segunda-feira, 22 de setembro de 2008

pt. 12

- Só isso?! Entrou no bar da esquina, pediu uma bebida e voltou? - Os dedos no queixo, alisando uma barbicha imaginada, demonstravam o quão inquieto o homem estava. Não se conformava com a inocência do erro de Antoine. - Mas ele não ligou pra ninguém, não tirou o celular do bolso, não encontrou nenhum conhecido?
- Não, não encontrou ninguém. E ficou bastante incomodado quando eu me aproximei.
- Sim, homem.Quem é que não fica? - Levantou-se de imediato e deu início a uma incessante caminhada pelo escritório. Contava nos dedos as imprudências do rapaz em questão. - Ele pode ser muito útil, mas eu preciso que ele cresça, que pare de mentalizar isso como se fosse um filme cheio de... cheio de...
- Sortilégios? - Thomas calou-se em seguida, afundando-se na poltrona empoeirada. Ficou esperando reação de Arthur, mas este pareceu não ter dado ouvidos.
- O que eu quero dizer é que eu deixo tudo nas mãos dele, tudo o que não precisa de muito esforço para dar certo, sabe? Aquela história infeliz que ele inventou para a menina... aquilo é um absurdo... Me diz quem divulga suicídio num jornal? E porquê uma folha daquele tamanho, com foto? Ela não é nenhuma celebridade para aparecer em vários jornais e chocar o mundo. Ela mal tem família, aquela desalmada!
- É... mas o garoto é novato, Arthur. Você entrega tudo nas mãos dele, é nisso que dá. E, digo mais, você tem culpa no cartório... Acho bom não deixar mesmo tudo tão fácil, tão barato pra ele. Só que, pra isso, você tem que dar o exemplo, mostrar a ele o que deve ser feito.
- Você diz para eu fornecer instrumentos, mas eu não acho que ele esteja pronto. Se ele soubesse o futuro que lhe espera... Ah, se ele soubesse.
- Pois, então, conta pra ele.
- Não. Ainda não é tempo. - Parou de se mexer, por fim, sentando-se sobre a mesa, mas continuou pensando em voz alta. - E ela acreditou ainda. Um pior do que o outro! Seria tão melhor dizer que ela foi vítima de um acidente qualquer... "Virou um ônibus na estrada", sei lá. Representar ela como só mais uma: é esse gosto que eu quero que ela prove. Até agora foi muito mimada.
- Corria tudo bem quando ela ainda trabalhava para a Lorah.
- É, mas naquele dia em que o Antoine trouxe ela pra cá teria dado tudo errado se ele não tivesse agido. A Lorah errou feio ao colocar um qualquer na jogada. O que era aquele "cliente"? Não podia ter simplesmente armado uma história? Pra quê colocar pessoas reais em jogo? São negócios, negócios! É o meu dinheiro que está ali.
______
Arthur puxou uma jaqueta das costas da cadeira, vestindo-a em seqüência. Tateou o interior de uma gaveta entreaberta e tirou dela um molho de chaves reluzentes. Seus gestos serviram como um convite para o segurança se retirar do aposento também. Continuaram a conversa corredor afora.
- E como ficou aquela história? Ele ficou com raiva de você?
- Não me importa. Eu deixei ele naquele quarto, como você pediu. Ele relutou um pouco, mas viu que não tinha jeito.
- Não apelou?
- Chantagem emocional? Não... Eu sou homem, ele não ia tentar umas coisa dessas comigo. Ainda mais depois do banho de catchup.
- É. - Olhou de esguelha para Thomas. - O que eu achei um tanto inadequado... Mandei que o cultivasse como um aliado.
- Ah, ele é muito gosminha. Só sabe pensar em "garotas e bebidas", como ele mesmo fala. - Afinou a voz ao imitar o colega de trabalho. - Ele tem que aprender que não têm mais doze anos.
- Eu não pensava em bebida aos doze anos.
- Em compensação, agora todo o dia tira o atraso... - Ambos gargalharam em alto e bom som. A verdade é que Arthur não gostou do comentário, mas não queria se indispor com o segurança. As coisas não iam bem e não era hora de complicar ainda mais os afazeres. Apesar do avanço, de uma ou outra surpresa por parte de Agatha, não estava certo de que a jovem se adaptaria. A decisão de deixá-la circular pelo esconderijo fora repentina e até desesperada, embora não fosse motivo para arrependimento. Mais fácil deixá-la ocupada com qualquer coisa do que sustentar uma rotina que em nada a faz evoluir.
- Acompanhe Rudolph na reunião de hoje. Não vou comparecer.
- Mas, chefe, é uma reunião importante. O Rudolph não é muito competente... você sabe como ele reage com certa pressão... e ainda dispensa o uso de calculadora...
- Que seja, Thomas, que seja. Cuide para que ele não enfie a empresa na lama. - Parou os passos, de imediato, e virou-se de frente para a enorme figura que andava à sua esquerda. - E, por favor, não deixe que ele saiba o que estou planejando, sim? - O rosto inclinou-se, expondo os olhos faiscantes que pareciam tímidos quando as sobrancelhas não se arqueavam.
