pra casar.
- Hum.
- Eu te levo.
- Sabe, eu continuo achando que foi uma merda o que você fez.
- Eu começo a pensar que sim. Mas era o que eu tinha que fazer.
- Eu continuo morando por lá, só que é do outro lado do parqu
e.
- Eu sei. Eu tenho pesquisado sobre você. Foi por isso que eu vim.
- Nossa.
- Surpresa?
- É que eu realmente não achei que você se lembrasse de mim, sabe, desse jeito.
- Eu lembro de muita coisa. Eu não sou desligado, como você diz.
- Você é meio parado, meio inerte para tudo. Está sempre pensando em coisas distantes.
- Aqui estamos.
- Que rápido.
- E então?
- Você sabe onde eu moro. Fica no carro e espera eu en
trar. Se for o caso, você vai saber voltar. Eu não vou ficar esperando.
- É, você cresceu.
- Eu disse.
- Eu tenho que voltar pro trabalho agora, mas eu te ligo mais tarde.
- Você não disse que...?
- Eu não ia perder isso por nada.
- Sabe, eu estou com um pouco de medo. Eu não vou estar preparada, caso você pretenda se vingar. Eu estou desarmada.
- Eu acho que a gente não tem tempo pra isso.

- A gente? Você quis dizer...?
- Sim.
- Se eu pudesse ter parado aquele trem...
- Eu vou voltar dessa vez.



terça-feira, 30 de dezembro de 2008

pré-reveillon

41 posts sem "marcadores" (essas palavrinhas soltas que eu coloco aí embaixo, apontando os principais tópicos do que eu escrevi). ok, falando assim parece algo muito importante. é só que eu queria fazer isso logo, tipo na próxima semana ou na outra, porque eu estou com a minha síndrome de organização apitando aqui dentro. o primeiro felizardo - ou vítima - vai ser o meu quarto. falando em felizardo, que palavra horrível. ela me lembra um adulto solteirão razoavelmente velho, com um nome esquisito e triste, tipo Horácio, ganhando um beijo babado com batom, na bochecha esquerda, da tia que usa dentadura. tudo bem, deixemos ele de lado. e as minhas manias também. quem lê deve pensar que eu sou mais uma daquelas meninas que deixam o lençol esticadinho e tudo devidamente no seu lugar. bem, poluição visual combina mais com meu quarto. mas eu gosto da mistura de cores.

*

sobre o reveillon, eu realmente acho que o meu vai ser legal. melhor, inclusive, do que foi o último. e eu espero, de verdade, que o dos outros seja bom também. não é que faça parte do meu gênio desejar (sempre) o contrário, mas é que de repente eu fiquei meio emotiva e, quando eu estou assim, as pessoas parecem tão merecedoras de afeto. isso começou ontem de noite, no final da aula de dança. por sinal, foi uma aula diferente. deve ser a vigésima professora que eu conheço (o melhor foi que eu demorei para entender que ela era também professora, porque eu conheci ela na última apresentação e, mesmo ela sendo do grupo das fodonas, eu não conhecia o lado teacher dela). apesar de ser uma aula para o nível um, tinham ali pessoas do intermediário e do avançado e, de certa forma, unir todas em movimentos iguais foi bem bonitinho. eu gosto de quando tem esses momentos de interação e a coisa funciona,
até por isso eu apreciei bastante o pessoal de lá. enfim. hoje foi o último dia de aula no cursinho e foi realmente estranho, uma vez que eu vou sentir mais falta desse um ano com 300 desconhecidos do que, sei lá, doze anos com as mesmas cabeças. e isso vem da sensação de bem-estar mesmo, não exatamente porque os professores são mil vezes melhores ou coisa parecida. até porque inexistiu a tranqüilidade de anos atrás - sabe, vestibular é uma palavra muito abrangente. foi bom ouvir os conselhos e verdades sobre isso, porque, de fato, não podemos tornar essa merda maior do que ela já é, tampouco alimentar sonhos de que a vida vai ser um mar de rosas depois de enfrentar as provas. não que passar seja uma obrigação, mas isso não fará ninguém melhor ou mais amado. e etc. tudo bem, isso funcionou para mim. eu não costumo gostar dessas coisas que as pessoas falam, mas eu fiquei realmente nervosa de uns meses para cá. e ter uma atividade paralela à todo o transtorno, com certeza é a melhor escolha.

