sexta-feira, 21 de novembro de 2008

amor fora da lei


Com os pés no chão gelado pelo frescor da madrugada, ela abriu a geladeira e tirou do centro a única coisa que ali havia: uma jarra transparente, contendo um líquido ainda mais cristalino. O som da água encontrando o fundo do copo ecoou no silêncio da noite clara, de poucas nuvens. O céu, que anunciava o princípio da manhã, foi apreciado pela fresta da janela. A brisa deliciosa, de arrepiar a pele, era constante nessa época do ano.

Uma xícara de café seria mais do que o suficiente para um despertar agradável, mas ela queria mais e, junto com o conhaque, degustou dois bombons de uma caixa de chocolates franceses. Lambeu os dedos e os secou nas laterais da regata cinza e comprida que vestia. Os azulejos, os bancos e todas as nuances que aquele dia 21 poderiam oferecer foram apreciados com estima. Tudo estava tão blue. E, sem mais nem menos, ela começou a se perguntar sobre a noite passada.

Caminhou com passos leves até a cama, onde um homem dormia esparramado sobre o edredom. Parecia ser bonito, realmente bonito. Suspirou profundamente e inclinou-se, acomodando o copo no chão, no lado esquerdo da porta. Curvou o corpo ainda mais e agora engatinhava em frente aos móveis, com o olhar sorrateiro de quem procura determinado objeto. Não demorou para concluir que o tal não estaria embaixo do colchão. Resolveu experimentar o clássico: pôs-se, então, a vasculhar o gavetão de meias e cuecas. Ali estava a minúscula chave.

Um último gole antes de empurrar, com o pé, o copo para debaixo de uma cadeira, de forma a tirá-lo do caminho. Olhou carinhosamente para o dono dos ruídos de quem se deixa levar pelos sonhos. Voltou-se para a parede, sorrindo com os lábios. Não existia maldade naquela cena, nem pureza naquele ato.

Nada mais previsível do que esconder um cofre com um quadro. E não era um quadro qualquer: não exibia o corpo de uma mulher seminua, nem flores ou figuras geométricas, mas uma paisagem escura e até triste, em tons de cinza e azul. A vida em grafite sempre atraiu aquela mulher. Tirou cuidadosamente o retângulo da parede, sem hesitar. Não sentia nem um mínimo de ansiedade, o que talvez declarasse sua falta de caráter. Mas não era assim de verdade.

Em poucos minutos, a chave estava no seu devido lugar; o copo brilhava limpo e seco; o tapete do banheiro voltara a ser desarrumado, com jeito de gesto de homem. Ela pensou em devolver a roupa dele ao sair, mas sentiria falta daquela recordação. Ao invés disso, esticou sobre a poltrona da sala o lindo vestido preto que usara na noite anterior, em troca da regata cinza. Borrifou o vestido com seu perfume e deixou um cartão sobre a mesa, ao lado da garrafa de conhaque vazia.

Despediu-se silenciosamente do apartamento, lamentando a impossibilidade de voltar. Mas valeria a pena toda a saudade: vários e vários dólares na mão a fariam esquecer de qualquer coisa, qualquer coisa. Repousou sobre o cinzeiro o cigarro manchado de batom e, ao ouvir o som dos lençóis se movimentando com o balançar de um corpo, levantou-se de imediato, calçando os escarpins pretos e envernizados. Antes de bater a porta, seus olhos cruzaram-se com os dele, que ainda não estavam bem abertos - desavisados.

Antes fosse uma experiência única, na qual uma mulher atraente de uma festa qualquer rouba dinheiro do cara com quem passou a noite: muitos foram vítimas da mesma. E acabava sempre assim, silencioso. Por mais blue que fosse, esse era o estilo de vida em tons grafite do qual ela tanto gostava. Não havia reação masculina diante do incrédulo, nem culpa por parte da amante: fazia seu serviço, e bem feito - não era por isso que precisava ser paga. O caso não se tratava de como sobreviver às custas do furto, mas da solidão - se apaixonava todas as noites e, ao acordar, só encontrava um jeito de se afastar: se não fosse pela dor da irreciprocidade, que nunca chegou a conhecer, provocaria um jeito de envergonhar-se e, a partir dessa atitude, fugir.

2 comentários:

Ivy disse...

1 em cada 33 milhões de cofres têm chave. =P (existem fotos no google como prova disso)

ok, tentarei não cometer mais furos.
sadhuiahuisahuisdahidhuiasd

gosm.. digo.

Guilherme Gomes Ferreira disse...

minha nossa! que coisa mais legal esse texto! e eu nem reparei no detalhe da chave do cofre. Ahh, que demais Ivy Ivy, de verdade, o texto e a história estão maravilhosos, demais mesmo *.*

Mas ahhh, tadinho do rapaz, foi saqueado hehe...

nháá =D