quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Livro do Desassossego

Eu tenho isso em uma folha. Achei tão realista e legal. Enfim, queria postar porque me identifiquei e porque a folha pode sumir por aí.
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A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação. O que sinto, na verdadeira substância com que o sinto, é absolutamente incomunicável; e quanto mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é. Para que eu, pois, possa transmitir a outrem o que sinto, tenho que traduzir os meus sentimentos na linguagem dele, isto é, que dizer tais coisas como sendo as que eu sinto, que ele, lendo-as, sinta exactamente o que eu senti. E como este outrem é, por hipótese de arte, não esta ou aquela pessoa, mas toda a gente, isto é, aquela pessoa que é comum a todas as pessoas, o que, afinal, tenho que fazer é converter os meus sentimentos num sentimento humano típico, ainda que pervertendo a verdadeira natureza daquilo que senti.

Tudo quanto é abstracto é difícil de compreender, porque é difícil de conseguir para ele a atenção de quem o leia. Darei, por isso, um exemplo simples, em que as abstracções que formei se concretizarão. Suponha-se que, por um motivo qualquer, que pode ser o cansaço de fazer contas ou o tédio de não ter que fazer, cai sobre mim uma tristeza vaga da vida, uma angústia de mim que me perturba e inquieta. Se vou traduzir esta emoção por frases que de perto a cinjam, quanto mais de perto a cinjo, mais a dou como propriamente minha, menos, portanto, a comunico a outros. E, se não há comunicá-la a outros, é mais justo e mais fácil senti-la sem a escrever.
Suponha-se, porém, que desejo comunicá-la a outros, isto é, fazer dela arte, pois a arte é a comunicação aos outros da nossa identidade íntima com eles; sem o que nem há comunicação nem necessidade de a fazer. Procuro qual será a emoção humana vulgar que tenha o tom, o tipo, a forma desta emoção em que estou agora, pelas razões inumanas e particulares de ser um guarda-livros cansado ou um lisboeta aborrecido. E verifico que o tipo de emoção vulgar que produz, na alma vulgar, esta mesma emoção é a saudade da infância perdida.
Tenho a chave para a porta do meu tema. Escrevo e choro a minha infância perdida; demoro-me comovidamente sobre os pormenores de pessoas e mobília da velha casa na província; evoco a felicidade de não ter direitos nem deveres, de ser livre por não saber pensar nem sentir – e esta evocação, se for bem feita como prosa e visões, vai despertar no meu leitor exactamente a emoção que eu senti, e que nada tinha com infância.
Menti? Não, compreendi. Que a mentira, salvo a que é infantil e espontânea, e nasce da vontade de estar a sonhar, é tão-somente a noção da existência real dos outros e da necessidade de conformar a essa existência a nossa, que se não pode conformar a ela. A mentira é simplesmente a linguagem ideal da alma, pois, assim como nos servimos de palavras, que são sons articulados de uma maneira absurda, para em linguagem real traduzir os mais íntimos e subtis movimentos da emoção e do pensamento, que as palavras forçosamente não poderão nunca traduzir, assim nos servimos da mentira e da ficção para nos entendermos uns aos outros, o que, com a verdade, própria e intransmissível, se nunca poderia fazer.
A arte mente porque é social. E há só duas grandes formas de arte – uma que se dirige à nossa alma profunda, a outra que se dirige à nossa alma atenta. A primeira é a poesia, o romance a segunda. A primeira começa a mentir na própria estrutura; a segunda começa a mentir na própria intenção. Uma pretende dar-nos a verdade por meio de linhas variadamente regradas, que mentem à inerência da fala; outra pretende dar-nos a verdade por uma realidade que todos sabemos bem que nunca houve.

Bernardo Soares (Fernando Pessoa), Livro do Desassossego -
§ 260



terça-feira, 27 de novembro de 2007

Ex-amigos

Título sugestivo.