*

sobre a minha parte mais hum afetiva, sei lá. eu estou feliz. eu continuo 'em um relacionamento' - de repente, o post anterior colocou isso em dúvida - e bem satisfeita com ele. quanto aos meus amigos, também não tenho muito o que dizer. parei de tentar agradar a gregos e troianos; penso que a naturalidade antevém a regra. é claro que eu acredito que é possível manter um laço forte sem muito contato, pela internet ou, enfim, com certa distância - desde que os dois estejam dispostos a superar as limitações. e, falando em internet, fico triste em ver que muita gente leva o Orkut muito a sério e interpreta i
sso como um retrato da vida ou coisa parecida. tenho até a minha mãe como exemplo de vítima desse tipo de problema. eu me surpreendi ao ver meus amigos se dispersando, cada um indo para um lado. não lembro da última vez em que eu vi meus amigos de escola reunidos, assim sem faltar ninguém. acho que ainda foi no início do ano, em época de calor. vestibular, faculdade, escola, curso de alguma coisa, enfim, cada um tem sua vida. encarar isso com maturidade é o ponto básico para evitar discussões desnecessárias, pensamentos que não condizem com o que acontece, tempestades em copos tão pequenos. a minha vizinha, por exemplo: eu vejo ela todos os dias pela janela e fui incapaz de ir lá e fazer uma visita. é claro que existem sempre caminhos alternativos, que a gente só enxerga depois que perdeu a chance, mas relevar é sempre uma possibilidade. apesar do meu jeito, de não ligar (telefone) e nem aparecer, e também do comportamente semelhante ou diferente das pessoas que eu conheço, o resultado de tudo foi positivo. quando eu saí, a maioria das coisas renderam. claro que existem idéias que eu nunca vou entender (nem sua origem nem sua consistência), mas eu prefiro tentar torná-las menos impossíveis à medida que buscarem me compreender também. não tentei levar isso pelo lado egoísta, mas pelo lado amor-próprio. então, eu vou continuar fazendo o que eu fazia e não fazendo o que eu não fazia, porque, independente de ser teimosia ou não, essa sou eu e me recuso, sem arrependimentos, a levar uma vida que não seja a que eu desejo. ...um feliz 2009 pra todo mundo! ah tri.


ok, esse foi meu texto de final de ano. não consigo fugir dele,
ó céus.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

amor fora da lei


Com os pés no chão gelado pelo frescor da madrugada, ela abriu a geladeira e tirou do centro a única coisa que ali havia: uma jarra transparente, contendo um líquido ainda mais cristalino. O som da água encontrando o fundo do copo ecoou no silêncio da noite clara, de poucas nuvens. O céu, que anunciava o princípio da manhã, foi apreciado pela fresta da janela. A brisa deliciosa, de arrepiar a pele, era constante nessa época do ano.

Uma xícara de café seria mais do que o suficiente para um despertar agradável, mas ela queria mais e, junto com o conhaque, degustou dois bombons de uma caixa de chocolates franceses. Lambeu os dedos e os secou nas laterais da regata cinza e comprida que vestia. Os azulejos, os bancos e todas as nuances que aquele dia 21 poderiam oferecer foram apreciados com estima. Tudo estava tão blue. E, sem mais nem menos, ela começou a se perguntar sobre a noite passada.

Caminhou com passos leves até a cama, onde um homem dormia esparramado sobre o edredom. Parecia ser bonito, realmente bonito. Suspirou profundamente e inclinou-se, acomodando o copo no chão, no lado esquerdo da porta. Curvou o corpo ainda mais e agora engatinhava em frente aos móveis, com o olhar sorrateiro de quem procura determinado objeto. Não demorou para concluir que o tal não estaria embaixo do colchão. Resolveu experimentar o clássico: pôs-se, então, a vasculhar o gavetão de meias e cuecas. Ali estava a minúscula chave.

Um último gole antes de empurrar, com o pé, o copo para debaixo de uma cadeira, de forma a tirá-lo do caminho. Olhou carinhosamente para o dono dos ruídos de quem se deixa levar pelos sonhos. Voltou-se para a parede, sorrindo com os lábios. Não existia maldade naquela cena, nem pureza naquele ato.