______Arthur deixou o segurança para trás e seguiu pelo labirinto escuro que o levava aos demais cômodos da casa. Passou pela cozinha, onde cumprimentou a cozinheira com um aceno de cabeça: mudar os modos ao se dirigir a outras pessoas se tornou um hábito peculiar. E, de novo, substituiu sua expressão por outra ao ver uma silhueta feminina encostada a parede, dentro de um quarto ainda mais afastado e recheado de alarmes e câmeras.
- Oh, minha querida, como tem passado?
- Poupe-me, Arthur, poupe-me.
- Seus cigarros acabaram de novo? Vi que tem fumado mais do que o habitual.
- Não, ainda tenho alguns por aí. Quer? - Lorah parecia abatida, mas isso não fez com que ela se mostrasse menos sedutora.
- Não, querida, eu não fumo e você sabe. - Ele encenou um ar de desaprovação exagerado.
- Então, o que te trouxe aqui?
- Custa muito me ouvir? - A falsa cordialidade do homem era muito bem sustentada pelo seu tom de voz agradável.
- Não, eu não quis dizer isso... - Ela se levantou, deslizando as mãos pelos cabelos sedosos e vindo de encontro ao chefe. Aproximou-se com a respiração compassada, erguendo-se aos poucos nas pontas dos pés, parando diante da boca de Arthur.
- É claro que não. - Ele baixou os olhos e aproveitou a oportunidade para voltar a agir normalmente, como o velho seco e impaciente que era. Afastou-se a passos largos, deixando Lorah num misto de vergonha e raiva.
Desaprovava as repetidas investidas da mulher e, por vezes, sentiu vontade de interrompê-la com um tapa no rosto. Deu uma risada baixa antes de prosseguir. - A garota pensa que é com ela. Todo esse plano para ensiná-lo a brincar e ele lida com essa imaturidade...
- Isso é exagero, Arthur. - Desgostosa com a cena anterior, Lorah agora falava com a mais severa naturalidade de qualquer pessoa com senso de profissionalismo. - Deixa o garoto fazer as besteiras dele, ele está em treinamento.
- Aí é que está! - Ele berrou, levantando os braços acima da cabeça. - É ele, é ele, Lorah.
- Você diz...? - Sua expressão ficou ainda mais séria, mas pontuada com um quê de preocupação quase maternal.
- Sim...
- Certeza?
- Eu não me engano duas vezes, Lorah.
- Hum... bom, então fala pra ele logo. Você não tem muito tempo.
- Mas é estranho, é estranho concordar em ser pai dele assim, de uma hora pra outra.
- Você não está falando sério, Arthur, são só papéis. Só papéis.
- Papéis e dinheiro.
- Ainda assim papéis.
- Mas e se ele deixar tudo que eu construí afundar?
- Então não é o lugar onde ele deveria estar.
- E você acredita que faria isso melhor?
- Convenhamos, Arthur, nós sabemos do que eu sou capaz. E já não é sem tempo, né? Faz anos que eu estou tentando te convencer... Eu estive do seu lado, querido, desde o começo. Eu te vi fazer tudo o que fez, eu acompanhei sua carreira, sua ascensão, seus erros... Arthur, eu sei de tudo que você precisa e não precisa!
______Arthur acompanhou a revelação surpreso com a "modéstia" da mulher, apreciando o som podre que cada sílaba parecia produzir... Só não fechava os olhos para ser mais fácil de acreditar nas barbaridades que ouvia. Nunca na vida colocou seus segredos à disposição de qualquer pessoa que não fosse avaliada para isso. Conhecia Lorah há algum tempo, verdade, mas em momento algum deixou-se envolver por suas ações de falsa amizade, onde o interesse pelos negócios era tamanho que não poupava o próprio corpo.
- Mais alguma palavra, querida?
- Eu disse tudo o que você já sabia.
- Naturalmente. - consentiu o homem. - Então, vejo que não nos veremos tão cedo.
- De novo? - Ela exprimiu um sorriso nervoso. - Olha... eu não queria falar disso, mas eu não estou muito confortável por aqui. A sua casa é bonita, sim, mas eu sinto falta de... hum... movimento... sabe? - O que foi dito ganhou dois sentidos, embora o desejo maior fosse de exaltar que o ambiente sem pessoas lhe trazia certa angústia.
- Movimento? - Arthur riu maliciosamente, os olhos apertados por trás das lentes.
- É... movimento. - Ela passou a mão nos cabelos e ficou à espera de um convite qualquer, que não aconteceu. - Mas vejo que você ia falar algo e foi interrompido. Prossiga, querido.
- Eu disse que não vou te ver tão cedo. - O silêncio que se seguiu entregou a gravidade da situação. Em questão de segundos Lorah virou às costas para Arthur, se projetando para frente, buscando apoiar as mãos nas grades que embelezavam o contorno da cama.
- Seu traidor... você disse que não ia... não ia... - A fala foi interrompida por um grito de dor e horror que aos, poucos, deu lugar a gemidos e resmungos baixos... As balas da arma de Arthur acertaram pontos vitais do corpo de Lorah. Era questão de tempo até encontrá-la sob seis ou sete palmos do chão.
______Satisfeito, o velho acomodou o revólver de volta no bolso. Recuou alguns passos, para então se virar para a porta. Não se lembrou de tê-la deixado aberta, mas aprenderia em breve que esse tipo de esquecimento poderia rascunhar novos problemas: Agatha estava parada no corredor, as mãos tapando a boca e abafando os soluços chorosos.


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