Dirão que você engordou, que seu cabelo está uma palha, que suas roupas mudaram (para pior) ou que você está se achando (se ficar impossível aceitar que você melhorou).
Reviverão velhas histórias suas, enfatizando versões que não condizem com a realidade.
Rirão disso com suas novas amizades e concordarão com os novos insultos que serão lançados.
Considerarão você um babaca, ainda que compartilhem das mesmas opiniões.
Culparão seus amigos, dirão que foram o motivo da 'separação'. Talvez alguns se salvem, 'alguns que ainda não provaram do seu veneno' ou que pensem como eles pensam - "afinal, são boas pessoas".
Muitos vão te olhar nos olhos, lançando desafios, outros buscarão dramatizar uma falsa-indiferença.
Vão achar que você não é tão feliz com as pessoas com quem se envolve, vão sonhar com momentos em que você fica exposto - e rirão de tudo isso como se não existisse nem um pingo de medo no riso.
Vão enfrentar seus pais, dizer que você anda estranho, que a(s) pessoa(s) com quem você se relaciona não te merece(m) (ou muito pelo contrário).
Serão eternos cultivadores de laços de desprezo.
"Porque nada começa nem termina assim por acaso."
Ah, os seres humanos são tão desprezíveis..!

Existem os que esquecem do que vivem e os que vivem apenas do que supostamente já esqueceram.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

"Tudo bem."

pelados somos todos iguais.
só pelados. e só nessa frase.

querem que a gente diga que é tudo bonito e engraçado porque está todo mundo acostumado a fingir que é assim que funciona mesmo. porque alguém um dia disse que assim era melhor e então começou a encenação. porque essa pessoa devia ser boa e de influência e porque a vida é vista como o lado bom e a morte como o lado ruim. porque ninguém sabe como é estar morto, então age como se estar vivo fosse o paraíso - sendo que você vive meigamente para ir para o paraíso na morte também. porque é mais fácil fingir não ver do que tentar mudar o quadro borrado. ou porque alguém disse que quadros borrados não vendem tão bem mesmo. (que povo mais capitalista...)


querem promover a união, sendo que ela só existe onde há plural. muitas minorias são feitas de singular. seria o plural das minorias? ou a singularização do plural? ok, só falei isso para brincar com as palavras... que sem graça.

só sei que não funciona.
política natalina de terceiro ano não rola.
porque no meu álbum as fotos são vazias. de gente e de emoção. e eu não acho que tenha que fazer muito mais do que isso e preencher tudo. as coisas só são boas se existem as ruins para servirem de experiência não repetitível.

quero poucos abraços, porque quero ir embora logo e comer algo gordo. porque eu gosto de comer e não gosto de pessoas. (também no sentido "pessoas") não espero realmente mais do qu
e desejo. vai ser bom me sentir uma mosca, entre as abelhas-rainha. não quero ter uma bunda listrada e amarela, não quero embuxar ninguém com mel e não pretendo me aglomerar nas árvores. vou só descer as escadas, sair e comer.

não tenho vontade de escrever o que me pediram, pois gosto de escrever coisas que eu gosto para dizer o que eu sinto. gastar tempo para fingir pertencer ao que eu não pertenço e posar de elegante não vai me tornar uma abelha, nem que eu quisesse. eu gosto de não pertencer. gosto porque fico livre para voar para onde eu quero, como as moscas são. elas são sujas e ninguém toca spray nelas. basta um gesto brusco e elas vão embora. e retornam. mas ninguém taca spray nelas.
tudo bem, isso parece desinteressante.

talvez se eu tivesse o cabelo azul minha vida parecesse mais poética. mas eu gosto de ter meu quarto de criança de seis anos e gosto de pensar que tenho cara de biscoito.
o que me deixa triste é pensar que quando a gente é espontânea algumas coisas mudam, algumas pessoas se afastam e fingem que está tudo bem.


terça-feira, 13 de novembro de 2007

Twain .