Nada mais previsível do que esconder um cofre com um quadro. E não era um quadro qualquer: não exibia o corpo de uma mulher seminua, nem flores ou figuras geométricas, mas uma paisagem escura e até triste, em tons de cinza e azul. A vida em grafite sempre atraiu aquela mulher. Tirou cuidadosamente o retângulo da parede, sem hesitar. Não sentia nem um mínimo de ansiedade, o que talvez declarasse sua falta de caráter. Mas não era assim de verdade.

Em poucos minutos, a chave estava no seu devido lugar; o copo brilhava limpo e seco; o tapete do banheiro voltara a ser desarrumado, com jeito de gesto de homem. Ela pensou em devolver a roupa dele ao sair, mas sentiria falta daquela recordação. Ao invés disso, esticou sobre a poltrona da sala o lindo vestido preto que usara na noite anterior, em troca da regata cinza. Borrifou o vestido com seu perfume e deixou um cartão sobre a mesa, ao lado da garrafa de conhaque vazia.

Despediu-se silenciosamente do apartamento, lamentando a impossibilidade de voltar. Mas valeria a pena toda a saudade: vários e vários dólares na mão a fariam esquecer de qualquer coisa, qualquer coisa. Repousou sobre o cinzeiro o cigarro manchado de batom e, ao ouvir o som dos lençóis se movimentando com o balançar de um corpo, levantou-se de imediato, calçando os escarpins pretos e envernizados. Antes de bater a porta, seus olhos cruzaram-se com os dele, que ainda não estavam bem abertos - desavisados.

Antes fosse uma experiência única, na qual uma mulher atraente de uma festa qualquer rouba dinheiro do cara com quem passou a noite: muitos foram vítimas da mesma. E acabava sempre assim, silencioso. Por mais blue que fosse, esse era o estilo de vida em tons grafite do qual ela tanto gostava. Não havia reação masculina diante do incrédulo, nem culpa por parte da amante: fazia seu serviço, e bem feito - não era por isso que precisava ser paga. O caso não se tratava de como sobreviver às custas do furto, mas da solidão - se apaixonava todas as noites e, ao acordar, só encontrava um jeito de se afastar: se não fosse pela dor da irreciprocidade, que nunca chegou a conhecer, provocaria um jeito de envergonhar-se e, a partir dessa atitude, fugir.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Manuscrito.

E, assim que a porta bateu, os belos olhos se voltaram para o manuscrito que repousava sobre o travesseiro. Teria o tempo de um banho para vasculhá-lo, encontrar o que queria e devolvê-lo ao seu lugar de origem, com a aparência de intacto. Não seriam poucos minutos o problema, mas o virar ou não de páginas.

Clara era uma jovem bonita, de cuja pele fazia jus ao nome. Podia ter aos seus pés quem quisesse sem muito esforço. Sofia não era muito diferente disso, apesar de gostar menos de exposição. Se conheceram e desenvolveram uma relação incomum de afeto, onde a dependência que uma tinha da outra era constantemente perturbada pela rivalidade.

O tempo de um banho seria suficiente. Mais que o suficiente, pensou. A convivência com a dona das palavras fora útil, uma vez que ficara fácil trapaceá-la depois de ouvi-la falar sobre suas manias mais particulares. O hábito de contar seis dedos de margem e então alinhar o diário ao contorno imaginário fora uma descoberta essencial - um centímetro a mais ou a menos denunciaria uma invasão de privacidade.

Abaixou o volume da música, temendo que os passos fossem abafados. Ajoelhada do lado do rádio, com as mãos sobre os joelhos ossudos, hesitou por mais alguns segundos. Já tinha resistido demais. Engatinhando em direção ao beliche, confirmou com o canto dos olhos que a porta fora bem fechada.

Com dedos trêmulos e magros, acariciou a capa peluciada que embalava aquele recheio de segredos. Pegou o diário com as duas mãos bem firmes, mas não pôde impedir que uma foto escorregasse do meio das folhas. Atrapalhada, resolveu continuar a busca e deixar para depois a solução para o imprevisto.

Letras de música, recortes e rabiscos preenchiam aquelas páginas virgens, que sequer traziam linhas. Notas de trabalhos, medidas de busto, quadril, altura, amostras de cabelo presas com durex. Sofia reconheceu seus fios castanhos entre os demais e sorriu carinhosa e silenciosamente. A alegria e a sensação de bem-estar não demoraram a desaparecer.

