sexta-feira, 21 de março de 2008

pt. 10

"Não, não é uma boa idéia.", pensou. Mas tinha visto uma cena parecida num filme de terror, tinha que funcionar. Apesar de saber que deveria estar nervosa pela ação que faria em segundos, estava tranqüila: o resultado não importaria, não choraria a morte de Arthur. Sorriu maliciosamente diante da visão do estado do homem, sentindo-se superior e, talvez, hesitante... porque faria algo do qual poderia se arrepender pela vida inteira? Agatha não percebeu, mas tinha mudado muito em pouco tempo: ficou mais séria, menos chorona, mais decidida.
- Não se mexe. - Falou em som claro e alto, se arrependendo em seguida. O velho devia estar inconsciente, seria idiota falar com alguém que não a escutava. Se aproximou do corpo imóvel, se ajoelhando sobre o colchonete miserável. Olhou com atenção o rosto de Arthur, com esperança de que esse mexesse as pálpebras ou algo que o valha. Apertou seu pulso, se aproximou de seu peito, desajeitada. Não levava jeito para a medicina, sabia disso. Antes de envolver o pescoço enrugado com os dedos, observou-o com nojo. Mordeu os próprios lábios, tentando firmar a outra mão que tremia ao segurar o estilete.
No filme, a mocinha perfurava o pescoço do marido e colocava um tubinho branco improvisado - na verdade, um corpo plástico de caneta -, por onde entraria ar. Agatha considerou a lembrança uma solução para o que pensava ser um problema respiratório. Se Arthur tivesse se engasgado com alguma coisa também a encontraria... "De fato, não é uma idéia tão ruim.", se convenceu. Olhou ao redor, tentando encontrar uma bombinha típica de quem sofre de asma, uma caneta, qualquer coisa. Frustrada, voltou sua atenção para o homem deitado. Droga, espirraria sangue. Não queria se sujar dessa forma, não estava preparada para uma cena tão forte.
Impulsivamente, começou a socar o peito de Arthur, com as duas mãos. Gritou com raiva ao ver sua mão ensangüentada. A lâmina do estilete tinha sido apertada furiosamente durante os movimentos agressivos. Preocupada em se sentar sobre as pernas do velho sem perder o equilíbrio, enquanto analisava desorientada a intensidade do corte, não deu atenção às tossidas que recomeçaram.
- O que é isso, menina?
- Ahn? - Ela parecia ter acordado de um sonho psicodélico. Arregalou os olhos, ao ver Arthur apoiado nos cotovelos. Ainda estava sentada sobre suas pernas. - Ahhh! Você v-você...
- Eu espero não ter te assustado. - Ele parecia mais incomodado com o comportamento da jovem do que com seus sintomas. - Minhas pernas estão dormentes, sai já daí.
- Você fingiu isso? Fingiu? - Ela se virou para ele, arrastando-se para trás, para a ponta do colchonete, enquanto Arthur dobrava as pernas e as massageava com as mãos.
- Hum... não sei o que você viu... ou imaginou... - Acrescentou, ainda estranhando a garota. - Mas, da minha parte, foi tudo sincero. - Ao concluir, permitiu-se rir de tamanha cara-de-pau, pensando que fora uma péssima hora para fazer piadas. Não fora algo infeliz, percebeu em seguida, afinal Agatha não percebera sua intenção (mais uma vez). Ela trocou a expressão aterrorizada por algo triste, movendo a boca discretamente para a esquerda. Baixou os olhos para a mão machucada.
- Hey, temos que cuidar disso. - Disse ele, agitando-se. Se levantou apressado, puxando a moça pelo braço. Ela se surpreendeu ao vê-lo abrir a torneira da pia e tocá-la com todo o carinho e cuidado. - Vai arder, mas depois eu passo alguma coisa para cicatrizar mais rápido... - Seus olhos encontraram os de Agatha. Continuou a falar, porém sem alterar o tom de voz. - Como você fez isso?
O estilete que trouxera escondido na manga desde a ida ao seu apartamento... como a garota explicaria o machucado sem entregar suas reais intenções? Poderia mentir, dizer que o encontrou pelo quarto bagunçado de Arthur, revelar sua tentativa de salvar o homem que teoricamente a matou (lembrou-se dos jornais)... Ou não: tentaria resgatar o objeto, procurar algo pontiagudo, que pudesse ser culpado por sua dor...
- Está tudo bem. - Arthur consentiu, embrulhando a mão ferida num pano, para espanto de Agatha, que permanecia silenciosa e perdida. - Eu entendo... - Ao ouvir isso, a moça franziu a testa, perguntando-se o que ele pensava realmente dela. Não teve tempo de traçar suas teorias: o velho abriu a porta instintivamente, dando de cara com Antoine. Se encararam por longos dez segundos, o sujeito do cabelo oxigenado e o rapaz que passava na ponta dos pés pelo corredor, desabotoando a camisa. - O que é isso, rapaz? - Arthur olhou-o de cima a baixo, notando que o jovem também estava sem sapatos. - Que trajes são esses?
Sem resposta, o homem repetiu a última pergunta. Uma quarta pessoa apareceu, caminhando a passos largos na direção do chefe. A sombra larga e alta que se fez na parede não deixou dúvidas que quem estava por ali. Thomas tocou o ombro de Antoine, empurrando-o para trás.
- Eu vou te dizer o que está acontecendo.


Um comentário:

Anônimo disse...
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