não gosto de olhar fotografias e me ver, sorrindo, ao lado de gente que não conheço. pessoas que estudam comigo, que freqüentam os mesmos lugares ou que, de uma forma ou de outra, se enquadram no meu campo de visão. e então me perguntam se eu me arrependo de ter feito poses, de ter abraçado quem não conhecia, de ter mostrado os dentes aos estranhos. a resposta é negativa. não poderia ser outra. sorrisos são espontâneos. se não são assim, não são exatamente sorrisos. a gente sai com cara de idiota, não sai com um ar de alegre.
não gosto de escutar determinadas músicas que me fazem lembrar de determinadas situações. não gosto de nomes estampados na memória - nomes que não dizem nada, mas que trazem infinitas recordações. não gosto de pensar que tudo poderia ser diferente. decepções são coisas estranhas, cara. por mais que você pense em soluções ou em atitudes que poderiam ter solucionado o problema antes desse tomar corpo, não se pode negar que o final de tudo não tardaria a chegar. pensar que não só aumenta a culpa. encontrar justificativas é um erro contínuo.
o ser humano é realmente egoísta. e tem razão em ser: se não vive para si, viverá para o quê ou quem? é claro que existem momentos em que nos deixamos levar pelo prazer de fazer bem
a alguém. a divisão de coisas boas são, no fundo, sinônimo de multiplicação das mesmas. o equívoco está na hora de parar: caso a linha seja cruzada, o efeito pode ser péssimo e irreversível. a influência da emoção vai além da compreensão - ela é capaz de controlar pensamentos e ações. subestimá-la é mais perigoso do que parece.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Crise Tepeêmica

eu não vou marcar a escola. não fiz nenhum feito, não fui a melhor aluna. nem aprontei. fiz amigos lá. alguns vão continuar "lá", com essa idéia de passado mesmo. fiz inimizades. eu e todo mundo. não escrevi meu nome nas paredes, não quebrei nada. esvaziei um vidrinho do laboratório sem querer e quase colocaram minha cabeça à venda por isso. mas só por alguns segundos. nunca comi o cachorro quente do bar, pois ele tem cara de ser ruim - ainda que digam o contrário. a professora que eu mais gosto é uma filha da puta, que esquece o que diz e das mínimas noções de ética. esse ano eu não levei nenhum gol - porque esse ano eu não me arrisquei a ser goleira. não usei uniforme quando deveria, não lavei o cabelo o número de vezes que eu gostaria e não consegui estreiar meu esmalte pretão gostosão. eu vou escrever um texto com uma garota para um grupo de pessoas que provavelmente nem sabe minha idade, meu nome completo ou se eu tenho um sinal cabeludo e nojento na cara - é capaz de alguém dizer que sim. não gosto de coisas excessivamente geladas e, por mais que eu teime em dizer que gosto de coisas quentes, sempre assopro- as um pouco antes de beber. vejo maldade em tudo. até nas coisas mais bestas. poderia escrever pro Zorra Total. não tem nada que faça de mim um bom ou um mau exemplo. eu não sei dormir, ainda não aprendi a fazer isso na hora que eu quero e posso. me alimento mal - como só porcaria, duas vezes ao dia. não tenho paciência com meninas. nem com meninos, mas meninas exigem mais cuidado - o que é totalmente irritante. eu não sou gay, nem hetero. nem merda nenhuma. tenho preconceito contra gente preconceituosa e preconceito com um monte de gente que não merece - em relação a tudo, não ao fator opção sexual. digo que odeio essa perseguição do mundo arco-íris, onde o assunto se concentra nisso, mas também não fujo dessa rotina. pertenço ao sistema praticando a preguiça e a reclamação em volume baixo, porque não tenho coragem ou esperança de incentivar alguma mudança. falo demais e escrevo demais. me exponho demais e, ainda assim, consigo não ser ninguém.


sábado, 3 de novembro de 2007

Sinceramente?