Os olhos belos passaram de lacrimosos a perplexos e o nervosismo só não foi maior porque a surpresa, no caso, fora uma confirmação. Não duvidava que Clara fosse capaz de fazer o que fez, só não esperava que fosse verdade - mais ou menos esse filme passava em sua mente. O problema agora não era descobrir o que tinha realmente ocorrido, mas como conviver com uma desconfiança que nascera sem motivos e crescera a ponto de comandar ações.

Fechou o manuscrito com um tapa e ajeitou-o sobre a fronha com tal violência que amassou-a consideravelmente. Alimentar uma ilusão é uma coisa, vê-la sair de seu controle é outra. Não dominava mais a situação no papel de vítima: agora Sofia podia ser tão culpada quanto a amiga. "Amiga".

Não é à toa que Clara se mostrava tão carinhosa... provavelmente era um jeito de se redimir. Seria de melhor praxe mudar o vocabulário para uma direção mais coerente - quem sabe se tentasse argumentar, explicar seus sentimentos? Clara não faria isso. Clara não fez isso.

Uma garota tão racional - a outra tão flexível. Uma de língua afiada, a outra um tanto passiva. Uma de humor negro e cigarro, a outra de gatos e vinhos. Uma de branco no preto, a outra de preto. Só preto. Talvez não combinassem em tudo, talvez nem combinassem no mínimo - o fato é que seus laços eram realmente incompreensíveis para observadores novatos. Nem nós, nem laçarotes: eram laços impecáveis, fortes, simétricos.

Quando a toalha voltou ao quarto, dessa vez molhada, foi atirada na cama com indiferença. Sofia mais uma vez estava sentada no chão, do lado do espelho vertical, com as costas repousando na parede fria e úmida. O rádio do lado, em volume mais alto do que o normal.

Clara agitou os cabelos, de forma a jogar água na garota. Completamente nua, se abaixou para fitar os olhos belos. Levantou-se silenciosa, esticando os braços para o alto e observando seu corpo no espelho. Questionou se tinha engordado, obtendo um não como resposta. Passos para trás e uma coisa grudada no pé direito: entre o indicador e o polegar de Clara estava a foto que caíra do diário.

Assoprou para fora da foto algumas gotas cristalinas e fixou-a num porta-retrato da escrivaninha, esboçando satisfação ao fazê-lo. No fundo, não era o que sentia. Sabia o que tinha acontecido, mas ainda não entendia sua posição quanto a isso. Achava realmente mais fácil ser lida do que ouvida e não esperava reação diferente de Sofia quanto à notícia - embora, em seu íntimo, quisesse acreditar que a garota não tocaria no manuscrito.

Se encararam por alguns segundos, Sofia encostada na parede, abraçando as pernas magras, e Clara sentada na cama, com o tronco pendendo para a frente. Se entendiam completamente, conhecendo a situação em que a outra estava e o que supostamente sentiam. E sentiam como ninguém. A frieza de uma era corrompida pela ingenuidade da outra. Eram como sombra e luz, num jogo de amor e sofrimento. E o manuscrito era só um capítulo à parte.




terça-feira, 5 de agosto de 2008

Relationships.

Não que eu ignore os princípios da poligamia, mas eu realmente vejo as coisas a partir de suas interações com outras, duas a duas - e, mesmo num sistema onde as trocas sejam mútuas entre mais indivíduos, a situação das duplas está presente integralmente em cada núcleo. Num mundo onde a máquina tende a dominar o homem, seu criador, não entendo como este não se mostra eficiente no controle de suas ações e julgamentos - a evolução do ser racional parece não abranger todas as áreas dos seus pensamentos. Falar em emoções é mais fácil do que compreender o universo que as envolve, porém de nada custa observar alguns fatos desse amor mundano a que todos estão acostumados a presenciar.

Se antes o casamento selava um acordo entre nobres por razões claramente econômicas, com o tempo recebeu o ar do romantismo merecido, ganhando espaço no sonho das virgens inoce
ntes e outras mulheres não menos dignas: uma pitada de religião ao ciclo da vida. Nada mais comum do que procurar alguém para dividir as contas do fim do mês, a cama e as eternas conversas - infinitas até que a morte os separe, para realizar a façanha de ter filhos e concretizar planos que não saíram do papel por falta de motivação. No fundo, o casamento é um fruto do desespero, um ato rotineiro e vazio que busca estabilizar certezas que, bem, não são certas. Prometer amar alguém diante de todas as situações, ao longo dos anos, por motivos momentâneos - e ainda assinar por isso - é algo que realmente deveria ser levado a sério, ainda que beire a loucura. Independente da existência de um deus, as pessoas temem a maneira como vão morrer, se estarão sozinhas, quem se importará, essas coisas... Assumir o compromisso de eterno companheirismo tem o poder de confortar, ainda que hoje em dia seja muito mais recompensador se ver livre de um relacionamento do gênero... Enfim.

O casamento não encontra mais base na sociedade que vem send
o construída e isso pode ser visto na imaturidade e na forma precoce com que jovens e experts no assunto se relacionam. Desde muito cedo, por motivos diversos, cada pessoa cultua a outra como se fosse um produto descartável, às vezes útil, às vezes invisível, o que está presente em várias relações. A intensidade do problema é maior quando o indivíduo busca como aliados pequenos sintomas de seu descontrole, entre os quais o famoso ciúme e desejo de reabastecer seu ego com bons e novos elogios. O jogo de receber cuidados é perigoso, uma vez que nem sempre o encantamento é recíproco. Ainda assim, mesmo nos casos onde ambos os envolvidos se dizem apaixonados, não é raro o tratamento de "propriedade privada" que um recebe do outro - a velha história de querer ser o um entre um milhão, de não se contentar em ser o escolhido e tratar todo o resto como inimigos na guerra. Nasce, então, um sentimento de insegurança que, quando não é suprimido, é alimentado por uma série de acontecimentos muitas vezes irrelevantes e que, mal interpretados, dão início aos abalos na relação do casal.

Em outras palavras, é realmente irônica a experiência de exigir da "pessoa amada
" algumas mudanças, bem como afastá-la de sua vida social - uma vez que somos todos uma mistura de valores e sensações, de preto e branco, o que pode ser defeito para uns tende a ser bem-visto por olhos diferentes e exigir perfeição de alguém, em qualquer hipótese, é sinônimo de se afastar a passos largos da possibilidade dessa existir. A idéia de moldar algo a seu gosto é viável, mas somente para coisas inanimadas. Resquícios de experiências passadas podem ilustrar essa idéia.

As pessoas se habituaram a falar o "para sempre" o tempo todo, a não pensar que o amanhã traz impossibilidades - ou que nem este sempre chega. Agem com tanta simplicidade ao reclamarem dos problemas que tem que enfrentar ao longo dessas interações humanas, mas ignoram que desprezam a razão em momentos oportunos. É mais fácil ouvir o coração, o som do perigo, desarmar as preocupações com a certeza de que as imprudências sempre são saborosas - até provar do amargo, do azedo, do lado podre das emoções. Primeiro, o auto-conhecimento, depois o descobrimento do outro, do sexo oposto (ou não), do diferente, do que pode te complementar ou desestruturar: as coisas andam acontecendo de forma invertida, formando-se primeiro os laços para depois perceber os nós.

Sufocar o outro é uma das conseqüências de um problema puramente individual, onde o indivíduo deve ser capaz de perceber em si os erros a serem corrigidos. O homem não está mais acostumado a dividir, uma vez que desde cedo é ensinado a crescer diante dos medos, a enfrentá-los bravamente, sem tomar conhecimento de sua origem - podando o mal ao invés de arrancar-lhe as raízes. E, então, são cada vez mais numerosas as famosas desilusões, que tanto inspiram músicos e outros artistas, mais incompreensíveis e perturbadores os desfarces que algumas mentiras encarnam e, óbvio, mais frios e rápidos os relacionamentos. São crianças que brincam de adulto e adultos que insistem em serem crianças: a bagunça já está formada.

Uma das razões para a incompatibilidade é o famoso egoísmo - mas, em tempos de felicidade, ceder não parece ser uma tarefa árdua. Defender idéias também não é perigo quando se sabe com quem está lidando e o que está sendo dito - acredito que muitas confusões vem da não-reflexão das futuras situações inesper
adas (cabe nessa chave a vantagem do auto-conhecimento). Como última coisa a ser observada, nada é mais importante do que a tão discutida confiança - que se estabelece com o tempo e a certeza involuntária e ímpar de cada um da dupla.