Existiu um período em que eu falava muito isso: "sinceramente?". Era como se na outra parte do tempo eu me ocupasse falando mentiras às pessoas - ou à mim mesma. Não deixava de ser essa última opção. Eu sei que foi nessa época que eu tive meus ataques de franqueza - aquilo de dizer a coisa certa na hora errada. Porque as vezes a situação é mais delicada do que parece. E porque não é sempre que quem pergunta quer realmente saber a resposta - principalmente se essa não é agradável aos seus ouvidos... O "sinceramente?" era prenúncio de que alguma crítica estava a caminho, agora impedida de ficar calada. Nunca vi ninguém responder "não". Talvez a expressão desse alguma esperança de tempo bom. Mas sempre chovia.
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Sabe aquelas milhões de frases clichês que eu, você e todo o mundo crescemos ouvindo? Que o que tiver que ser será? Que quando for Amor a gente simplesmente vai saber? Pois é. São bobagem. São sim - até o dia em que você vai acordar ou se deparar com alguma situação ode seja impossível negá-las. Eu gosto de pregar que a gente não deve buscar um perfil específico, uma "pessoa perfeita". Até porque se for per
feita mesmo, a gente não vai estar à altura. E sempre existem milhões de porquês. Legal de verdade é aprender a lidar com as diferenças, conviver com uma pessoa que pense diferente, que tenha outras manias e ainda ter a coragem de não trocar o abraço dela por nenhum outro. Cada um tem um histórico de paixonites diferente. Eu acho que nunca me permiti mesmo. No sentido de cravar os pés no chão, não se entregar. Até porque existia dúvida no ar. Por mais bela que a vida fosse, era algo arriscado, incerto, inseguro. Perigoso mesmo é o período de discussões. Violência verbal, ás vezes física - de várias formas, pois sim. Sabe, aquilo de ver que nenhum dos dois está feliz, mas ainda assim lutar pelos 80%. Pelos 60, 50, 30... lutar pelo carinho que restou, pela amizade. Pelo tempo que foi bom e acabou. Eu estava colocando os tênis quando me liguei que não estava tudo bem. Aqueles sorrisos bobos não tinham conteúdo. Sabe, quando existem traços de uma pessoa que te irritam... esquece! Porque mudar não é a alma do negócio. Amor de verdade é quando você gosta e pronto. Chega, basta. É estranho. Porque você sente quando uma pessoa é especial, mas até descobrir o quanto é uma longa viagem. Se a atração é recíproca, existem aquelas três fases pós período platônico: a euforia, o desgaste e o medo. Você fica um tempo, gosta, desgosta e fica naquela indecisão de colocar tudo a perder. Se esconder isso já é difícil, dividir o momento é pior ainda: você lida com o seu sofrimento e o da pessoa. São dois pesos. Duas pessoas vendo o relacionamento acabar, sem ter muito o que fazer. É assim mesmo. Sabe, se decepcionar é bom. A gente fica mais pé no chão, mais racional e preocupado com o mundo ao redor. Ainda que não admitamos, nosso amor-próprio cresce muito. Porque nós ficamos cautelosos, exigentes... passar pelas más fases de novo está fora dos planos. O tempo que você fica sozinho é bom para se conhecer, encontrar seus limites. Ter seu dia de merda, de fodão e de normal. Tempo de grudar nos amigos, prometer a si mesmo uma pá de coisas e, enfim, renovar conceitos. Se decide procurar algo, não encontra. É a lei da boa vontade, que é inversamente proporcional aos bons resultados. Ficar sozinho também é sinônimo de fazer merda, é claro. O bom é que, aí, os erros geralmente não afetam mais ninguém. Sair da rotina, ficar sem compromisso. Até que um dia isso cansa. Ou não. Mas num dia desses com que você não está acostumado, num dia de chuva e coisas impossíveis, acontecem aquelas coisas que marcam mesmo. Sabe, você não precisa entender como aconteceu ou porquê ou sei lá. Porque você não quer ouvir a resposta. Você não tem medo de ouvir um "sinceramente?", apenas tem medo de acordar. E, sim, borboletas no estômago, na garganta, onde for - elas existem. Prepare-se para uma batalha diária: agora você luta com o tempo que demora a passar, não com o tempo que antecede o fim. Fim passa a ser uma palavra desconhecida. Talvez a face mais "vergonhosa" do Amor seja realmente aquela imagem dos pombinhos, tão bobinhos e ridiculamente apaixonados. Fazendo caretas, imitando vozes, dançando juntos, sendo meigos em excesso... Mas, sabe, não tem coisa mais feliz do que ser um desses "amorxinhos cuticuticuti". Ah, não tem mesmo. Palavra de escoteiro. (Eu sei que eu não fui escoteira, mas eu sempre quis dizer isso.)