Eu espero não ver mais sujeitos enrolados com fios no programa da Márcia, respondendo se traiu ou não a esposa, nem testes banais em revistas de meninas sobre a fidelidade ou a veracidade dos sentimentos "do gato por você", mas isso é apenas um daqueles desejos que estão bem longe da realidade. Até lá ainda vou ouvir muito sobre adolescentes e seus anéis de compromisso discutindo na parada de ônibus sobre a loira oferecida da festa de sexta ou coisa parecida. Nunca se sabe quais novos "problemas de casal" irão surgir - o que é certo é que, independente de suas naturezas, se acumularão sobre os já citados e tardarão a oferecerem a possibilidade de um adeus (tão nobres quanto os casamento das fábulas).



sábado, 28 de junho de 2008

Não é você.

"Eu deveria distribuir bulas, como se eu fosse um remédio com caixinha tarja-preta. Seria mais fácil para eu e todo mundo conviver em harmonia, sem esses dramas corriqueiros. Não que o egocentrismo tenha tapado meus olhos a ponto de impedir-me de aceitar a existência de outras pessoas, mas eu realmente penso que é mais complicado comigo - como a maioria deve pensar... Acontece que é tudo previsível. Veja, que legal!, nós nos beijamos. Sabe, nem sempre beijo é tudo na vida. É deprimente ficar entediada e desejar estar sozinha. Ainda bem que isso não parece acontecer com os outros habitantes desse planeta. No fundo, é até meio covarde aceitar ser um pedaço de alguma coisa para alguém que não tem nada, sabe. Quer dizer, é como alimentar vampiros com sangue de cadáver, sabe? E não existe isso de dizer que não sabia, porque a gente sempre sabe quando é importante - ou pelo menos tem um pouco de noção. É tão trágico pensar nessa relação de que mesmo 'sozinhos e felizes' existe a impressão ou curiosidade de como seria se fôssemos nós e mais um ou outro. E você liga a tv, assiste um filme, vai no supermercado e se depara com todo esse sentimento de que 'ok, você está sobrando, baby' - porque não tem ninguém para chamar de baby ou algo mais brega. A minha intenção não é seguir repetindo o que já se sabe, mas enfim, tentar jogar um balde de água fria nessa merda toda de construir e desmoronar. Nos outros animais essa relação macho-fêmea é tão mais objetiva, que inveja! Existe gente por toda parte, gente procurando qualquer coisa, gente sonhando com algo específico, gente ocupada demais com alguma coisa que perto da idéia de amor não é tão importante (tipo a cura da Aids), gente ocupada com qualquer outro pensamento. E, então, eu penso: onde eu me coloco? Porque eu não estou procurando ninguém, não sou exatamente ocupada com nada e metade das coisas que eu digo eu invento na hora. A idéia da bula não é original, mas realmente não é má idéia. Acabaria com a mágica da coisa, mas seria tão mais eficiente aceitar e recusar paixonites alheias como se faz com contatos do Orkut. Não é querer promover a libertinagem, mas o apego emocional inibe tantas sensações. Cruzar a linha é algo tão simples e perigoso quando se fala em relacionamentos - depois que algo começa isso só tende a acabar. Ótimo, renovação! - você pensa, mas a conseqüência chega em uma mala de problemas que te tiram o sono. Pensando na Clementine, na Claudia e numa outra personagem de um outro filme, da linha "que toda adolescente acha meigo", não parece horrível não autorizar alguém a alimentar sentimentos por mim. Isso pode ser encarado como uma sinceridade fria e resumiria muita coisa. "Oi, não quero ter nada com você pois sei que vou ficar entediada" - dizer isso e resistir àquelas frases de efeito comuns, onde a pessoa promete que vai agir de um jeito diferente - isso é triste, uma vez que ela vai pensar em alguma história comum de relacionamento que fracassou entre você e outro alguém. A primeira coisa é pensar que te traíram, a segunda é perto disso - e nunca chegam no real problema. Até por isso eu não acho um crime o típico suspiro de "não é você, sou eu". Afinal, sou eu que escondi todo esse emaranhado de coisas que você me fez ou não sentir. Ou não escondi, como pode acontecer, mas, enfim, você não viu - e isso não é motivo para mais drama e músicas com a letra "mas você não viu...", tipo Pitty. Realmente, perderia a graça escrever um manual... dizer que eu visto cinza nos dias cinzas e preto nos momentos de raiva, comentar que verde ajuda a destilar veneno e rosa é sinônimo de insegurança. O processo de decadência faz parte da evolução, sabe. Eu falo disso, de saber ouvir, entender e crescer. O problema maior é que as pessoas simplesmente trocam as duplas e se esquecem das vezes em que foram ridículas, seja por fazerem ou não alguma coisa. O que me faz agir como um tabuleiro de xadrez é pensar que as jogadas são previsíveis, uma vez que se percebe quem são os jogadores por trás das peças. Mas eu queria dizer que comigo é mais complicado, não é? Então talvez não adiante muito concluir com "não é você, sou eu" como justificativa. Que se foda."

Laurah.


(Sem mais posts com a temática 'amorzinho' pela frente - eu espero.)

terça-feira, 17 de junho de 2008

'Alguém'


E ele abriu os braços rapidamente, protegendo aquele pedaço de solidão. Sabia que se completavam - ao menos nessa semelhança, onde um concluía a tristeza inacabada do vazio do outro. Seria um abraço silencioso, não fosse o soluço abafado. Normalmente ele sabia o que fazer, mas essa situação foi totalmente inesperada. Olhou ao redor, pensou em acomodá-la em um banco, mas não fez nada além de acariciar seus cabelos, um tanto nervoso. Paralelamente, seus pensamentos beiravam o branco - não havia o que precisasse ser nítido, uma vez que era ele quem deveria manter o controle. O vento gélido não foi suficiente para acabar com o calor daqueles corpos tão colados, unidos não só pelo toque da pele. Algum outro narrador mais piegas enfatizaria que os dois corações batiam juntos, mas falar isso com tanta emoção seria denunciar que eu nunca vivi tal sentimento. Falar na terceira pessoa pode ter um sabor especial, sabendo que posso acrescentar detalhes e enfeites que não passariam de fantasia aos olhos de quem lê caso eu me posicionasse como a mocinha desabrigada que busca refúgio nos ombros de um alguém. Nos ombros de um alguém. O ponto é que encontrar 'alguém' vai muito além de trocar carícias e palavras, muito além das verdades e mentiras que se cruzam nos olhos, muito além de conhecer uma pessoa e gostar dela - aprender a gostar, como diriam alguns. Diferente do que se lê em poemas ou se percebe em uma novela global, o processo do autoconhecimento nem sempre é individual, simples ou descritível. Ás vezes, é preciso buscar em um abraço o pedaço que falta, que insiste em gritar - uma vez que o soluço se silencia, a terceira pessoa - ou eu, como quiser -, sabe que está diante de 'alguém'.

sábado, 31 de maio de 2008

Tallulah.

As mãos do pianista não descansaram sobre seus joelhos nenhum instante, embora não fossem muitos os que dançavam as lindas músicas. Belas mulheres, esculpidas por vestidos majestosos, rodeadas de imponentes homens cujos trajes traziam insígnias reluzentes. A noite de lua cheia fora esquecida dentro do castelo, onde o burburinho das senhoras e as risadas dos homens mais velhos ecoava por todos os cômodos.

Da Sala de Armas saiu um homem apressado, ajeitando os cabelos longos para dentro do pedaço de fita. Pela expressão, notava-se seu atraso para a cerimônia. Desceu as escadas aos pulos, diminuindo o passo nos últimos degraus. Procurava ansioso uma dama por quem se encantara há muito, desde que os dois eram crianças. Tinham sido afastados quando a família dela resolveu ocupar novas terras, fruto de alguma herança misteriosa.

Breve silêncio - o pianista foi descansar, se servir do que sobrara do banquete. Era um jovem viúvo, capaz de receber um ou outro olhar devasso das moças mais atrevidas, que nunca realmente conheceram o significado de honra. Passou por uma mesa coberta de cálices vazios, onde um casal meio embriagado trocava palavras no ouvido um do outro. Reconheceu outra jovem a sua frente, cujo vestido não era claro nem brilhante como o das demais.

- Não te vi dançar.

Ela sorriu graciosa, fechando os olhos ternamente antes de voltar à posição inicial - os braços cruzados e o rosto sério. Devia ser a única que realmente respeitava o trabalho do músico, colocando-o em um nível de importância acima de qualquer outro ofício - apesar de gozar da riqueza, não sentia necessidade e nem via razão no luxo. Passava a maior parte do dia montada em um cavalo, ao contrário das damas que desde cedo se concentravam em bordar seus enxovais.

Os trajes em cor diferente fizeram um terceiro homem ser notado na porta principal, que dava acesso aos jardins. Não era da Família Real, mas todos que moravam na região o conheciam como um nobre viajante, hóspede de um importante amigo do rei. Não estava disposto a perder o grande baile, mas tinha um motivo diferente para isso: o prazer de beber e comer à vontade, com boa música e donzelas à disposição lhe parecia ínfimo.

Tocou o chão com rapidez - os olhos fixos na jovem que tanto procurara, na tentativa de não perdê-la de vista (nunca mais). Atravessou o salão, desviou de candelabros e empregados, se desvencilhou de crianças e cadeiras que obstruíam seu caminho. Sorriu afoito, lhe faltava o ar - a idéia de ter tão perto novamente sua preciosa menina, a única que um dia arrancara dele uma promessa.

Os dedos pálidos voltaram a tocar as teclas esmaltadas, produzindo uma melodia doce e convidativa. O salão, visto do alto, parecia recheado de babados coloridos, que rodopiavam alegremente de um lado para o outro. Parecia preencher todos os espaços, mas o pianista sabia que o vazio sob o grande lustre de cristais só era digno de uma das mulheres presentes.

Para Tallulah, o viajante era um desconhecido qualquer. Para ele, ela poderia ser apenas uma aventura - e que desperdício, pensariam os observadores. Mas quis o destino manter os dois separados, infelizmente, mas enlaçados por semelhanças ainda não descobertas. De um homem curvado diante da linda dama surgiu um convite inesperado. Não foi recusado, nem aceito com louvor. Ela não queria dançar, não aquela música. Além disso, ainda que não fosse sua intenção mencionar, estava claro que ela esperava ter a companhia de outra pessoa.

Ele se mostrou desapontado e ofendido, lamentando que ela estivesse prometida a outro homem. Não estou, ela respondeu, analisando-o com atenção. Sua fisionomia não lhe era desconhecida, mas fugia-lhe da memória a identidade de seu galante admirador. Perguntou seu nome, mas a resposta foi negada. Arriscou palpites, mas nenhum com muito sucesso. Ouviu, então, uma longa e dramática história, sobre percorrer campos durante dias e noites sem fim e enfrentar uma série de infortúnios - tudo para vê-la mais uma vez, tocar sua pele e ter a certeza de que a mulher dos seus sonhos era real e tinha aroma tão bom quanto o da lembrança.

Se amaram no passado, mas o tempo lavou qualquer resquício de paixão que impedisse Tallulah de lutar por sua liberdade - não gostava de se ver presa às coisas, resistia às inevitáveis e constantes ofertas de casamentos, cada um com um plano de futuro promissor mais pomposo que o outro. Só não era considerada a vergonha da família por ser realmente a mulher mais bonita do reino, o que conferia uma série extra de adjetivos. Ela não só se espantara com a confissão em que se transformaram suas brincadeiras inocentes de infância, como deixara isso transparecer em seus gestos enquanto se explicava, um tanto impaciente.

O homem das vestes azuis interrompeu a conversa, silenciando os dois - os olhos do outro faiscando. Tomou o braço de Tallulah gentilmente, esboçando um sorriso. Não fora tímido ao fazer um sinal para o pianista que, consentindo, alternou a escala de notas musicais, dando início a uma nova sonata... diferente e um tanto especial, que nunca fora apreciada antes. Todos os penteados não faziam sentido, nem rendas, nem jóias: quem tivesse a delicadeza de apreciar as feições do casal que se encaixava na coreografia entenderia que nem tempo nem distância seria capaz de separar os dois desconhecidos - amantes em silêncio.

"Tallulah, it's easier to live alone than fear the time is over..."
Sonata Arctica